Pelo bem-estar do animal, "devemos fazer tudo o possível, mas sem entrar em fundamentalismos", alerta o bastonário da Ordem dos Médicos Veterinários. Numa reflexão à sombra do Dia Mundial dos Direitos dos Animais, celebrado no dia 10 de dezembro, Jorge Cid elogia uma sociedade com uma "evolução muito rápida, brutal, nos últimos anos" relativamente ao tema, embora ainda haja muito por fazer. Um dos maiores problemas, como aponta, continua a ser a forma quase sempre intransigente como se olha para a questão.."Acho que há muito fundamentalismo naquela área e ninguém ganha com isso. Tem que haver bom senso, acima de tudo", começa por explicar. O veterinário reflete sobre o facto de vivermos em tempos em que todos têm algo a dizer, principalmente sobre questões tão polémicas como os direitos dos animais, dentro ou fora das nossas casas, mas alerta que é preciso não olhar tudo "como se fosse preto no branco", de forma linear. "É claro que uma pessoa que vive num 10º andar na Avenida da Liberdade (Lisboa) tem uma noção diferente do bem-estar do seu animal de companhia comparativamente a alguém que vive numa aldeia no interior do país. Não quer dizer que uma goste mais do seu animal do que a outra", exemplifica. Pode, muitas vezes, significar um maior desconhecimento sobre os direitos destes animais e, aqui, a conversa é outra: educação..Para Jorge Cid, a educação deve ser testada antes da punição. "Em Portugal, pensa-se só em punir e não em educar, corrigir", não só nesta área, como diz, mas "em todos os aspetos da sociedade", embora "este tema seja um bom reflexo deste problema". "Se não houver solução possível, pune-se. Mas antes, tenta-se educar e corrigir", advoga, "porque muitas vezes a pessoa pode não estar consciente daquilo que está a fazer, estar convencido de que não há mal nas suas ações"..O processo de instrução deve, aliás, "passar pela forma como como se ensina ou não a tratar um animal nas escolas", mas também pelas autoridades. "Se acham que há alguém que está a ser maltratado, devem tentar instruir a pessoa. E esta pessoa pode mesmo estar disposta a fazê-lo sem ser necessário agir de forma extrema", explica..Uma sociedade mais desperta e informada.É assim que o bastonário olha para os portugueses atualmente. Definir a grande causa para a evolução desta sociedade, de menos conhecedora dos direitos dos animais para informada e "atenta", não é tarefa fácil. O especialista acredita, contudo, que pode partir "da sensibilização, talvez com maior incidência na camada populacional com maior literacia e mais urbanas, sobre o papel fundamental do animal" e também das "investigações e artigos de opinião recentes que mostram as vantagens, a nível psicológico e clínico, de se possuir um animal de companhia". A verdade é que, hoje em dia, "à volta de 70% das famílias portuguesas tem um"..Na sua opinião, há mais preocupação e isso reflete-se nos vários consultórios veterinários do país. "Eu diria que há 20 anos seria impensável alguém gastar cerca de mil euros com um animal e hoje em dia já olham para isso com mais naturalidade", conta. Mais do que um animal, olham para este como "um elemento da sua família" e a ciência tem procurado acompanhar esta evolução. É nos seus 40 anos de profissão que Jorge Cid se baseia para esta análise. "Eu diria que hoje em dia se consegue fazer tudo o que se faz às pessoas nos animais também, a nível médico. Desde os diagnósticos aos meios cirúrgicos. Já não acham estranho fazer uma ressonância magnética ao animal"..Assim como a medicina, também a lei parece estar a acompanhar este ritmo de progressão. Ainda assim, "há muito por fazer". Para o também presidente da Associação Portuguesa de Médicos Veterinários Especialistas em Animais de Companhia "o mais importante" está, aliás, ainda por resolver: o abandono dos animais - já punível em Portugal.."É um flagelo nacional", atreve-se a apelidar, por isso, "é necessário um estudo profundo sobre as causas do abandono e o combate possível às mesmas". Porque "sabemos qual é a dimensão - em 2017, tínhamos entre 50 a 60 mil animais abandonados recolhidos -, mas não a razão" do problema. E a solução não está, a seu ver, na injeção de "toneladas de dinheiro para construir canis do Minho ao Algarve", até porque "as adoções não andarão acima dos 30% dos animais abandonados". A única saída possível passa por "evitar o abandono". "Há imensas medidas a tomar para isso, mais baratas até", remata.