"Sim, pode-se", gritaram os deputados da Unidas Podemos quando Pedro Sánchez conseguiu ser investido primeiro-ministro com 167 votos a favor, 165 contra e 18 abstenções no Congresso espanhol. Mas o socialista, que governará numa inédita coligação com a aliança liderada por Pablo Iglesias, não tem um caminho fácil pela frente.."O verdadeiramente difícil começa amanhã", lembrou-lhe deste a tribuna o porta-voz do Partido Nacionalista Basco, Aitor Esteban. Sánchez presta esta quarta-feira juramento diante do rei Felipe VI, mas, segundo fontes socialistas citadas pelos jornais espanhóis, só deverá revelar a formação do governo para a semana, quando se esperava o primeiro Conselho de Ministros já na sexta-feira..Liderar um governo de coligação que não tem maioria no Congresso e lidar com a situação na Catalunha são apenas dois dos desafios que Sánchez terá de enfrentar se quiser cumprir os quatro anos do mandato e chegar ao fim da legislatura..Governo de coligação minoritário.O primeiro desafio de Sánchez será lidar com os sócios de governo, a aliança Unidas Podemos. Esta será a primeira vez, desde o regresso da democracia a Espanha há 40 anos, que haverá um governo de coligação. Até agora, houve governos minoritários, fossem do PSOE ou do PP, que contaram com apoios parlamentares para garantir a investidura ou aprovar orçamentos..Mas Iglesias quis mais do que isso, quis um lugar à mesa do Conselho de Ministros como vice-presidente do governo - ficará com a vice-presidência Social. A aliança Unidas Podemos estará representada noutros quatro ministérios: o do Consumo, que será liderado pelo coordenador federal da Esquerda Unida, Alberto Garzón; o da Igualdade, que será entregue a Irene Monteiro, número dois do Podemos e companheira de Iglesias; o das Universidades, para o deputado Manuel Castells, eleito pelo En Comú Podem (o sócio catalão da aliança); e o do Trabalho (sem as competências da Segurança Social) para Yolanda Díaz, da Galicia en Comú (os sócios galegos)..O problema é que esta coligação é minoritária - juntos, PSOE e Unidas Podemos têm 155 deputados dos 350 que se sentam no Congresso espanhol. Cada projeto de lei que queiram aprovar necessita do apoio de outros 21 deputados, sendo o desafio logo a aprovação de um novo orçamento. Espanha está com o mesmo desde 2018, tendo sido a rejeição do orçamento de 2019 que levou Sánchez a antecipar as eleições (a situação é agora mais complicada, com mais partidos a que agradar)..A coligação de governo é de dois partidos, mas há 16 formações políticas no Congresso espanhol. Na hora de aprovar leis, Sánchez terá de procurar amplos acordos ou enfrentar longas negociações para conseguir o apoio de um ou dois deputados..Catalunha.Um dos partidos de que Sánchez está dependente (só com a abstenção dos seus 13 deputados conseguiu a investidura nesta terça-feira) é a Esquerda Republicana da Catalunha (ERC), correndo o risco de ficar dependente das exigências dos independentistas catalães..A principal exigência para garantir essa abstenção foi a de uma "mesa de negociação sobre o conflito político e o futuro da Catalunha", que os socialistas querem que termine numa reforma do Estatuto da Catalunha que será votado pelos catalães. PSOE diz que discussão será dentro da Constituição e que em causa não está um referendo sobre a autodeterminação, mas é isso que os independentistas querem. E que só é possível com uma reforma da Constituição..Mesmo no caso de um novo estatuto, que poderia ser aprovado também pelo Parlamento catalão, o PP já disse que iria recorrer para o Tribunal Constitucional - foi uma decisão deste tribunal a outra queixa do PP em relação ao atual estatuto que incendiou a Catalunha, por causa das alterações que acabaram por ser ditadas..No diálogo, há propostas para todos os gostos, desde os que querem voltar a aplicar o artigo 155 da Constituição e suspender a autonomia da Catalunha aos que reclamam uma amnistia aos líderes independentistas condenados, para pelo menos solucionar esse ponto..Espanha enfrenta a decisão de um tribunal europeu segundo a qual Oriol Junqueras, líder da ERC condenado a 13 anos de prisão, podia assumir o cargo de eurodeputado e tinha direito a imunidade. O Parlamento Europeu decidiu reconhecer Junqueras, assim como o ex-presidente da Generalitat Carles Puigdemont (autoexilado em Bruxelas), apesar de uma resolução da Junta Eleitoral Central espanhola em contrário..Junqueras já foi entretanto eleito vice-presidente do grupo europeu dos Verdes/Aliança Livre Europeia o Parlamento Europeu. Será o Supremo Tribunal a decidir se o líder da ERC é ou não libertado para tomar posse..Mesmo indicando que ia abster-se na votação, a deputada da ERC que falou nesta terça-feira - Montserrat Bassa, irmã de Dolors Bassa, condenada a 12 anos de prisão - acusou o PSOE de ser também "verdugo" e "cúmplice", deixando claro que não lhe interessa a governabilidade de Espanha..Oposição."Espanha já tem governo e Espana já tem oposição. Não é o governo que queria a oposição, nem a oposição que queria o governo, mas é o que há", escreveu o jornalista e escritor Manuel Jabois, numa análise no El País..Se o debate do fim de semana e o desta terça-feira são exemplos do que está para vir nos próximos quatro anos (se o governo durar), o Congresso vai ser transformado num verdadeiro campo de batalha. A aliança entre PSOE e Unidas Podemos, com o apoio dos independentistas, foi alvo de ataques por parte da direita e particularmente da extrema-direita do Vox (terceira força política no Parlamento)..O Vox de Santiago Abascal apelida de "ilegítimo" o governo e lançou um apelo às manifestações no domingo contra o executivo. No debate, apelidou de "golpe institucional" o que o PSOE está a fazer ao aliar-se com a Unidas Podemos e os independentistas..A investidura ficou ainda marcada pelas pressões (e até ameaças) aos deputados que iam votar a favor do governo de coligação, com o deputado do Terual Existe, Tomás Guitarte, a ter de dormir fora de casa e a receber proteção policial. O deputado começou a receber mensagens e e-mails com mensagens ameaçadoras depois de confirmar o seu voto a favor de Sánchez, tendo visto também surgir em vários edifícios da província edifícios pintados com as palavras "Guitarte traidor"..Economia.A previsão de crescimento económico para 2020 é de entre 1,5% a 2%, o que a confirmar-se os prognósticos mais pessimistas será o valor mais baixo nos últimos 25 anos (sem contar com o período de crise). À desaceleração económica (que uma eventual recessão económica a nível mundial poderá piorar) junta-se o desemprego, com mais de 3,1 milhões de pessoas sem emprego, apesar de este número estar em queda há sete anos..A revogação da reforma do Trabalho de Mariano Rajoy será uma das medidas do novo governo, que quer acabar com a possibilidade de um empregado ser despedido enquanto estiver de licença por doença ou um empregador alterar unilateralmente o contrato de trabalho..A Confederação Espanhola de Organizações Empresariais (CEOE) já denunciou um programa económico "mais próximo do populismo do que da ortodoxia económica", dizendo que este terá um "efeito muito negativo na criação de emprego, no futuro das empresas" e no investimento..É neste clima que o governo progressista espanhol quer um novo orçamento, no qual haverá mais gastos em matéria social, mas também um aumento dos impostos, nomeadamente entre os mais ricos e as grandes empresas. O governo promete, contudo, continuar a reduzir o défice público, para agradar a Bruxelas e aos investidores.