Cravinho nomeia chefe de gabinete para diretor de Política de Defesa

O diplomata Paulo Lourenço assume funções dia 18 de fevereiro, em regime de substituição, para ocupar o cargo preenchido desde 2012 pelo professor de Direito Nuno Pinheiro Torres, que irá para um cargo internacional
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O ministro da Defesa escolheu, sem abrir concurso, o seu chefe de gabinete para o cargo de diretor-geral de Política de Defesa Nacional (DGPDN) - um dos postos mais importantes e estratégicos desta área de soberania. Paulo Lourenço é diplomata de carreira e foi notícia em 2018, já como chefe de gabinete de João Gomes Cravinho, por estar a ser alvo de uma investigação do Ministério Público (MP) e da Inspeção-Geral Diplomática Consular sobre suspeitas de ter utilizado indevidamente dinheiros públicos quando foi Cônsul-Geral em S. Paulo, Brasil, entre 2012 e 2018.

O diplomata negou tudo na altura e contactado esta quinta-feira pelo DN reforça que essas notícias lhe "imputam factos que são objetivamente falsos e, por isso difamatórios", assinalando que apresentou em relação a isso uma queixa-crime no MP. Questionada a Procuradoria-Geral da República (PGR) sobre o estado da investigação relacionada com as suspeitas, refere que "o inquérito encontra-se em investigação, sujeito a segredo de justiça".

Esta nomeação está, além disso, a causar incómodo em alguns meios militares, que se vêm mais uma vez preteridos em favor de um diplomata. Há oito anos que o comando da DGPDN é ocupado por civis. Em 2012 o ex-ministro da Defesa Aguiar-Branco escolheu o professor de Direito Nuno Pinheiro Torres, uma decisão que esteve também debaixo de polémica. Até essa altura vários generais assumiram aquela posição, desde Pinto Ramalho, que foi depois Chefe de Estado-Maior General do Exército, a outros generais como Luís Araújo, que foi depois Chefe de Estado-Maior da Força Aérea.

Uma fonte da Defesa próxima desta estruturas e que está a acompanhar o processo de nomeação salienta ao DN que "há algumas dúvidas, tanto no meio militar como também no diplomático sobre se Paulo Lourenço será o homem certo para um cargo tão exigente em termos de qualificações".

A DGPDN tem como missão "garantir a assessoria técnica na formulação das grandes linhas de ação da política de defesa, no planeamento estratégico de defesa e nas relações externas de defesa, bem como a responsabilidade pelo planeamento, estudo e elaboração de propostas de orientações de nível político-estratégico, acompanhamento e ponderação da respetiva execução, competindo-lhe ainda promover e coordenar a política de cooperação técnico-militar".

O gabinete do ministro confirma a nomeação acrescenta que Paulo Lourenço "iniciará funções a 18 de fevereiro, em regime de substituição" e que "o concurso será aberto nos termos previstos na lei". O porta-voz oficial sublinha ainda que "o Ministro da Defesa Nacional tem, como sempre teve, total confiança no Dr. Paulo Lourenço, não tendo conhecimento dos termos de qualquer inquérito que esteja a decorrer".

Da Católica de Lisboa ao governo Sócrates

João Cravinho foi buscar Paulo Lourenço, 47 anos, em outubro de 2018. Apesar de não ter sido o primeiro civil a ser chefe de gabinete de um ministro da Defesa (Paulo Portas e Augusto Santos Silva também escolheram civis), mas marcou uma nova era de 'civilização' daquele ministério. Cerca de três meses depois da sua nomeação, conforme noticiou o DN, constatou-se que ainda não tinha credenciação para poder aceder a documentos da NATO, apesar de esses processos chegarem diariamente ao gabinete da tutela.

Segundo a nota curricular publicada em Diário da República, é licenciado em Direito pela Universidade Católica de Lisboa e mestre em Ciências Jurídico Comunitárias, com a tese de mestrado "Fundamentação dos Atos Comunitários". É diplomata de carreira desde 1995, tendo desempenhado funções nas embaixadas de Portugal em Luanda, Londres, Sarajevo e Belgrado.

O seu último posto antes de chefe de gabinete do ministro foi Cônsul-Geral em S. Paulo (Brasil). Passou pelo governo de José Sócrates, onde foi adjunto do Ministro de Estado e dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado, e adjunto diplomático do Ministro da Defesa Nacional, Nuno Severiano Teixeira - que o agraciou com a Medalha da Defesa Nacional. Nada no seu percurso indica experiência nas matérias chave da DGPDN.

O trabalho de Paulo Lourenço é tão apreciado por João Cravinho que logo um ano depois de ter sido nomeado para chefe de gabinete, o ministro distinguiu-o com uma Medalha de Serviços Distintos, grau ouro. "O seu rigoroso sentido institucional revelou-se fundamental na articulação com os Gabinetes de outros membros do Governo, com os Serviços Centrais do Ministério da Defesa Nacional, com o Estado -Maior-General das Forças Armadas e com os Ramos, bem como com as demais entidades sob minha tutela", escreveu o governante.

Este cargo de direção superior para a DGPDN está sujeito a concurso público e os candidatos têm que passar pelo crivo da CRESAP (Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública). Questionado pelo DN sobre quando estava prevista abertura deste procedimento, o gabinete de Gomes Cravinho ainda não respondeu.

A nomeação de Paulo Lourenço terá de ser em regime de substituição, estatuto que a lei limita a 90 dias. No entanto, o ainda diretor-geral, Nuno Pinheiro Torres, esteve nessa situação durante quatro anos, ultrapassando todos os prazos. Durante esse período, quer Aguiar-Branco, quer depois Azeredo Lopes, anularam sucessivamente concursos para o preenchimento do lugar.

Dois concursos anulados

No primeiro caso, em 2013, Pinheiro Torres não estava na short-list que a CRESAP apresentara ao ministro. No segundo concurso, em 2015, Azeredo Lopes anulou o procedimento por discordar do perfil que tinha sido definido para o cargo, que era em regra ocupado por militares ou diplomatas - o que não era o caso de Nuno Pinheiro Torres. Na verdade, o então já diretor-geral em substituição, nem sequer foi a concurso. Entre os nomes que tinham sido selecionados pela CRESAP e que acabaram prejudicados, estavam militares do Exército e professores doutores com currículo académico e profissional inatacável para o cargo, asseguraram ao DN, na altura, fontes que acompanharam o processo.

Nuno Pinheiro Torres só foi a concurso em 2016 e nessa altura, já com o novo perfil definido por Azeredo Lopes e com quatro anos de experiência no cargo, acabou por integrar a short list, tendo sido nomeado oficialmente em novembro desse ano, por cinco anos - que terminariam em 2021. Ao que o DN apurou a sua substituição deve-se ao facto de ter concorrido a um cargo na ONU e será colocado no estrangeiro.

Nuno Maria Herculano de Carvalho Pinheiro Torres é licenciado em Direito pela Faculdade de Direito do Porto da Universidade Católica Portuguesa. Acumulou as suas funções na DGPDN com as de docente universitário.

Foi diretor executivo da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), onde trabalhou com Azeredo Lopes, quando fazia parte do grupo de conselheiros. Azeredo Lopes foi também orientador da sua tese de doutoramento em Direito Internacional - esta proximidade, aliás, chegou a ser invocada em alguns círculos da Defesa como crítica contra a preferência do ex-ministro em manter um dirigente superior que tinha sido nomeado pelo governo PSD/CDS.

Atualizado às 19h05 com a resposta da PGR

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