Corrupção, fome e covid marcam debate no Brasil
Lula da Silva (PT), Jair Bolsonaro (PL) e mais quatro candidatos à presidência do Brasil falaram de fome e corrupção, de combate à covid e de respeito às mulheres, no primeiro - e talvez único - dos debates eleitorais para o sufrágio marcado para os dias 2 e, caso necessário, 30 de outubro. Bolsonaro referiu-se a Lula como "ex-presidiário", Lula defendeu que só foi preso "para que Bolsonaro pudesse ser eleito", dando o tom a uma campanha que se adivinha mais polarizada e turbulenta do que qualquer outra na história democrática brasileira.
O debate, organizado por um conjunto de veículos de media do Brasil, foi conduzido pela TV Bandeirantes, teve a presença dos seis candidatos, de um total de 12, de partidos com assento parlamentar, nomeadamente, Ciro Gomes (PDT), de centro-esquerda, Simone Tebet (MDB), de centro-direita, Soraya Thronicke (União Brasil), de direita, e Luiz Felipe d"Ávila (Novo), da direita liberal, além dos citados Bolsonaro, de extrema-direita, e Lula, de centro-esquerda.
Os dois principais candidatos, Bolsonaro e Lula, começaram ao ataque logo no primeiro terço do debate. "O seu governo foi feito à base da cleptocracia, o seu governo foi o mais corrupto da história do Brasil", disse Jair Bolsonaro, dirigindo-se a Lula. "O país que eu deixei é o país de que as pessoas têm saudades, o país que você destruiu", respondeu o presidente de 2003 a 2010.
Bolsonaro continuou debaixo de fogo durante as intervenções de Ciro Gomes - "você diz tantas aberrações: a última foi dizer que neste país não há fome" - e de Simone Tebet -- "não vi o presidente pegar na moto dele e visitar um hospital e consolar uma mãe".
Pelo meio, Marcelo Rebelo de Sousa foi dado como exemplo - "deu aulas na TV pública, enquanto a TV pública brasileira só fez campanha pelo presidente", disse Soraya Thronicke.
Entretanto, nos bastidores, uma briga entre Ricardo Salles, ex-ministro do Ambiente de Bolsonaro, e o deputado André Janones, que passou de pré-candidato a apoiante de Lula, animava as redes sociais. Em causa, uma frase de Salles num Conselho de Ministros - "temos de aproveitar para deixar a boiada do desmatamento passar enquanto a opinião pública está distraída com a pandemia" - citada por Lula no debate.
No segundo bloco, foram abordados o Bolsa Família, programa social da Era Lula, e o Auxílio Brasil, equivalente no governo Bolsonaro. "O PT votou contra o Auxílio Brasil", acusou Bolsonaro. "Não, votou a favor", corrigiu Lula. "Votou a favor mas discursou contra" rebateu o atual presidente.
Mas foi uma pergunta de Vera Magalhães, da TV Cultura, sobre vacinas que deixou Bolsonaro irritado. "Você é uma vergonha para o jornalismo brasileiro" e depois, atacando ação de Simone Tebet como senadora, sublinhou "e você é uma vergonha para o Senado e não, não estou atacando mulheres não, não venham vitimizar-se".
"Eu não tenho medo de si nem dos seus ministros", contestou Tebet, "e no Senado denunciei a vacina contra a covid que o senhor não quis comprar". Thronicke acrescentou: "Quando homem é tchutchuca [submisso] com homem e tigrão [agressivo] com mulher eu fico irritada mesmo".
Lula e Ciro trocaram então piropos e farpas a propósito de eventual união entre as esquerdas que representam. "Eu nunca me ofendo com o Ciro, quem sabe a gente ainda vai conversar", disse Lula. "O Lula é encantador de serpentes, apela ao pessoal, mas isto não é pessoal, ele corrompeu-se e eu atribuo a eleição ao Bolsonaro, que não veio de marte, ao PT".
O antigo presidente respondeu: "Quando ele quer jogar nas minhas costas a eleição desse cidadão, eu só digo que não fui eu que fui para Paris para não votar no [Fernando] Haddad", a propósito da viagem de Ciro entre a primeira e a segunda voltas da eleição de 2018. "E sobre corrupção, eu fui absolvido dos 26 processos", concluiu.
Na terceira parte, Tebet começou por perguntar a Bolsonaro por que ele "tem tanta raiva das mulheres?". Bolsonaro desmentiu, elogiou a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, e duas bolsonaristas adeptas de cloroquina durante a pandemia, antes de concluir: "Eu sei que grande parte das mulheres do Brasil me amam, chega de vitimismo, somos todos iguais".
Thronicke, entretanto, partiu para o ataque a Lula: "Não vi nada do que o senhor fala, esse país só existe no seu tempo de antena, os seus economistas estão todos mofados". "A senhora não viu mas o seu motorista viu, o seu jardineiro viu, a sua empregada doméstica viu", respondeu Lula. No instante seguinte, Ciro Gomes e D"Ávila chamaram o discurso de "realismo mágico".
Sobre Covid, Tebet lembrou que "houve corrupção no combate covid", no governo Bolsonaro "Tentaram pagar 45 milhões de dólares num paraíso fiscal por uma vacina sem comprovação científica, quem esconde por 100 anos alguma coisa é porque tem alguma coisa a esconder".
Nas declarações finais, Bolsonaro preferiu destacar o apoio de Lula aos regimes de Hugo Chávez, na Venezuela, ou dos Kirchner, na Argentina, enquanto o antigo presidente lembrou feitos económicos do seu governo.