"Eu sou candidato a prefeito de São Paulo, não a prefeito de Caracas. Não tem o menor sentido trazer a questão de Venezuela, de Cuba, para a eleição. Parece desespero dele. Nem é o perfil dele, ele sempre foi mais moderado, nunca foi pessoa de extremismos", disse na quarta-feira Guilherme Boulos, o candidato à prefeitura de São Paulo pelo PSOL, partido já comparado ao português Bloco de Esquerda, na segunda volta das eleições municipais de domingo, dia 29..Horas antes, Bruno Covas, prefeito desde 2018 da maior cidade brasileira pelo PSDB, partido de Fernando Henrique Cardoso, de centro-direita, afirmara ser capaz de dialogar "com todas as correntes políticas mas a partir do momento em que, somente por uma visão ideológica, alguém acha que Venezuela e Cuba são democracias porque têm eleições, é claro que isso mostra radicalismo"..Boulos, que se destacou como coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto e conquistou 20,24% dos eleitores há duas semanas, contra-atacou: "Eu acho interessante o Bruno Covas, que tem no partido dele o [governador paulista João] Doria, alguém que apoiou ativamente a candidatura de um presidente [Jair Bolsonaro] que defende a ditadura, que defende a tortura (...) querer dar-me lições de moral de democracia, francamente"..Covas, que assumiu a prefeitura na ausência do hoje governador do estado João Doria e somou 32,85% dos votos na primeira volta, defende-se. "Querer associar-me ao Bolsonaro é uma ginástica argumentativa mais difícil que um triplo mortal da [ginasta] Daiane dos Santos"..Os dois candidatos à prefeitura da cidade de cerca de 12 milhões de habitantes e nove milhões de eleitores elevaram o tom do debate à medida que a eleição de domingo (dia 29) se aproximava. E "nacionalizaram-na", não só por causa do ensaio de uma frente ampla de esquerda em torno de Boulos e da constatação de que o PSDB de Covas volta a ter protagonismo nos palcos eleitorais após a debacle de 2018, mas também pela "qualidade" dos apoios a um e a outro - o atual presidente da República Jair Bolsonaro e o antigo chefe de estado (de 2003 a 2010) Lula da Silva são referidos constantemente..Covas tenta desvincular-se de Bolsonaro, cuja gestão é reprovada por 48% dos paulistanos, depois de Celso Russomanno (Republicanos), o candidato preferido do presidente da República, lhe ter declarado (incómodo) apoio na segunda volta. "Cá está a dobradinha BolsoDoria outra vez", aproveitou Boulos, referindo-se a uma expressão usada por Doria nas eleições gerais de 2018, pedindo o voto em si mesmo para governador de São Paulo e em Bolsonaro para a presidência da República.."O apoio do Russomanno ajuda, não há a menor dúvida. Ele teve 10,50% dos votos na primeira volta, não há nenhum problema em agregar apoios nesta segunda volta", assumiu Covas, negando o desconforto..No entanto, a sua campanha tenta associar o rótulo de radical a Boulos e usa o nome de Lula, que também sofre de rejeição alta na cidade (54%), como arma. A estratégia de campanha é dizer que o líder dos Sem Teto, se for eleito prefeito, será uma marionete nas mãos do antigo sindicalista, seu amigo pessoal, e do PT, o principal partido do campo de esquerda.."Vamos levar os nossos apoiantes à campanha na televisão, nós aqui não escondemos apoios", disse, no entanto, Boulos sobre o apoio de Lula e do PT. "Fizemos na primeira volta uma campanha com respeito mútuo, não caímos em armadilhas, cascas de banana, temos lado e sabemos quem são os nossos adversários", concluiu..Twittertwitter1328721119642312704.Além de Lula e do candidato do PT Jilmar Tatto, sexto classificado na primeira volta com 8,65% dos votos, Boulos reuniu apoios do PDT, de Ciro Gomes, e do Rede, de Marina Silva. O PSB, partido do terceiro mais votado dia 15, também apoia o candidato de esquerda mas Márcio França, o candidato que somou 13,64%, recusou-se a participar na campanha..Covas, por sua vez, além de Russomanno, é apoiado pela ex-bolsonarista Joice Hasselmann (PSL) que teve menos de 2% dos votos..Um ponto em que Boulos parece levar vantagem é na escolha da candidata a vice-prefeita: a octogenária Luiza Erundina, prefeita de 1989 a 1992 ainda pelo PT, partido que ajudou a fundar antes de enveredar pelo PSOL por desilusão com o rumo dos governos de Lula, é deputada federal com boa avaliação entre os paulistanos..Tem página no Facebook - ErunDiva - em sua homenagem, a viatura onde se deslocou em campanha foi apelidada de Erundimóvel, por ser fechada, em virtude de pertencer ao grupo de risco da covid-19, como o Papamóvel a que alude, e em 2016 ganhou a alcunha de Erundina Bolt por, enquanto candidata a prefeita, só ter 10 segundos de tempo de antena..DESTAQUE: Erundina Bolt é a candidata mais rápida de São Paulo.Já Ricardo Nunes, vice de Covas, tem-se revelado alvo do rival pelas acusações de violência doméstica apresentadas em 2011 pela mulher e por integrar a ultra conservadora Bancada da Bíblia da Assembleia Legislativa de São Paulo..Uma vez que Covas está em tratamento de um cancro, o que poderá motivar afastamento temporário caso eleito, a candidatura de Boulos insiste em trazer Nunes para os holofotes. Ele, porém, recusou participar em debates com Erundina..Nas sondagens, entretanto, Covas lidera. Segundo pesquisa do Instituto Datafolha do início da semana, o atual prefeito soma 55% das intenções de votos, contra 45% de Boulos - um número confortável à primeira vista mas não tanto à segunda porque vem diminuindo a cada sondagem..No Ibope, outro instituto de pesquisas, Covas subiu um ponto, de 47% para 48%, nos votos válidos (excluídos brancos e nulos) e Boulos cresceu dois, de 35% para 37%..O diretor do Datafolha disse, entretanto, que líderes de sondagens abaixo de 60% em segundas voltas devem "manter a cautela".."Ruídos na comunicação, arranhões na imagem, problema sem propostas adequadas e potencial de abstenção podem reduzir a vantagem de maneira expressiva", escreveu Alessandro Jaconi. "O alerta baseia-se na dicotomia -quando há dois candidatos, a migração de intenções de voto dá-se automaticamente de um para o outro, o que diminui diferenças significativas"..Particularmente em São Paulo "onde cerca de um em cada cinco eleitores demonstra incerteza quanto ao nome que escolhe, variações negativas podem ser fatais"..Como segundo a lei eleitoral brasileira só em cidades com mais de 200 mil eleitores está prevista a realização de segundas voltas, em quase todos os 5565 municípios do país os novos prefeitos foram eleitos há 15 dias. As exceções são, além de São Paulo, outras 56 cidades de médio e grande porte, de entre as quais mais 17 capitais estaduais. No total, 38 milhões de eleitores serão chamados a exercer o seu dever (no Brasil o voto é obrigatório sob pena de multas e outras punições) eleitoral..O principal destaque, claro, vai para a cidade do Rio de Janeiro, onde o Ibope prevê 65% dos votos para Eduardo Paes, do DEM..Cm 35%, o atual prefeito Marcelo Crivella, do Republicanos, partiu para um ataque sem limites a Paes. O bispo da IURD, sobrinho de Edir Macedo e preferido de Bolsonaro disse que se o adversário vencer "vai haver pedofilia nas escolas". Nós vamos aceitar pedofilia na escola no ensino infantil?", perguntou Crivella..Candidato da IURD no Rio diz que se rival for eleito haverá pedofilia nas escolas.Crivella disse ainda na campanha televisiva que Paes é um candidato que defende a "ideologia de género", a "legalização das drogas e do aborto" e o "kit gay" - o "kit gay" é uma fake news sobre materiais didáticos de educação sexual visando a tolerância distribuídos a professores durante a presidência de Dilma Rousseff..Visando não perder votos nas comunidades mais religiosas e conservadoras, Paes chama o adversário de "pai da mentira", um dos epítetos do diabo, e enumera os sete pecados do atual prefeito..Além de Crivella no Rio, sobram mais dois candidatos apoiados por Bolsonaro em duas capitais estaduais. Em Fortaleza, no Ceará, o Capitão Wagner, do PROS, está a 18 pontos de José Sarto, do PDT de Ciro Gomes, político mais influente do estado. Sarto conseguiu reunir apoios não só de toda a esquerda, incluindo o PT de Lula, como do centro-direita..Sem apoios, Wagner tenta desvincular-se de Bolsonaro, cuja imagem se revelou prejudicial nas primeiras voltas. "Não tenho padrinho político", afirma..Resta Belém, a capital do Pará, onde há empate técnico entre Edmilson Rodrigues (PSOL), que já foi prefeito, com 45% das intenções de voto, e Delegado Eguchi (Patriota), com 43%..Eguchi, porém, nega relação ao bolsonarismo: "Defendo ideias conservadoras semelhantes às dele mas ele nunca me deu apoio, só disse "se estivesse em Belém..."".Para Rodrigues, o presidente "é um genocida" e Eguchi "um camarada muito violento que usa o nome de Deus como todo o político de extrema-direita num cinismo atroz". .Depois de governar de 2003 a 2016 e de se tornar hegemónico à esquerda, o PT dos antigos presidentes Lula e Dilma tenta recuperar-se após derrotas consecutivas - sobretudo, o monumental desaire autárquico de 2016, onde só conquistou uma grande cidade, Rio Branco, no Acre..Desta vez, após uma primeira volta mais amarga do que doce, com derrotas em São Paulo e no Rio, os "petistas" sonham em conquistar duas capitais, Recife e Vitória, e recuperar o chamado "cinturão vermelho", ou seja, a periferia de São Paulo, onde o partido se forjou, em cidades como Guarulhos ou Diadema que, juntas, chegam quase a dois milhões de habitantes..No Recife, Pernambuco, a luta é entre dois candidatos da mesma família, nos sentidos político e literal. João Campos, do PSB, principal força da região, e Marília Arraes, do PT, estão empatados nas sondagens numa campanha quase ao nível da do Rio - em peças de campanha entretanto retiradas por ordens judiciais, Arraes acusava a candidatura do primo de ser machista e Campos dizia que a prima era contrária à Bíblia..Nos últimos dias, Antônio Campos, tio de João e irmão de Eduardo Campos, candidato à presidência em 2014 morto num acidente aéreo em Santos, declarou apoio a Marília mesmo sendo ele próximo de Bolsonaro e a prima militante do PT..Em meme muito disseminado, os dois candidatos surgem em redor do bolo de aniversário do avô dela e bisavô dele, o patriarca da família Miguel Arraes. Campos, mais novo 10 anos, é ajudado por Marília a cortar uma fatia..Em Porto Alegre, a disputa é entre a comunista Manuela D"Ávila, do PCdoB, e Sebastião Melo, do MDB, o partido do ex-presidente Michel Temer. D'Ávila busca ser a primeira mulher a gerir os destinos da capital mais meridional do país mas parte atrás nas sondagens, a sete pontos de um rival que reúne apoios de todo o centro e centro-direita..Para não variar o debate tem tocado em pontos controversos e Melo apresentou queixa contra Manuela por, supostamente, ela o ter chamado de racista - foi na cidade que ocorreu o Caso João Alberto, em que um cliente negro acabou espancado e morto por dois seguranças de um supermercado.