A Maersk, o gigante dos contentores, anunciou que vai poupar 7500 km a um dos seus cargueiros, enviando-o da Ásia para a Europa pelo Ártico em vez de pela rota do Suez. É experimental a viagem, de 16 500 km em vez dos tradicionais 24 mil, mas pode tornar-se a regra, caso o aquecimento global alargue os três ou quatro meses em que é possível navegar ao longo do litoral norte da Rússia, habitualmente gelado. Se tudo correr bem, poupam-se 12 dias de viagem, 40 em vez dos 52 que hoje tarda um navio a ligar Vladivostoque, no extremo oriente russo, a Helsínquia. E, claro, há milhões de euros (ou de dólares) em jogo, basta pensar no combustível que se poupa e na disponibilidade do cargueiro para fazer mais fretes..Os mais atentos a este tipo de notícias dirão que a empresa dinamarquesa não é pioneira na utilização da chamada Passagem do Nordeste (numa visão eurocêntrica, a do Noroeste é a que liga o Atlântico ao Pacífico pelo labirinto das ilhas canadianas); relembrarão mesmo que dezenas de navios têm feito o percurso desde há uma década e que em 2013 foi com grande alarde que a China anunciou que o Yong Sheng se tornou o primeiro cargueiro com o seu pavilhão a estrear a Passagem do Nordeste, navegando de Busan, na Coreia do Sul, até ao porto holandês de Roterdão. Mas o Venta Maersk, navio corta-gelos, pretende recolher dados que, a serem positivos, levarão a empresa-mãe a apostar de vez na nova rota, sabendo que os riscos e as limitações associados à navegação no Ártico poderão ser bem compensados. Nos contentores viajará peixe congelado e produtos eletrónicos, e a forma como resistirão à variação de temperaturas é uma incógnita..Não é só a navegação que o recente degelo do Ártico (40% da capa de gelo em 40 anos, segundo peritos da ONU) permite. Também abre caminho à exploração petrolífera e tanto os Estados Unidos (no Alasca) como a Rússia têm-se mostrado adeptos de pôr os interesses económicos à frente das preocupações ambientais. Sendo que ao contrário da Antártida, onde não são reconhecidas quaisquer reivindicações territoriais, no caso das imediações do polo norte há zonas económicas exclusivas a ter em conta e, portanto, cada país pode invocar ser soberano, como Donald Trump e Vladimir Putin têm feito questão de dizer..Mesmo a mera circulação de navios, ainda que fossem só cargueiros, implica riscos ambientais. Qualquer acidente pode ter consequências gravíssimas, sobretudo em zonas inóspitas, de difícil acesso mesmo em condições meteorológicas benévolas..Mas é inevitável que o Ártico, como todas as terras incógnitas, despertem cobiça. Basta pensar nos Descobrimentos: não foram uma expedição científica, mas sim uma busca de riquezas além-mar. Aliás, há um navegador português que terá sido o pioneiro nesta aventura de cruzar os mares árticos, David Melgueiro, que ao serviço da Holanda viajou em 1660-1662 de Kagoshima até ao Porto, ligando o Japão a Portugal..Era uma missão secreta e só um relato de um espião francês descoberto em 1853 serve de informação de que um português foi mais bem-sucedido do que Barents e Bering (que deram nomes a mar e estreito mas morreram no Ártico) e precedeu o sueco-finlandês Adolf Nordenskiöld, tido como o primeiro a fazer a Passagem do Nordeste, mas só em 1878-1879..Subsistem dúvidas sobre o feito de Melgueiro. Damião Peres, grande historiador do século XX, admitiu a possibilidade desde que fosse num ano extraordinariamente quente. Hoje o extraordinário passou a regra.