"Da geringonça à oposição, sem arrependimentos". BE discute rumo
O Bloco de Esquerda discute este sábado o rumo estratégico para o futuro, depois do desaire eleitoral das últimas legislativas, com a oposição interna a insistir que o partido deveria fazer esta discussão numa convenção antecipada. "Isto é uma espécie de comício com debate", diz o antigo deputado Pedro Soares, um dos principais rostos da Convergência, movimento crítico da direção.
Em termos práticos, a questão da convenção antecipada não estará em cima da mesa desta IV Conferência Nacional do BE, que terá lugar em Lisboa, mas isso não quer dizer que este seja um assunto fechado. Pedro Soares admite que o pedido de antecipação da reunião magna dos bloquistas (que já foi chumbado na Comissão Política, contando apenas um voto favorável), venha ainda a ser feito diretamente na Mesa Nacional do partido. Pelo calendário normal, a Convenção - logo, as eleições internas - decorrerão no próximo ano.
Até agora foram apresentadas três propostas globais a discutir (e votar) na conferência do próximo sábado, que terão de ser subscritas por 30 conferencistas - uma apresentada pela direção, outra do movimento Convergência, e uma terceira que reúne vários nomes que se juntaram numa moção alternativa na última convenção bloquista (a moção Q).
Se o documento da direção atribui os resultados eleitorais a alguma incompreensão do eleitorado com o chumbo do orçamento, mas sobretudo à "chantagem da governabilidade" por parte do PS e à pressão provocada pelas sondagens, ao deixar em aberto o cenário de um governo de direita, os dos críticos olham para o passado recente com uma perspetiva muito pouco benévola. "A explicação não pode ser encontrada apenas em fatores conjunturais", refere o texto da Convergência, defendendo que isso não seria "um balanço sério". Sublinhando que os problemas do partido "não se resolvem com a demissão deste ou daquela dirigente", os críticos sustentam, no entanto, que a "necessária e inadiável mudança de rumo" dos bloquistas "compete à Convenção Nacional", pelo que a conferência deste sábado representa uma "grave entorse à democracia interna". Já o segundo grupo de críticos aponta para uma "autojustificação" em que "a direção tem sempre razão e a culpa foi da situação difícil" - "Precisamos de muito mais do que isso neste momento."
No texto que apresenta à conferência, a direção do Bloco de Esquerda mantém, no essencial, as razões que tem apontado para a derrocada eleitoral de 30 de janeiro e também a recusa de erros estratégicos no percurso escolhido - primeiro, na geringonça, depois no trajeto de afastamento que se traduziu no chumbo de dois orçamentos de Estado. O título que é dado ao capítulo de balanço é um resumo disso mesmo - "Da geringonça à oposição, sem arrependimentos". Enaltecendo o acordo firmado com os socialistas em 2015, a direção liderada por Catarina Martins acusa António Costa de ter acabado com a geringonça em 2019, mantendo desde então uma "estratégia de provocação e ensaio de crise política". "O Bloco de Esquerda teve razões substanciais - e era esse o seu mandato político - para não viabilizar Orçamentos do Estado que refletiam a recusa do PS de verdadeira negociação à esquerda", refere o documento, sustentando que as últimas eleições vieram confirmar "um perigo permanente" - o da "redução do espaço público ao ciclo vicioso do ressentimento social e do medo político", a par do medo do "crescimento da direita radicalizada, ultraliberal ou racista". Um contexto que favorece "o crescimento do Chega e o poder absoluto do PS, que não carece de boa governação para se apresentar como fator de contenção do fascismo".
O movimento Convergência não concorda com a leitura. "Não estamos aqui para nos arrepender, estamos aqui para tirar conclusões", defende Pedro Soares. No texto que levam à conferência, os críticos falam "numa espécie de cultura "geringoncista" no Bloco, afirmando que a ação política do partido se resumia à procura de acordos com os socialistas. Defendendo que o BE deveria ter cortado amarras com os socialistas logo ao primeiro orçamento da legislatura passada, os críticas acusam o secretariado nacional dos bloquistas (o órgão de cúpula da direção) "de ter demonstrado uma "infantilidade tática", cometendo um "erro de consequências graves". Traçado o desfecho a 30 de janeiro último, os subscritores do texto dizem que "não retirar consequências dos resultados eleitorais configura uma atitude de arrogância política inadmissível num partido de esquerda que pretende responder à vontade popular". Para o movimento o Bloco "corre o risco de ver todo o seu importantíssimo património político, cultural e moral ser alienado com a continuidade da política de aproximação ao PS".
No terceiro documento que deverá ser apresentado à conferência (uma decisão que só ficará fechada no próprio evento), vários nomes que na última Convenção se reuniram em torno da moção Q repetem as críticas à direção bloquista, que já na altura acusavam de estar "fechada em si mesma". Para estes críticos o Bloco de Esquerda passou a ser visto por muita gente como "um melhorador de orçamentos e não como uma alternativa de sociedade". Por outro lado "institucionalizou-se e fez dos palcos mediáticos a sua aposta central", uma forma de fazer política em que a "construção de decisões a partir da base parece ser vista como um luxo".
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