Lojas fechadas, obras de reabilitação em alguns prédios, outros fechados e entaipados, hotéis e alojamentos locais, algumas árvores, um quiosque e um pequeno parque infantil, carros estacionados em todos os locais possíveis. E os resistentes Hot Club e Maxime, que de cabaré nos anos 70 do século passado passou a ser um boutique hotel com restaurante-bar há dez meses recuperando da má fama que foi granjeando em décadas anteriores..Este é o retrato da atual Praça da Alegria, uma zona emblemática de Lisboa pela sua ligação ao Parque Mayer e às casas de espetáculos referidas, assim como ao Príncipe Real e ao Bairro Alto pela Rua da Alegria. Uma praça que se visita em pouco mais de dez minutos e que para oferecer ao visitante só tem o busto de Alfredo Keil - o autor da letra do hino de Portugal - e os nomes de artistas nacionais inscritos nas pedras que rodeiam o jardim e que se transformou no "passeio da fama" lisboeta..Até aqui chegar a praça ficou conhecida por outros inquilinos: para os amantes de futebol, o seu nome recorda de imediato a Federação Portuguesa de Futebol que ali teve a sede entre 1968 e 2004; ao lado desta esteve o Regimento de Sapadores Bombeiros da Ajuda, que ali se instalaram em 1907, tendo saído para o bairro que lhes dá o nome em 2016. Finalmente para quem gosta de espetáculos, esta é a praça junto ao Parque Mayer, onde ainda funcionam dois teatros: o Maria Vitóriae o Capitólio..E até a Feira da Ladra, que se instalou no Campo de Santa Clara em 1882, por aqui passou. Foi depois do terramoto de 1755 que começou a realizar-se na Praça da Alegria - então conhecida como Cotovia de Baixo. Aqui se manteve até 1823, quando foi transferida para o Campo Santana durante cinco meses, tendo regressado à praça, onde se manteve até 1835, quando foi deslocada outra vez para o Campo Santana..Mas atualmente a praça está longe dos seus tempos áureos e por isso a câmara incluiu-a no projeto de renovação a que chamou Uma Praça em Cada Bairro e que tem como objetivo dar um rosto novo e outra mobilidade, nomeadamente para os peões, a 43 zonas da cidade. Neste momento estão terminadas 15 intervenções deste tipo, há duas em execução (Rua Atriz Palmira Barros e Quinta de Santa Clara) e 26 ainda não passaram da fase de projeto..E é neste último lote que está incluída a Praça da Alegria. O projeto existe, esteve em apreciação pública e foi apresentado aos munícipes no início deste mês de julho, mas não se sabe qual o montante do investimento nem quando começam as obras..O caso de adultério feminino que acabou na forca e deu nome à praça.Mas às obras já voltaremos. Antes vamos fazer uma viagem no tempo - até à primeira metade do século XVIII. Por esse tempo, a zona entre a Rua D. Pedro V e o Largo do Rato era conhecida como Cotovia de Baixo, e depois Praça da Alegria. Entre os dois batismos ainda foi o Campo da Forca ou Praça do Suplício, como conta o blogue toponimialisboa.wordpress.com citando o olisipógrafo Norberto de Araújo (1889-1952) que escreveu, por exemplo, o livro as Peregrinações de Lisboa..Este caso merece destaque pois não só deu o nome à praça durante um período como ficou na história com o caso de adultério feminino que levou à morte na forca de Isabel Xavier Clesse a 31 de março de 1771. Segundo um trabalho publicado por Ana Isabel Ribeiro na Revista Portuguesa de História, Clesse foi julgada sob a acusação de tentar envenenar o marido - que tinha estado embarcado - com arsénico e água forte. Durante o julgamento soube-se que mantinha uma relação extraconjugal com um porta-bandeira. No final foi condenada à morte na forca, o que aconteceu na praça..Segundo o toponimialisboa.wordpress.com, e de acordo com este jornalista, escritor e estudioso de Lisboa - entre outros, colaborou com o Diário de Notícias e o primeiro jornal do Benfica, o Sport Lisboa -, na primeira metade do século XVIII esta zona era um local de cultivo: "(...) Repizo que na primeira metade do século XVIII tudo por aqui eram terrenos de cultivo, abaixo da quinta ou da cêrca dos Padres da Companhia (Jardim Botânico de hoje), ligados a S. José, razão porque esta zona arrabaldina se chamou também Cotovia de S. José"..A atração pela área surgiu depois do sismo: "A Alegria, pois, é posterior ao Terramoto; (...) Com a construção e o desenvolvimento do Passeio Público, cresceu a Alegria; com a abertura da Avenida tornou-se de maioridade.".Há ainda registos de que no final do século XVII - entre 1792 e 1796 - foram entregues vários requerimentos de pessoas que queriam ser aguadeiros do Chafariz da Praça da Alegria. Quanto aos edifícios construídos na praça, os registos citados no site referido anteriormente apontam para que a maioria tenha surgido nos anos de 1846, 1852 e 1856, mas em 1881 muitos deles foram expropriados e demolidos para a Avenida da Liberdade ser construída..Um jardim e uma praça: dois nomes.Depois de todas estas vicissitudes, esta zona de Lisboa acabou por ficar com dois nomes em junho de 1925, não sem antes terem existido mais alterações. Desde maio de 1920 era a Praça da Alegria, mas cinco anos depois foi rebatizada como Praça Alfredo Keil..A decisão durou um ano, pois no último dia de maio de 1926 a câmara decidiu que o jardim da Praça da Alegria, que se chamava Jardim Fialho de Almeida, passasse a chamar-se Jardim Alfredo Keil, pois estava prevista para aquele espaço a construção de um monumento à memória do músico e compositor..Por isso, a 17 de junho de 1926, surgiu um novo edital da autarquia a dar os nomes que ainda hoje se mantêm: Jardim Alfredo Keil e Praça da Alegria..Mais passeio, menos estacionamento e espaços verdes.Agora, século XXI, preparam-se mais mudanças para esta emblemática praça lisboeta. O projeto que a câmara apresentou - e tinha posto em discussão pública - prevê um reordenamento da circulação rodoviária, requalificação de edifícios, menos locais de estacionamento e mais espaço para os peões. Também está previsto que após a conclusão das obras a circulação de pessoas com mobilidade reduzida seja mais fácil do que atualmente..No que diz respeito aos espaços verdes, a ideia da autarquia é plantar mais árvores e outro tipo de vegetação que possam garantir sombras no verão..Quanto às opiniões dadas online, as 202 pessoas que participaram pediram que seja dada mais atenção aos transportes que servem a zona, à requalificação do jardim e aos espaços de estacionamento e pedonais. O que o plano camarário parece conceder: quer aumentar o espaço para os peões de 2604 metros quadrados para 3919 e reduzir o dos automóveis de 5087 metros quadrados para 3772..Sem data para arrancar a obra nem investimento divulgado, este plano de reconversão do espaço da autarquia liderada por Fernando Medina (PS) está ainda a ser ajustado, como explica ao DN o presidente da Junta de Freguesia de Santo António, Vasco Morgado. "O projeto foi trabalhado connosco e ainda está a sofrer algumas retificações, mas pequenas", adianta..De acordo com o autarca, na reunião pública realizada no início do mês para apresentação do plano, só um dos presentes terá apresentado dúvidas sobre o mesmo. "Ficámos com a notória sensação de que as pessoas são favoráveis ao projeto. Umas mostraram preocupações com o estacionamento, outras com a mobilidade, outras ainda com a ligação à colina e também com a colocação de ecopontos", acrescenta..Apesar de não passar ainda de um plano, Vasco Morgado (eleito pelo PSD) diz que a freguesia "fica sempre a ganhar com uma proposta de requalificação. É uma obra estrutural e é para ficar". Vê até como uma hipótese de inversão do que agora se passa na praça: "Saiu a polícia, saíram os bombeiros e a Lusomundo, e entraram hotéis.".Preocupações tem com o estacionamento principalmente ao final da semana, o que já levou a que tentasse um entendimento com a Empresa Municipal de Mobilidade e Estacionamento de Lisboa. "Propusemos à EMEL que criasse uma zona exclusiva para residentes a partir das 19.00 e que a fiscalizasse. Às quintas, sextas e sábados quem procura o Bairro Alto acaba por estacionar por aqui, e isso não está a ser pensado. Tem de haver fiscalização até porque ao aumentarem o preço [dos parquímetros] na Avenida da Liberdade as pessoas vão procurar as zonas laterais", frisa..Quem não tem uma opinião sobre esta mudança que se avizinha - apesar de não ter data para o arranque das obras - é Carlos Mendes. Este mestre alfaiate trabalha na Praça da Alegria desde 1971, assistiu às várias mudanças da zona, mas não sabia desta proposta da câmara. Por isso, e por ter "muito trabalho", prefere não comentar, por agora. "Projetos há sempre muitos...", despediu-se, voltando para o seu ateliê.