Cravinho assumiu funções sem falar sobre Tancos com Costa ou Azeredo

Ex-ministro da Defesa Azeredo Lopes falou cerca de uma hora com o sucessor na passagem de testemunho sem que o furto de Tancos fosse abordado.
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As conversas iniciais do primeiro-ministro e do ex-ministro Azeredo Lopes com o seu sucessor nunca abordaram o caso de Tancos, revelou esta quinta-feira João Gomes Cravinho.

A informação, recebida com "imensa perplexidade" por parte do deputado Rui Silva (PSD), foi dada pelo ministro da Defesa na Comissão parlamentar de Inquérito ao furto de material de guerra nos paióis de Tancos, ocorrida em junho de 2017 e que acabaria por estar na base da demissão do antecessor em meados de outubro de 2018.

Gomes Cravinho explicou ter tido uma reunião de "uma hora" com Azeredo Lopes, para fazer a transição - mas "não falámos de Tancos, não houve da parte" do antecessor "nenhuma informação" sobre um caso já na esfera judicial "e não considerei necessário pedir-lhe esclarecimentos".

"Não assumi uma posição de inquisidor" mas de quem se queria "informar sobre o cargo", precisou Gomes Cravinho, adiantando que as primeiras conversas com o primeiro-ministro se centraram na necessidade de tranquilizar as Forças Armadas e focá-las no cumprimento das missões.

Também "não tive com o primeiro-ministro nenhuma conversa sobre o achamento" do material furtado, por elementos da PJM, nem com o Presidente da República, disse Gomes Cravinho.

Demissão do chefe do Exército

Outro ponto importante nesse arranque das suas funções, iniciadas a 15 de outubro de 2018, foi o da demissão do general Rovisco Duarte como chefe do Estado-Maior do Exército (CEME), o qual disse ao Parlamento ter-se justificado também com a sua discordância face à proposta de Lei de Programação Militar (LPM).

Questionado por António Carlos Monteiro (CDS) sobre o seu primeiro encontro com Rovisco Duarte, um dia após tomar posse, Gomes Cravinho deixou uma garantia: o teor da nova LPM nunca foi abordado entre ambos - e que não pedira ao general para se demitir nem colocara isso como condição ao primeiro-ministro para aceitar o cargo.

"Nunca falei sobre a LPM" com o general Rovisco Duarte, repetiu João Gomes Cravinho.

Note-se que Rovisco Duarte invocou motivos pessoais na carta de demissão enviada ao Presidente da República - apesar de ser o Governo a propor a sua nomeação - e, na mensagem enviada depois ao Exército, alegou questões políticas, argumentando mesmo que só aos subordinados devia explicações. Contudo, ao ser ouvido na Comissão parlamentar de Inquérito, adiantou que a sua discordância com a LPM tinha sido uma razão para se demitir.

"Então o general mentiu" no Parlamento, perguntou António Carlos Monteiro, quando invocou a LPM como causa da sua demissão quando esse tópico não foi abordado com o ministro? O governante remeteu qualquer resposta para o próprio general.

O certo é que Rovisco Duarte, "ao pedir a exoneração, interpretou corretamente o momento" que se vivia e que "exigia renovação" no topo do Exército, enfatizou Gomes Cravinho. O general "percebeu a situação e tomou a iniciativa necessária". "Não tive de tomar qualquer outro tipo de atitude", prosseguiu o ministro, escusando-se a dizer o que faria caso o então CEME não tivesse pedido a demissão.

Investir 42 milhões na segurança dos paióis em 12 anos

O ministro da Defesa, após falar das medidas adotadas para reforçar a segurança dos paióis militares e evitar que se repita um episódio como o de Tancos, indicou que se prevê um "investimento de 42 milhões de euros" nessa área ao longo dos 12 anos de vigência da Lei de Infraestruturas Militares (LIM), em fase final de revisão.

Esse montante será "o que é necessário" para garantir as condições de segurança dos paióis, disse Cravinho, admitindo depois que Tancos volte a ser utilizada para essa função. "Acredito que Tancos venha a ser usado no futuro, mas com um investimento prévio necessário para ter condições" para o efeito. Até lá, o material de guerra do Exército continuará armazenado em Santa Margarida, Marco do Grilo (Marinha) e Alcochete (Força Aérea).

João Gomes Cravinho, sublinhando que o furto do material de guerra em Tancos foi um caso "extremamente grave" e que a sua recuperação encenada resultou do comportamento ilegal de alguns dos elementos - incluindo o diretor nacional - da PJM, defendeu que "todas as consequências devem ser tiradas do ponto de vista criminal e disciplinar", aqui a nível do Exército, relativamente a esses militares.

Houve falhas humanas no "dever de cooperação" com a PJ, que não correspondiam nem refletem uma cultura institucionalizada dentro da PJM em matéria de relacionamento com os restantes órgãos do sistema judiciário, frisou Gomes Cravinho.

Prova disso são as centenas de inquéritos que a PJM realiza por ano sem haver quaisquer problemas de comunicação com outras forças e serviços de segurança, embora a Judiciária Militar precise de fazer "aperfeiçoamentos" nas suas estruturas, destacou o governante.

O ministro manifestou ainda estranheza sobre a participação do gabinete do ex-ministro Azeredo Lopes na elaboração do comunicado em que a PJM anunciou a recuperação das armas - e assegurou que não lhe compete conhecer o teor de qualquer investigação em curso naquela polícia.

Gomes Cravinho disse ainda que irá estudar o regulamento de atribuição da medalha da defesa nacional - atribuída pelo antecessor a alguns elementos da PJM envolvidos na encenação para recuperar o material furtado - a fim de "ver se as circunstâncias justificam" retirar-lhes essas condecorações.

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