A adesão da Finlândia à NATO veio confirmar que o quadro das relações internacionais está a mudar de modo profundo e rápido, desde o início da agressão russa contra a Ucrânia. Há um ano, vários analistas sublinhavam a neutralidade da Finlândia, de equilíbrio político entre o Ocidente e o Kremlin. E acrescentavam que uma solução possível para o futuro da Ucrânia seria imitar o modelo finlandês. Agora, esse modelo deixou de existir. Perante uma classe dirigente perversa não há outra escolha na Europa, em matéria de defesa, senão optar pela pertença à Aliança Atlântica. Perversa porque acredita no expansionismo imperialista, na subjugação da vizinhança a partir do Kremlin e numa mítica superioridade da sua civilização - como é dito com todas as letras no documento de estratégia de política externa que acaba de ser aprovado em Moscovo..Foi isso o que o povo finlandês decidiu, num exercício de soberania nacional. A NATO limitou-se a ratificar a decisão tomada livremente pelos finlandeses. Estes poderiam ter escolhido uma outra opção, aderir à organização de defesa que a Rússia dirige: a Organização do Tratado de Segurança Coletiva, conhecida pelas iniciais CSTO. A Arménia, a Bielorrússia, o Cazaquistão, o Quirguistão e o Tajiquistão fazem igualmente parte do CSTO. Mas não vejo a Geórgia ou qualquer outro país da Europa do Leste ou da antiga União Soviética interessado em se lhes juntar..Entretanto, a Rússia adotou uma nova política externa e assumiu a presidência do Conselho de Segurança da ONU..O documento sobre as novas orientações da política externa é pormenorizado, ambicioso e combativo. No essencial, define uma linha de aproximação à China, à India e ao resto do mundo e arredores, com exceção dos EUA e dos seus "satélites", ou seja, dos países ocidentais politicamente próximos dos norte-americanos. Essa é a grande novidade: dizer abertamente que os EUA e os seus aliados são os inimigos existenciais da Rússia. Na linguagem putinista de agora, este termo "existencial" aparece sempre ligado a ameaças de uso de armas nucleares..Porém, o objetivo verdadeiro da sua política externa é o de procurar criar novas alianças que tornem o mundo multipolar e reduzam ao máximo o poderio americano. É uma ambição extraordinária, quando se pensa que a economia russa representa cerca de 9% da americana e apenas pouco mais do que vale a Itália. É certo que tem mais de seis mil ogivas nucleares. Mas o mundo de hoje e do futuro não deverá ser construído à volta da força militar..Os chineses sabem isso. Sabem que a economia é a base do resto. Tem de ser a mais diversificada e avançada possível, pois só assim se ganha peso nas relações internacionais. Enquanto aposta no desenvolvimento das suas forças armadas, a China coloca as relações económicas como preocupação principal. Foi isso que mostraram as visitas a Beijing de Ursula von der Leyen e de Emmanuel Macron esta semana, bem como há dias de Pedro Sánchez. As trocas comerciais entre a UE e a China andam hoje à volta dos dois mil milhões de euros por dia. A China segue uma linha pragmática nas relações entre os estados. Não irá declarar a Europa como um inimigo a abater. Se um dia isso acontecesse, seria o sinal de que estaríamos à beira de uma crise mundial catastrófica..A presidência do Conselho de Segurança roda entre os seus quinze membros. Seguindo esta regra, abril calhou à Federação Russa. Muita gente ficou em estado de choque ao saber que um país agressor iria presidir durante um mês aos trabalhos do principal órgão político da ONU, que é responsável pela paz, a segurança internacional e o respeito pelos princípios da Carta das Nações Unidas. Assim funciona o sistema. O fundamental é saber que agenda propõem para abril e que aproveitamento da presidência será tentado..A maioria das reuniões abordarão os temas correntes, à volta da implementação das missões de paz da ONU. A meu ver, apenas dois temas serão novos, introduzidos com o objetivo de defender posições caras à Rússia. A 10 de abril, os russos propõem que o Conselho discuta o fornecimento de armamento à Ucrânia como sendo "uma violação" de acordos internacionais existentes. Será um tiro de pólvora seca. E a 24 de abril, pretendem que se discuta como tornar o multilateralismo mais efetivo. É uma maneira de procurar atacar os EUA, que acusam de prepotência. E também de fazer propaganda sobre a nova visão de política externa que Moscovo agora apresentou. Em ambos os casos, folguemos, nada de concreto irá resultar. E no final de abril outro maio virá.. Conselheiro em segurança internacional. Ex-secretário-geral-adjunto da ONU