Corrida às vacinas: ainda não existem mas países já gastaram milhões para as ter
O governo de Donald Trump comprometeu-se na quarta-feira em comprar 100 milhões de doses de uma vacina que ainda não está pronta. Os EUA vão pagar cerca de 1,95 mil milhões de dólares (1,7 mil milhões de euros) por 100 milhões de doses de uma vacina do novo coronavírus, desenvolvida por uma parceria germano-americana das empresas Biontech e Pfizer.
O acordo faz parte do programa governamental Warp Speed, lançado pelo Presidente Donald Trump, que abrange a compra de várias vacinas, que estão a ser desenvolvidas em simultâneo, contra o novo coronavírus. Tal como outras, esta vacina vai começar em breve os testes clínicos. O secretário de Saúde dos EUA, Alex Azar diz que o contrato coma Biontech e a Pfizer eleva para cinco o número de possíveis vacinas na luta contra a pandemia de covid-19 que estão na mira do Governo norte-americano.
Também o Governo britânico já tinha anunciado a compra de 90 milhões de doses das vacinas da Biontech/Pfizer contra a covid-19, a juntar aos 100 milhões de unidades de um projeto concorrente da AstraZeneca/ Universidade de Oxford.
No mesmo dia, a Comissão Europeia anunciou a alocação de 100 milhões de euros a um projeto de investigação de vacinas contra a covid-19, verba que se soma aos 15,9 mil milhões de euros já anunciados para testes e outros tratamentos. O apoio é dado ao abrigo do programa comunitário de investigação Horizonte 2020.
Em comunicado, o executivo comunitário afirma que "cofinanciará com 100 milhões de euros um concurso lançado pela Coligação para Inovações em Preparação para Epidemias para apoiar o rápido desenvolvimento de vacinas contra o novo coronavírus". A comissária europeia da Inovação, Investigação, Cultura, Educação e Juventude, Mariya Gabriel, frisou serem "necessários tratamentos e vacinas eficientes para eliminar o perigo do coronavírus", pelo que esta verba da Comissão Europeia visa que este projeto "desenvolva rapidamente potenciais e promissoras vacinas".
Esta é uma medida pouco comum nos EUA onde é o setor privado que compra a maioria das vacinas, não o governo. A indústria farmacêutica tem feito lobby para manter esta situação: os clientes privados geralmente pagam mais por vacinas do que o governo. E quando o governo compra vacinas - normalmente para as populações mais desfavorecidas - apenas o faz com vacinas que já receberam a aprovação da Food and Drug Administration.
"Isto não é nada típico, mas acho que é ótimo", disse Claire Hannan, diretora executiva da Association of Immunization Managers. "Estamos no meio de uma crise de saúde pública e é ótimo que o governo queira fornecer uma vacina aos americanos".
Apesar disso, os especialistas em políticas de financiamento de vacinas consideraram que o contrato, com a gigante farmacêutica Pfizer e uma pequena empresa alemã de biotecnologia, seria arriscado porque o medicamento poderá falhar em ensaios futuros. Desse modo, o governo Trump incluiu uma cláusula de salvaguarda e não fará o pagamento até que esteja demonstrado que a vacina é segura e eficaz.
"É uma aposta, mas razoável", disse Walter Orenstein, epidemiologista da Universidade Emory que trabalhou para o governo Clinton como diretor do programa de imunização dos Estados Unidos. "O que o governo está a fazer é ajudar a acelerar a produção, de modo a garantir que, se esta vacina for licenciada, estará disponível em grandes quantidades". O governo Obama fez uma aposta semelhante durante a pandemia do H1N1, quando, em maios de 2019, concedeu à farmacêutica francesa Sanofi 190 milhões de dólares para desenvolver uma vacina contra a doença.
Além disso, a compra de uma grande quantidade de vacinas contra o coronavírus pelo governo pode, em última análise, fazer diminuir seu preço nos Estados Unidos. É o que acontece em outros países, como o Canadá e muitos na Europa, onde os sistemas nacionais de saúde costumam comprar vacinas, medicamentos prescritos e muitos outros serviços médicos em nome dos cidadãos.
Nos Estados Unidos, onde os preços dos medicamentos são estabelecidos em negociações entre os fornecedores e as seguradoras, os encargos geralmente são mais elevados e variam significativamente de um local para outro. Uma vacina contra a gripe, por exemplo, pode custar entre 28 e 80 dólares. Os altos preços no sistema de saúde americano há muito tempo são alvo de críticas pelos defensores do "Medicare for all", que argumentam que o país seria melhor servido por um sistema nacional de saúde que regulasse a saúde preços.
Em momentos de crise, como com o H1N1 e agora com o coronavírus, o governo às vezes dá pequenos passos nessa direção, por exemplo comprando produtos médicos que seus cidadãos precisam e que são considerados muito caros para os cidadãos. "Estamos a tentar garantir o acesso de todos os americanos", disse L.J. Tan, diretor da estratégia de imunização. "A melhor maneira de fazer isso é tornar as vacinas gratuitas para todos."
O preço da nova vacina Pfizer - que pode chegar a algo entre 20 e 40 dólares, dependendo de quantas doses são necessárias - está alinhado com o que o governo paga por muitas vacinas infantis. "Quarenta dólares para um tratamento de duas doses é, na minha opinião, muito razoável", disse Tan.
O Governo português já manifestou interesse em adquirir doses de uma eventual vacina contra o novo coronavírus, mas apenas quando estiver disponível, informou na segunda-feira a ministra da Saúde, alertando que é prematuro ter mais do que expectativas.
"Já sinalizámos o nosso interesse em adquirir para o nosso país quantidades adequadas a uma eventual vacinação nos critérios que venham a ser definidos quando uma nova vacina vier a aparecer", afirmou Marta Temido, durante a habitual conferência de imprensa sobre a pandemia da covid-19 em Portugal.
"O Governo português tem procurado estar presente em todos os processos, acompanhar todas estas possibilidade, mas é ainda prematuro ter mais do que expectativas relativamente ao seu sucesso", sublinhou. "Há algumas vacinas que são mais promissoras neste momento. Há uma vacina com uma possibilidade de avaliação no final de setembro. O governo português tem estado a acompanhar a situação. É nosso interesse adquirir quantidades adequadas", acrescentou.