"A língua portuguesa é um troféu de guerra".Luandino Vieira.A poetisa portuguesa.Sophia de Mello Breyner.gostava de saborear.uma a uma.todas as sílabas.do português do Brasil..Estou e vê-la:.suave e discreta,.debruçada sobre a varanda do tempo,.o olhar estendendo-se com o mar.e a memória,.deliciando-se comovida.com o sol despudorado.ardendo.nas vogais abertas da língua,.violentando com doçura.os surdos limites.das consoantes.e ampliando-os.para lá da História..Mas saberia ela.quem rasgou esses limites,.com o seu sangue,.a sua resistência.e a sua música?.A libertação da língua portuguesa.foi gerada nos porões.dos navios negreiros.pelos homens sofridos que,.estranhamente,.nunca deixaram de cantar,.em todas as línguas que conheciam.ou criaram.durante a tenebrosa travessia.do mar sem fim..Desde o nosso encontro inicial,.essa língua, arrogante e.insensatamente,.foi usada contra nós:.mas nós derrotámo-la.e fizemos dela.um instrumento.para a nossa própria liberdade..Os antigos donos da língua.pensaram, durante séculos,.que nos apagariam da sua culpada consciência.com o seu idioma brutal,.duro,.fechado sobre si mesmo,.como se nele quisessem encerrar.para todo o sempre.os inacreditáveis mundos.que se abriam à sua frente..Esses mundos, porém,.eram demasiado vastos.para caberem nessa língua envergonhada.e esquizofrénica..Era preciso traçar-lhe.novos horizontes....Primeiro, então, abrimos.de par em par.as camadas dessa língua.e iluminámo-la com a nossa dor;.depois demos-lhe vida.com a nossa alegria.e os nossos ritmos..Nós libertámos a língua portuguesa.das amarras da opressão..Por isso, hoje,.podemos falar todos.uns com os outros,.nessa nova língua.aberta, ensolarada e sem pecado.que a poetisa portuguesa.Sophia de Mello Breyner.julgou ter descoberto.no Brasil,.mas que um poeta angolano.reivindica.como um troféu de luta,.identidade.e criação..(poema de 2009, inédito em livro)