Da abstenção violenta à abstenção burra

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O PSD votou contra o Orçamento do Estado de 2016 na generalidade. Na votação final fará o mesmo. Mas entretanto para a especialidade, quando o OE se discute artigo a artigo, decidiu duas coisas: primeira, não apresentará nenhuma proposta de alteração; segunda, abster-se-á face a todas as propostas de alteração que forem apresentadas venham da esquerda ou da direita.

Argumento do PSD para se abster sempre: assim o PS, se quiser que propostas à sua esquerda sejam chumbadas, terá mesmo de votar contra essas propostas. Não poderá apenas abster-se contando com um voto contra do PSD para as chumbar. Isto supostamente criará problemas dentro da "geringonça", acha o PSD.

Apresentemos então um problema imaginário: o PCP, o BE e o PEV apresentam uma proposta conjunta na especialidade que aumenta os ordenados da função pública em 50%. O PS suspira com o irrealismo da coisa, mas não faz muito barulho a bem da "geringonça". O PSD e o CDS dizem que a "a esquerda endoideceu". No fim, PSD e CDS votam contra; os proponentes (BE, PCP e PEV) a favor; o PS, entalado entre os deveres de gestão da "geringonça" e as imposições da contenção orçamental, abstém-se. Resultado: a proposta é chumbada (a direita tem mais votos do que a soma do BE com o PCP e o PEV). Título óbvio dos jornais no dia seguinte: "Abstenção do PS chumba aumentos de 50% na função pública."

Serve isto para dizer o seguinte: abstendo-se o PSD ou não se abstendo, isso nunca irá retirar ao PS o ónus de ser ele a chumbar propostas vindas da sua esquerda. O resultado final será sempre o mesmo. O PS, porque está no meio da balança, é que decide para que lado esta se inclina. E isto não é só política. É aritmética também - e da mais simples. E sendo também aritmética menos se percebe esta decisão do PSD. Parece que não sabe somar 2+2.

Já conhecíamos a "abstenção violenta" do PS de António José Seguro no primeiro Orçamento de Passos Coelho, em 2011. Foi "violenta" porque contrariada (e aliás grande parte do partido nunca lhe perdoou essa escolha): o Orçamento era austeritário mas cumpria um memorando com a troika que tinha sido o PS a negociar semanas antes. Na verdade, o PS não tinha nessa altura outro remédio: não podia ser a favor nem contra.

Agora, porém, temos outra abstenção, que é a abstenção burra: a abstenção de quem não sabe aritmética simples; a abstenção de quem não consegue propor uma agenda política alternativa apresentando alterações ao Orçamento do Estado; a abstenção de quem é muito contra o OE mas depois não tem posição quando os artigos se vão discutindo

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