Amais recente oferta de acordo pós-eleitoral que Pablo Casado estendeu ao Vox tem implícita uma constante e uma surpresa. A constante é que Casado prova em definitivo ter guinado o PP ao extremo da direita, quer na agressividade com que está nos debates, quer na agenda de costumes que recuperou, ou no desprezo que lhe mereceu a ala mais centrista que derrotou no partido, quer ainda no desdém que dedica a Albert Rivera. A surpresa pode estar no resultado do Vox, talvez subvalorizado nas sondagens nacionais, cuja real amplitude do seu alcance eleitoral possa estar na posse do líder do PP. Ao saber isso, Casado mostra antecipadamente abertura para um acordo de governo, tenta estancar a transferência de votos e, tranquilizando essa falange, apela ao voto útil..O problema, porém, não está na tática, mas na estratégia. Uma das características destes tempos na Europa e nos EUA é partidos tradicionais de centro-direita, liberais-conservadores, a cooptarem uma grande parte da agenda das suas falanges internas mais radicais ou de partidos nacionalistas em ascensão e que povoam essa parte do espectro político. Com isso expõem uma dupla falência. Por um lado, mostram não ter uma agenda própria, mais um prego no caixão da avaliação popular que sobre eles cai e que tende a punir práticas e atores políticos mumificados no tempo. Por outro lado, transmitem uma clara noção de pânico em serem ultrapassados pelos protótipos originais. É isto que se tem passado, além do PP espanhol, com os Republicanos em França, a Forza Italia, o OVP austríaco ou os conservadores britânicos. A estratégia tem privilegiado os novos partidos da direita radical e punido aqueles que lhes tentam tocar. Veremos até quando esta tendência deixa Portugal de fora, porque sinais não faltam..Essa deixa de Casado poderia ser aproveitada por Rivera, se o seu centro político estivesse, como já esteve, bem mais afinado e consolidado. Numa época em que o novo normal na Europa são coligações de dois ou mais partidos e um constante fluxo negocial para acomodar uma base de atuação minimamente sólida, partidos como o Ciudadanos poderiam assumir o pêndulo do regime. Uma responsabilidade que não seria mais vista como um ato de oportunismo, mas a garantia de equilíbrio e estabilidade do sistema. Ao ter encostado à direita, fruto de uma dinâmica autoflageladora em Espanha e que tem esgotado o debate numa competição atroz sobre identidades nacionais, o Ciudadanos acabou por se colocar numa zona problemática e não solucionadora. Até porque o cenário pedia outro comportamento. Não só é improvável que se estabeleçam maiorias parlamentares, como não é assim tão inusitado descolar da guinada ultraconservadora do PP. O Ciudadanos viabilizaria um governo PSOE e consolidaria um amplo espaço ao centro-esquerda e centro-direita onde todas as democracias saudáveis devem assentar arraiais. Como ficou evidente nos dois debates televisivos, valham eles o que valerem, o único com perfil para chefiar um governo é Pedro Sánchez. Ora, tanto um mau resultado do PP como uma desilusão do Ciudadanos dificilmente travarão uma luta interna mais ou menos imediata, o que acrescentará ainda mais dramatismo ao quadro pós-eleitoral já de si incerto. E mesmo que não seja imediata, a tentação pela disputa ganha novas etapas daqui a um mês, quando às eleições europeias se juntarem 12 eleições autonómicas..Espanha pode ter amanhã, pela primeira vez em democracia, cinco partidos acima dos 10% de representação parlamentar e um xadrez fragmentado de coligações no governo, desenlace que o país também desconhece. Como temos visto, governos minoritários com suporte parlamentar muito refém de partidos regionalistas não oferecem, no atual contexto político, uma solução duradoura de governabilidade. A atmosfera social está excessivamente polarizada para permitir um chão comum sustentado. O debate institucional perdeu o respeito dos interlocutores e de quem assiste de fora, hoje premiando quem se apresenta abertamente contra o sistema. A saúde da economia já não dita de forma magnânima o sentido do voto e as plataformas alternativas que promovem o debate público estão desprovidas de bom senso, escoando apenas gritaria, insulto, perseguição e mentira. É um exclusivo de Espanha? Longe disso..A redução da mensagem política a simples mensagens estupidificantes, seja nas redes sociais ou em meios tradicionais, são uma parte do problema. Os líderes políticos, em campanha ou fora dela, deixaram enredar-se num suposto cardápio de interesses comuns com os eleitores, transmitindo pouco, elaborando nada, provando ainda menos. Nem a complexidade das nossas sociedades se compadece com essa fórmula nem o paternalismo pode ser o instrumento de cumplicidade com os cidadãos. Numa campanha como a espanhola em que só se olha para dentro, sem qualquer rasgo para o papel de Espanha na política europeia ou na resolução de crises mediterrâneas e latino-americanas, tem a mesma alguma aderência à realidade da política contemporânea, onde tudo é risco, oportunidade e impacto direto ou indireto nas decisões nacionais? Políticos que, numa campanha em 2019, façam de conta que vivemos fechados numa caserna económica, financeira, climática, comercial, geopolítica, energética, educativa, monetária ou cultural, têm algum grau de credibilidade para estar ao leme dos seus países?.Menorizar as pessoas é um erro político colossal, insistir numa agenda monotemática é assumir uma deficiente leitura dos problemas, e esvaziar o discurso de uma vertente aspiracional só desconecta a política com as gerações mais novas por tempo indeterminado. Sem inverter este menu fica difícil ter sucesso. Para explorar o medo, o simplismo e a demagogia já existem suficientes partidos nacionalistas e populistas. Não sigamos a mesma lógica. É um enorme tiro no pé..Investigador universitário