Da pesca desportiva a pescar para comer. A história de um português que não consegue regressar

Pedro Caixado foi passar umas férias a Cabo Verde, para fazer caça submarina, mas acabou retido no arquipélago pelo corte das ligações aéreas.
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Pedro Caixado aterrou em Cabo Verde, a 10 de março, para o que seriam cerca de duas semanas a fazer caça submarina ao largo da ilha. Foi ter com amigos que trabalham nos barcos que levam turistas à pesca do marlim-azul (também conhecido como espadarte-azul), o maior peixe do Atlântico. Umas férias perfeitas para um pescador desportivo: "É a mesma coisa que subir ao monte Evereste para quem faz montanhismo." Pedro Caixado subiu o seu Evereste, por assim dizer, mas afinal o grande desafio estava na descida ou, mais propriamente para o caso, na saída.

O novo coronavírus já era uma realidade em Portugal, mas este português estava longe de imaginar que o surto viesse a provocar o encerramento de fronteiras, de aeroportos e a suspensão quase total do transporte aéreo. "Na altura, ainda ninguém estava a tomar medidas destas", conta ao DN a partir da ilha de São Vicente, onde ainda se encontra, agora sem solução para sair: não há voos internacionais a partir de Cabo Verde e as ligações interilhas, por via aérea ou marítima, também foram suspensas.

Pedro Caixado continua a fazer pesca, mas agora já não é apenas recreativa. "Neste momento, faço caça submarina para me alimentar. Estive num barco desportivo e agora vou num barco com os pescadores locais apanhar peixe para comer. Compramos umas frutas na rua, legumes no mercado, por enquanto ainda dá...", diz este pescador desportivo que é também dono de um bar no Chiado e que fez da cozinha, que era hobby, profissão. Entretanto, já deixou o barco onde viveu durante as férias e alugou uma casa na cidade do Mindelo, a meias com um dos marinheiros que, entretanto, também já não tem trabalho.

"Vivendo um dia de cada vez", à espera de que as coisas se desbloqueiem, é agora o seu lema diário. "Vou esperar. Vou ficar com o ómega 3 em alta", ironiza, mas não sem preocupação à mistura. O seu bar, em Lisboa, está fechado, por agora, por isso Pedro não tem necessidade profissional de voltar a Portugal. Mas em Cabo Verde a situação também está diferente e mais preocupante. "Já se começa a proibir as pessoas de andarem na rua, já se vê a Polícia e o Exército, com alguma insistência, a pedir para não andarem na rua." Não que o conselho seja muito seguido: "As pessoas precisam de sobreviver."

Mas já se sente, conta este português, a "tensão e o desconforto com a situação". "Nos sítios onde ainda se juntam pessoas - nos supermercados, nos correios, nos multibancos - começa a haver muita gente à porta a pedir. E ainda só passaram três ou quatro dias" desde que começaram a ser impostas maiores limitações.

Os turistas já se foram embora há mais tempo. "Já não há turismo nenhum a alimentar isto, na marina onde eu estava está tudo fechado", diz Pedro, que está longe de ser o único estrangeiro retido em São Vicente. "Há aqui pessoas da África do Sul, do Canadá, da Austrália, da Finlândia, pessoas que trabalhavam nos barco e que agora não têm trabalho e não conseguem voltar para casa. E há mais portugueses." São tripulações inteiras constituídas por estrangeiros, capitão, marinheiros, que fazem épocas de trabalho em Cabo Verde - o arquipélago "é a meca, o topo mundial" da pesca do marlim-azul.

Teve notícia dos voos da TAP que, na semana passada, trouxeram centenas de portugueses de Cabo Verde. A informação que lhe chegou a São Vicente é que centenas de pessoas, não só portuguesas, mas também cidadãos de outros países europeus, estavam a acorrer aos aeroportos da Praia e do Sal para regressar a Lisboa e que os preços dos bilhetes eram altíssimos. Sem garantias de conseguir um voo e na perspetiva de acabar no meio de uma multidão a tentar conseguir um lugar, numa ilha que já tem casos de covid-19, decidiu não ir. Tem um negócio no Chiado que está fechado, não tinha urgência no regresso. "Optei por não arriscar ir para o aeroporto, por razões de segurança, e até hoje acho que fiz bem."

O turista português, agora residente temporário forçado, diz que, na perspetiva de não ter viagem de regresso, tinha trocado o bilhete da TAP por um voucher, uma possibilidade que a companhia aérea colocou aos seus clientes. Mas não sem um remoque: "Achei uma desresponsabilização por parte da TAP, oferecem um voucher para viagens futuras quando não têm voos programados, não era preciso ser assim."

Na semana passada, três voos comerciais da TAP trouxeram centenas de portugueses que estavam em Cabo Verde. De acordo com a agência Lusa, que estava no aeroporto internacional da Praia, o primeiro voo deixou dezenas de pessoas, que foram para o aeroporto tentar arranjar bilhete, apeadas. Já no segundo voo a partir do mesmo aeroporto embarcaram todas as pessoas que estavam presentes. A Lusa constatou no local que vários passageiros sem bilhete pagaram entre 750 e 1300 euros pela viagem de regresso a Portugal.

Cerca de 1400 portugueses tentam regressar

De acordo com os últimos números divulgados pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, há mais de mil portugueses que permanecem no estrangeiro à espera de regressar. Na última terça-feira, segundo os números apresentados por Augusto Santos Silva à comissão parlamentar de Assuntos Europeus, quase 1400 portugueses que se encontravam ocasionalmente no estrangeiro (em turismo ou trabalho) aguardam ainda uma solução para conseguir regressar ao território nacional. E haverá casos que não são sequer sinalizados. Pedro Caixado conta que preencheu o formulário que estava no site da embaixada portuguesa em Cabo Verde, e a mulher fez o mesmo a partir de Portugal, mas não tiveram qualquer eco disso. Nos dados divulgados pelo MNE, não há registo de mais portugueses a quererem sair de Cabo Verde, com os processos que estavam em curso já "concluídos".

Depois dos vários voos que, na semana passada, trouxeram mais de mil portugueses de Cabo Verde, São Tomé e Príncipe e Angola, a que se juntaram nesta semana mais dois voos a partir de Maputo, o ministro dos Negócios Estrangeiros disse nesta semana à rádio Observador que a grande preocupação, nesta altura, é o sul da Ásia, nomeadamente a Índia, assim como países como os Estados Unidos.

Na Índia, onde estão cerca de quatro dezenas de portugueses, o problema passa não só pelos voos internacionais, mas também pelo facto de ter sido proibida a circulação entre estados no país, um impedimento a que as pessoas consigam chegar aos aeroportos.

No caso dos Estados Unidos, foram cortadas todas as ligações aéreas com a Europa.

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