Da ciência de dados à inteligência artificial. Os possíveis caminhos de futuro para as cidades

Durante três dias, milhares de participantes dos quatro cantos do mundo reuniram-se no <em>World Urban Forum</em>, na Polónia, para discutir as cidades a nível global. A principal conclusão? Há muito que pode ser feito para melhorar a forma como vivemos.
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Repensar as cidades, o seu futuro e a forma como vivemos marcou, durante três dias, a discussão na 11.ª edição do World Urban Forum (em português, Fórum Urbano Mundial) que, este ano, aconteceu em Katowice, no sul da Polónia. O local pode parecer estranho à primeira vista - visto que os dois grandes centros urbanos polacos são em Varsóvia e Cracóvia - mas a escolha tem uma razão: aos poucos, a cidade procura tornar-se mais verde e ecológica, depois de décadas ligadas à exploração de carvão e de ferro, com várias minas desativadas nos arredores.

Ao mesmo tempo que, em Lisboa, acontecia a Conferência dos Oceanos, e ali ao lado (na Alemanha), a cimeira do G7, o World Urban Forum procurou discutir e refletir sobre o futuro das grandes cidades a nível mundial. Com as previsões a apontarem para uma adesão acima das 22 500 pessoas, segundo revelou o ministro dos Fundos e Políticas Regionais, Grzegorz Puda, a principal conferência das Nações Unidas sobre o tema ocupou vários espaços da cidade. Apesar de ser na Blue Zone (ou Zona Azul, que circundava a arena Spodek e o centro de congressos da cidade, localizados na área mais cultural de Katowice) que decorriam as diversas palestras e estava montado o espaço de exposições dos diversos países, o World Urban Forum espalhava-se pelo resto da cidade polaca. O objetivo, explicou a organização, era "fazer com que, ao longo destas 11 zonas diferentes", o fórum fosse "aberto não só aos participantes como também aos habitantes da cidade para mostrar que é possível haver urbanismo sustentável."

Depois de cumpridas as formalidades típicas num evento do género, o primeiro diálogo intercultural do evento aconteceu logo no dia de arranque. Com o foco a ser a resposta à crise urbana e a recuperação, uniu, no mesmo palco, perspetivas diferentes, vindas da Colômbia, Libéria ou África do Sul, a conclusão principal era só uma: fosse a pandemia ou a guerra, "as crises acabaram por definir os nossos tempos". E, como consequência, o custo da habitação está a aumentar, sufocando o mercado e aumentando os riscos.

Mais tarde, já depois de almoço, ali ao lado, no chamado "Multifunction Hall" (ou "pavilhão multifunções", em português), o foco passou do presente para o futuro. Isto porque, numa sessão organizada pelo Banco Mundial em parceria com a empresa Reall, se discutia o futuro da habitação acessível através da ciência de dados.

Com oradores vindos da Índia, da Nigéria, dos Estados Unidos e do Reino Unido, as preocupações eram transversais: há que tornar as condições de empréstimo mais acessíveis às pessoas. Para isso, o que os oradores propunham é simples: há que olhar para os dados de cada um e, com isso, tornar o crédito personalizado e mais acessível a quem quiser comprar casa. Segundo Ben Atkinson, da Reall, "os mercados precisam de dados para não se fazerem coisas apenas por palpite", o problema, diz, é que "os dados existem em todo o lado, mas estão tão dispersos que fica complicado encontrá-los". Mas, alerta, os dados não se podem extrapolar. Ou seja: "cada indicador corresponde a uma realidade concreta, significativamente diferente de outras", explicou.

Outra das principais conclusões que o painel apresentou prende-se com a dificuldade em perceber os chamados "bottom 40" do crédito à habitação (a faixa populacional com mais dificuldades em conseguir um crédito para comprar casa). "É uma zona demográfica com dados limitados", explicou Sumedha Naik, presidente-executiva da empresa indiana Syntellect, que acrescentou: "Com a falta de indicadores, acaba por ser mais difícil criar perfis de utilizador", o que dificulta, também, a personalização do modelo de crédito à habitação, que ainda é incomportável em muitos países.

Já no segundo dia de conferências, as discussões sobre o uso da tecnologia ao serviço das cidades continuou. Desta feita, o foco de outro painel acabou por ser a inteligência artificial. Num painel organizado pelo Mila - o Instituto de Inteligência Artificial do Canadá -, que apresentou as principais conclusões de um estudo que procurou estabelecer boas práticas sobre como utilizar a videovigilância nas cidades, aliando-a à inteligência artificial (algo que já acontece, por exemplo, no reconhecimento de suspeitos de crimes através de imagens de vigilância).

Perante uma sala praticamente cheia (o que representava sinal de interesse no tema, uma vez que existiam sempre várias outras sessões em simultâneo), Shaz Jameson, investigadora do Mila, explicou que "há a possibilidade de modernizar cidades e de fazer com que, através do reconhecimento de padrões, as câmaras de vigilância possam atuar melhor". No entanto, podem surgir questões éticas sobre o uso desta tecnologia, nomeadamente ao nível dos preconceitos que, muitas vezes, são inerentes aos sistemas de inteligência artificial. E Shaz assume-os: "Há que estar consciente de que isso pode acontecer, mas se existir uma governança diferente e uma aplicabilidade justa, como já acontece com os carros inteligentes, o futuro pode ser mais risonho." Isto não deve, contudo, afastar a aposta na inteligência artificial ao serviço das cidades. Aliás, segundo a investigadora, todas as normas a seguir - sem, no entanto, dizer quais concretamente - foram feitas de acordo com critérios da ONU.

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