Cuca Roseta: "Fadista que mora em Cascais, tem piercing e é gira, então não pode cantar bem. São preconceitos"

10 perguntas à queima-roupa, 10 respostas na ponta da língua. Nova rubrica do DN desafia personalidades a comentar assuntos quentes do país e do verão. Hoje é a vez desta fadista, que cantou para o Papa.
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Atuar na Jornada Mundial da Juventude?
Atuei na Jornada Mundial da Juventude na Polónia, em Cracóvia, e agora também em Cascais. Foi um dia em que estava a haver uma missa de inauguração, portanto, não estavam os jovens previstos, o que foi pena, porque na Polónia foi mesmo muito especial. Atuei para 15 mil portugueses e foi maravilhoso quando foram receber a sua tradição, ali no meio da JMJ. Estive para ir muitas vezes quando era jovem, mas acabei por nunca ir, só fui mesmo como cantora.

Fado e Amália?
O fado pode ser um cartão de visita de Portugal lá fora. Acho que os fadistas podem ser embaixadores de Portugal, pelo menos é esse o nosso papel que tem sido visto nos últimos tempos, desde que a Amália nos abriu essas portas. A nossa música tradicional tornou-se Património Imaterial da Humanidade, portanto, deixou de ser nossa e passou a ser do mundo, algo extremamente surpreendente e gratificante - falo para quem não costuma cantar para as comunidades. Mas vê-se realmente uma canção, uma tradição e uma cultura de um país tão pequenino ter a força para ir além-fronteiras e furar todas as línguas, chegando aos corações e tocando as pessoas, mesmo quando não entendem absolutamente nada. É extraordinário.

Amália é uma das minhas fadistas favoritas de sempre. Uma mulher que admiro muito, não só como artista, mas como mulher, como pessoa, na sua inteligência e sensibilidade. Como poetisa também - os seus poemas maravilhosos que canto quase todos e com os quais me identifico muito. Foi a pessoa que mais me impulsionou a seguir pelo fado e a apaixonar-me pela tradição portuguesa, por esta nossa canção. E também por esta vida de ser embaixadora de Portugal no mundo, de levar a nossa tradição pelo mundo fora.

Ioga ou taekwondo?
Ioga e taekwondo. As artes marciais fazem parte da minha vida desde muito nova. Sou cinto verde de judo, cinto verde de karaté e segunda cinto preto de taekwondo. Infelizmente, não consigo praticar com a regularidade que deveria sendo segunda cinto preto, porque viajo pelo mundo, mas é uma paixão e sempre será. O ioga levo comigo para todo o lado e é uma das grandes prioridades da minha vida. Acho que se não fizesse Ioga e se não respirasse aquilo que andamos a fazer, todos os dias em cidades diferentes do mundo, era impossível conseguir estar inteira para cumprir com essa missão e levar o meu dom através da música para o mundo.

Liberdade e preconceitos?
É uma palavra que me define bastante. Sou sagitariana e uma aventureira, acho que não só me define por aquilo que sou desde sempre, no meu espírito, mas também me define por aquilo que fui conquistando, rompendo a timidez da minha personalidade, rompendo, acima de tudo, com preconceitos que fui encontrando no meu caminho. É uma palavra que me diz muito. Aliás, a imagem das asas é uma das que associo muito à liberdade, gosto muito e está, inclusive, na capa de um dos meus discos.

Uma fadista que não mora num bairro típico português, que tem um piercing, que faz taekwondo e que é gira, então não pode cantar bem. São muitos, ficaria aqui eternamente. Uma fadista que mora em Cascais, embora existam várias pessoas diferentes a morar em Cascais. Enfim, são vários preconceitos.

A idade tem peso? O que lhe deu que não tinha há 10 anos?

Diria peso de uma forma positiva. Sempre gostei de envelhecer, nunca fui a pessoa que desejava ser mais nova outra vez, porque não gostava nada de voltar para trás. Acho que a cada passo que dei fui conquistando muitas coisas surpreendentes e extraordinárias que nunca imaginaria. Agora, tem peso positivo em termos de maturidade e é algo de que gosto, que a experiência nos dá e que admiro. Gosto muito de ouvir as pessoas mais velhas falarem sobre a sua experiência de vida, por isso, envelhecer tem um peso bom.

É um caminho, a todos os níveis, mas vou dizer mais ao nível espiritual, porque acho que depois se interliga com tudo o resto. Acho que a nossa experiência e maturidade é, acima de tudo e enquanto almas que andam aqui pela Terra, com os diferentes desafios e adversidades que vamos tendo, vamos começando a ganhar maturidade e a olhar para as coisas de forma diferente. É isso que vejo, mas também vejo na forma de cantar, na respiração, nos silêncios. Acho que se formos a lugares minuciosos do nosso lado profissional, a maturidade está em todo o lado. E não descurando os meus primeiros discos - porque é uma aprendizagem e é bonito olhar para trás e ver essa evolução -, mas 10 anos depois, sinto-me uma mulher muito mais segura. Mesmo em relação à minha música, ao fado e às críticas, porque vivemos num país, como dizia o nosso Camões, bastante invejoso, e no fado sentimos essa competição constantemente. Acho que em todas as áreas, Portugal não é um país que nos vê brilhar e nos apoia, é um país que tem tendência para nos puxar as pernas, pelo menos é esta a experiência que tenho tido, mas não deixa de ser uma boa aprendizagem para saber quem sou e para onde vou. Temos sempre críticas boas e más - falei das más, mas também temos boas, às vezes demasiado boas, mas se soubermos quem somos e para onde vamos, também temos essa consciência. Daí o ioga ser tão importante na minha vida, não nos deixa levar, nem por aquilo que é mau, nem por aquilo que é bom, e permite-nos continuar a cumprir com a nossa missão e seguir com o nosso caminho.

Fama é nociva?
Não sou o Cristiano Ronaldo, acredito que ele não possa sair à rua sossegado. Ainda assim, tenho muitas pessoas, especialmente fora de Lisboa, que me abordam, mas gosto de as receber. A não ser que seja depois de um concerto, quando já estou muito cansada e tenho só três horas para dormir porque vou viajarpara algum lado, se me aparecerem 200 pessoas para tirar fotografias, nesses momentos já não é tão bom. Este é o outro lado que as pessoas também merecem saber. Mas acho que gerimos isso com tranquilidade, o meu manager gere isso com muita tranquilidade. Quando podemos estar, estamos e adoramos, quando não podemos, não estamos.

Silêncio?
É uma palavra muito importante para mim, em todas as áreas. Se falarmos de silêncio na música acho que é o mais importante, porque quando o há na música, é quando se vai valorizar mais o momento em que aparece a interpretação e a história. E para contar a história é preciso o silêncio. Mas na vida, e com as novas gerações, o silêncio é mesmo uma das palavras mais importantes e é aquilo que se devia tentar que as crianças entendessem: a sua importância. Saberem esperar sem ter um telemóvel, saberem sentar-se à mesa com o silêncio e só ouvir as suas respostas, porque as melhores respostas às nossas perguntas estão no silêncio. O silêncio, por vezes, faz medo, mas depois quando se começa a tratá-lo por tu, só nos traz grandes benefícios. Tenho o problema de estar demasiado em silêncio - se não fosse o meu marido ficava em silêncio a compor e a escrever, a tocar piano, viola ou em meditação. Sou capaz de ficar durante três horas assim, porque realmente me faz sentir muito bem. Mas tudo deve ter equilíbrio.

Crianças e futuro.
Os meus filhos são a minha outra grande paixão. Daí que também tenha estado com alguma distância, porque sou uma mãe bastante presente, embora possa parecer ausente por viajar muito, mas a verdade é que sempre os consegui levar comigo e arranjar forma de que eles não chamassem mãe a nenhuma ama. Também sou licenciada em Psicologia e, por isso, o desenvolvimento deles sempre foi um fascínio para mim, poder apreciar esse desenvolvimento e, assim, também, poder prepará-los para esse futuro, para esse caminho que os espera. Mas é sempre difícil para uma mãe, porque nunca queremos que eles sofram, queremos evitar caminhos, mas às vezes não podemos, porque é a aprendizagem deles. Acima de tudo, é dar-lhes tudo o que pudermos e ir continuando a dar, mesmo quando eles já não ouvem - como na adolescência, onde está o meu filho agora -, mesmo quando entra a 100 e sai a 1000, mas vai ficando qualquer coisa. Acho que, depois, quando chegarem a adultos e forem pais, depois lembram-se e começam a dizer as mesmas coisas e a compreender o que a mãe dizia. Cada idade tem os seus momentos e o seu fascínio.

Redes sociais.
São trabalho, foi algo que me esforcei para aprender a fazer e a ter de estar atenta. Na verdade, só estou atenta a uma atualmente, o Instagram, porque gosto mais de viver do que mostrar que vivo, mas pronto, é uma ferramenta de trabalho extraordinária e também uma forma de me aproximar das pessoas que me seguem. Por esse lado, acho que serve muito bem essa aproximação, o facto de podermos responder às mensagens de forma privada, podermos ajudar as pessoas de outras formas que não poderíamos se não existissem redes sociais e, claro, podermos promover o nosso trabalho.

Índia e mantra de eleição?
Para mim, posso dizer que é uma casa. Descobri muito recentemente que assim era, porque ao longo da minha vida inteira sempre me perguntaram se tinha alguma ligação à Índia, mas nunca tinha viajado para lá. Viajei pela primeira vez em 2014, fui cantar a Goa, que acho que foi o lugar que mais me marcou, e muito recentemente, em fevereiro deste ano, fui à Índia fazer um retiro espiritual pela primeira vez, durante 15 dias, que vou repetir em dezembro. Acho que irei repetir o resto da minha vida, porque realmente foi o único lugar em que senti que podia ficar a viver se não tivesse filhos. Ficaria por lá a cantar mantras eternamente.

Posso eleger o do Ganesh. É um de que gosto muito e que gravei num disco: chama-se Bahkti e tem várias meditações, mas é difícil, porque gosto de muitos. Aprendi vários mantras através da minha professora que esteve vários anos na Índia. São mantras que nem sequer se encontram gravados em lado nenhum, foram aprendidos por mestres que, ao longo dos anos, foram passando uns para os outros. Os mantras são uma terapia, através da vibração do som, é uma meditação cantada extraordinária. Acredita-se que o sânscrito é uma língua sagrada e que se dissermos aquelas palavras e emitirmos aqueles sons precisamente como foram feitos há milhares de anos, que realmente acontece algo ao nível espiritual, mas, ao mesmo tempo, que só a própria vibração do som no nosso corpo é uma cura.

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