Coreia. Suspeito do primeiro caso de covid no Norte é um desertor procurado no Sul
As autoridades norte-coreanas encerraram a cidade de Kaesong, perto da fronteira com a Coreia do Sul, no domingo, porque um desertor que partira há três anos para o Sul tinha regressado e era suspeito de estar infectado com o novo coronavírus.
A história, já de si incomum, ganhou novos contornos: o homem, que terá atravessado a fronteira a nado após ter passado por uma vala de drenagem para escapar aos guardas, é procurado pela polícia sul-coreana por suspeitas de violação.
Na ilha de Gangwhado as autoridades sul-coreanas encontraram uma mala não longe e terá escapado aos guardas da fronteira sul-coreana ao passar debaixo das vedações de arame farpado por uma vala que desemboca num estuário do rio Han junto do mar Amarelo.
O desertor, de apelido Kim, tinha tomado um caminho semelhante quando chegou à Coreia do Sul em junho de 2017, quando atravessou a fronteira para a ilha de Gyodongdo, perto de Gangwhado, que dista menos de dois quilómetros da Coreia do Norte.
Antes de fugir para o Norte, Kim tinha perdido o emprego e estava sob investigação policial por suspeitas de ter violado outro desertor na sua casai.
Kim tinha negado as acusações, dizendo que estava bêbado e não se lembrava do incidente, mas a polícia continuou com a investigação depois de se ter encontrado ADN na vítima.
As autoridades emitiram um mandado de captura quando a polícia recebeu informações de que Kim poderia voltar a desertar, desta feita para o país natal.
O homem de 24 anos foi visto pela última vez no dia 18, quando apanhou um táxi para a ilha de Gangwhado.
Na mala que abandonou havia roupas, óculos de natação e o recibo de um câmbio de won para dólares (o equivalente a 3400 euros).
"Poder-se-ia dizer que o vírus vicioso entrou no país", disse Kim Jong Un, segundo a agência noticiosa de Pyongyang, KCNA.
Seul soube do regresso do desertor a casa no domingo quando o ditador declarou o estado de emergência por causa de um caso suspeito de coronavírus, dizendo que um "fugitivo" regressou à cidade fronteiriça de Kaesong, potencialmente portador de covid-19.
Funcionários de saúde da Coreia do Sul disseram que é pouco provável que o desertor tenha o novo coronavírus, uma vez que não tem qualquer ligação conhecida a nenhum paciente confirmado no país (que tem seguido um programa de teste e localização rigoroso).
Além disso testaram duas pessoas que tiveram contacto próximo com o desertor, e nenhum está contaminado.
A notícia do primeiro caso suspeito de covid-19 no país comunista foi recebida com destaque e um grão de sal por ter sido um dos últimos países a anunciá-lo numa altura em que o número de pessoas infetadas em todo o mundo está quase a atingir oficialmente os 17 milhões.
O regime isolado insistiu até agora que não tinha detetado um único caso de covid-19, apesar de a doença ter sido registada um pouco por todo o mundo. Pelo menos 665 mil pessoas morreram em todo o mundo, com os Estados Unidos a ser de longe o país mais atingido.
Apesar de Pyongyang ter encerrado a fronteira com a China em fevereiro, a extensão da mesma (1400 quilómetros) e o número de pessoas que a utilizam no comércio informal levam os especialistas a acreditar que o contágio terá provavelmente já ocorrido através do país onde a nova doença surgiu no final do ano passado.
"Isto seria uma forma extremamente conveniente para o regime admitir a existência de covid-19 no país", escreveu Benjamin Katzeff Silberstein, especialista da Coreia do Norte no Foreign Policy Research Institute de Filadélfia.
"A mensagem é: as nossas medidas antiepidémicas, tais como o encerramento da fronteira norte, foram impecáveis. Mas um caso ainda escapou pelas brechas. Ter um primeiro caso confirmado vindo do Sul alivia o regime de qualquer embaraço em relação à China", comentou.
Não tinha havido um caso relatado de um desertor a regressar ao Norte desde 2017. O Ministério da Unificação sul-coreano disse que um total de 11 desertores tinham regressado para o país comunista nos últimos anos de um total de 30 mil que fugiram do Norte para o Sul.
Este número, no entanto, é posto em causa por um especialista na Coreia do Norte.
"Estima-se que haja mais de 100 desertores [que regressaram ao Norte] não divulgados, e outros 300 desertores não contabilizados que partiram para a China ou outro país", disse Ahn Chan-il, um desertor que se tornou investigador em Seul, durante uma entrevista à CBS. Para Ahn, as dificuldades de assimilação numa sociedade aberta são o maior factor destes regressos.
Ao Korea Herald, um desertor que preferiu o anonimato disse: "Ouvi dizer que quando os desertores regressam ao Norte, são usados primeiro como propaganda e depois castigados. Como sabem o que é viver num país livre, o governo norte-coreano não os deixa viver juntamente com os outros cidadãos. Quando regressei ao Norte, vi os ex-desertores nos vídeos de propaganda, mas desapareceram mais tarde."