Eliud Kipchoge entrou neste domingo para a história do atletismo e da superação humana. O queniano bateu o recorde da maratona, em Berlim, com a extraordinária marca de 2:01.39 horas, retirando 1.18 minutos ao anterior máximo, que estava na posse do compatriota Dennis Kimetto, desde setembro de 2014..Kipchoge fez os 42,195 quilómetros da distância à velocidade média de 20,8 km/hora. O que poderia levar alguém a perguntar se o queniano teria ido de... bicicleta. "Tem havido uma grande evolução na maratona e por isso é de esperar tudo dos quenianos ou dos etíopes nesta altura", adianta António Fonseca e Costa, de 82 anos, que foi treinador de alguns dos mais destacados corredores de fundo portugueses, como Manuel Matias, Luís Jesus, Mário Silva, Aurora Cunha, Carla Sacramento, entre outros.."Quando o Carlos Lopes bateu o recorde do mundo em Roterdão em 1985 já era uma marca extraordinária, e agora este queniano tirou mais de seis minutos... O que dizer?", acrescenta o técnico, que não ficará surpreendido quando alguém correr a distância abaixo das duas horas. "Pela evolução que se tem registado já nada me admira, mas de certeza que será um queniano ou um etíope a fazê-lo, pois os não africanos estão fora dessa realidade", garante Fonseca e Costa ao DN..Entre o treino e as suspeitas.Carlos Lopes, antigo recordista mundial com 2:07.12 horas, acredita que "é possível baixar das duas horas", acrescentando que para isso "é preciso passar aos dez quilómetros abaixo dos 26 minutos". "Essa é a referência dos corredores para baixar dessa fasquia, pois foi agora dado um passo de gigante para que isso aconteça, e para já é o Kipchoge que está mais perto, mas não quer dizer que não apareça outro a fazê-lo", sublinhou..Em maio de 2017, a marca de artigos desportivos Nike promoveu uma corrida no circuito de automobilismo de Monza, onde habitualmente se realiza o Grande Prémio de Itália de Fórmula 1, para que fosse ultrapassada a barreira das duas horas. Três maratonistas participaram nesta iniciativa, que levou a marca norte-americana a gastar alguns milhões de euros, entre eles estava precisamente Kipchoge, mas também o etíope Lelisa Desisa e o eritreu Zernesay Tadese. O novo recordista da maratona ganhou essa prova não oficial, ajudado por várias "lebres", mas falhou o objetivo, uma vez que gastou duas horas e 25 segundos..Um ano e quatro meses depois, aí está o recorde, só ao alcance de um africano, pois claro. "Há um trabalho melhor com os africanos, mas também porque há muitos atletas nas distâncias longas e, como tal, estão sempre a aparecer novos valores. Na Europa e nos outros continentes há um problema de prospeção de talentos", considera Carlos Lopes, de 71 anos..A visão do medalha de ouro nos Jogos Olímpicos de Los Angeles, em 1984, não é, no entanto, partilhada por Fonseca e Costa, que tem uma visão mais cautelosa em relação ao desempenho desses atletas. "Os quenianos são imparáveis na maratona, o que tem que ver com o treino que lhes permite evoluir, mas também com o facto de nascerem em altitude", adianta, para depois lançar um tema que nos últimos tempos tem ensombrado o atletismo mundial: "Estas marcas carecem de prova científica... Cada vez mais me convenço de que a maratona só tem sentido histórico. Só serviu para celebrar a chegada do soldado grego Fidípides a Atenas.".Só 14 não africanos nas 474 melhores marcas.O treinador português recorda que "há uma série de atletas em investigação na Etiópia e no Quénia" por suspeitas de utilizarem substâncias dopantes, e como tal deixa um desejo: "Só espero que estas marcas não sejam anuladas mais tarde, por causa de terem tomado uns produtos ou uns preparados." Fonseca e Costa aproveita para lançar um desafio: "Entre as melhores marcas de sempre na maratona, vejam quantos não africanos conseguiram melhor do que o Carlos Lopes.".Pois bem, olhando para a lista das melhores marcas de sempre, constata-se que o melhor atleta não nascido em África é o norueguês Sondre Nordstad Moen, que surge com o 135.º melhor tempo de sempre (2:05.48 horas), obtido em dezembro de 2017, e que entre ele e Lopes (474.ª marca) há apenas 12 tempos melhores, sendo um deles de outro português, António Pinto, no lugar 293, com 2:06.36 horas, alcançado em abril de 2000. Neste olhar pelo ranking de tempos, não estão incluídos africanos naturalizados por outros países como os Khalid Khannouchi (EUA), Driss EL Himer (França), Shumi Dechasa (Bahrein), Tadesse Abraham (Suíça) e Mo Farah (Grã-Bretanha).