"Cultura de medo" na BBC permitiu abusos sexuais a mais de 90 vítimas

Quando uma funcionária disse que Jimmy Savile lhe tinha posto a mão debaixo da saia, foi-lhe dito: "Boca calada, ele é um VIP"
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Um novo relatório demonstra que uma cultura deferencial e baseada no medo fez com que dois apresentadores da BBC pudessem continuar nos seus cargos mesmo quando se sabia que abusavam sexualmente de mulheres e crianças, de acordo com um relatório recém-publicado pela televisão pública britânica.

O apresentador Stuart Hall foi condenado em 2013 de abusar sexualmente de 13 raparigas, e o apresentador Jimmy Savile morreu em 2011 sem nunca ter sido julgado pelos crimes de que é acusado. A juíza Janet Smith conduziu a investigação na BBC para perceber o que se passara na televisão estatal para que dois dos seus apresentadores pudessem permanecer impunes nos seus cargos apesar de rumores e acusações que duraram décadas. Smith identificou pelo menos 72 vítimas de Savile com relação ao seu trabalho na BBC, oito das quais foram violadas, e 21 de Stuart Hall.

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Janet Smith concluiu no relatório divulgado esta quinta-feira que a BBC era responsável de graves falhas na forma como foi tratado o caso de Jimmy Savile, mas não encontrou provas de que houvesse um encobrimento ativo da BBC enquanto instituição. A responsabilidade, afirma, é de uma cultura empresarial machista na qual os empregados têm receio de fazer queixas ou acusações, especialmente acerca das principais estrelas da cadeia televisiva respeitada mundialmente.

Porque os empregados tinham medo de denunciar o que sabiam sobre Savile e Stuart Hall, concluiu Smith, os membros superiores da administração da televisão nunca souberam dos casos de abuso. Um advogado das vítimas de Savile considerou, no entanto, que estas conclusões eram implausíveis.

As revelações acerca de Jimmy Savile, que começaram a surgir um ano após a sua morte, sacudiram a BBC, havendo alegações de que a empresa mediática financiada pelo estado tinha encoberto deliberadamente os crimes de Savile. Alguns dos abusos sexuais cometidos pelo apresentador ao longo da sua carreira e até à sua morte, aos 84 anos, aconteceram em hospitais onde fazia trabalho de beneficência junto dos jovens.

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"Parece-me que a BBC podia ter sabido", disse o diretor-geral da televisão, Tony Hall, numa conferência de imprensa. "Tão forte como a acusação 'Vocês sabiam' é a pergunta: 'Como é que vocês não sabiam?'"

A investigação da juíza Janet Smith concluiu que, embora alguns funcionários da televisão estatal tivessem feito queixas, essas queixas nunca subiam na hierarquia devido a uma cultura de "não fazer queixa de nada". Os funcionários tinham receio de passar informação à administração que pudesse "agitar as coisas", por receio de despedimento. Quando uma funcionária disse que Savile lhe tinha posto a mão debaixo da saia, foi-lhe dito: "Boca calada, ele é um VIP", de acordo com o relatório de Smith.

"As celebridades eram tratadas com luvas de pelica e eram praticamente intocáveis", disse Smith aos jornalistas.

Savile, que tinha sido desportista e usava o cabelo louro comprido, começou a sua carreira como DJ nos anos 1960, e chegou a apresentar alguns dos principais programas da BBC nas décadas que se seguiram. Smith concluiu que 117 testemunhas tinham ouvido rumores sobre a conduta sexual de Savile. "Este relatório é uma leitura triste para a BBC", escreveu Smith na conclusão do seu relatório de mais de 370 mil palavras, que levou dois anos e meio a completar e custou mais de oito milhões de euros.

Com Reuters

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