É com os olhos postos numa Europa em convulsão e no Orçamento do Estado (OE) para o próximo ano que o Bloco de Esquerda (BE) organiza neste fim de semana, em Lisboa, a sua X Convenção. Longe da disputa fratricida que marcou a reunião magna de 2014, Catarina Martins vai assumir-se como a única coordenadora do partido - modelo que já não existia desde 2012, quando Francisco Louçã deixou a liderança - e antecipa ao DN alguns dos pontos incontornáveis da discussão: a preparação do país para fazer face à "degradação acelerada" da União Europeia (UE) e o aumento generalizado das pensões, em especial das mais baixas..Acerca do segundo tema, a porta-voz nacional do BE salienta que o conclave servirá acima de tudo para debater "as grandes prioridades" do partido mais do que para "detalhar cada uma das medidas" que possam vir a florescer, mas adianta que entre essas prioridades estão "seguramente" as pensões..Sem levantar demasiado o véu, acrescenta já há negociações em curso com o governo de António Costa e afina a declaração: "É para nós uma prioridade responder às pensões, principalmente as mais baixas - não só a mínima - e que não têm alterações no quadro das mexidas fiscais, porque não pagam IRS.".Ora, o DN apurou que a intenção do Bloco passa por aumentar de forma mais acentuada do que se verificou neste ano as pensões cujos valores oscilem entre o mínimo fixado na lei (263 euros) e os 600 euros, uma vez que esses pensionistas pouco ou nada beneficiarão da revisão dos escalões do IRS, acordada e prometida pela esquerda parlamentar para o próximo ano..Também no capítulo do OE - cuja discussão o Bloco não quis fazer coincidir com a convenção (daí a sua antecipação para amanhã e domingo), Catarina revela que a metodologia de trabalho da terceira força política nacional vai sofrer alterações. O BE quer integrar independentes na discussão e incluí-los na fase em que está a ser feito o trabalho de casa na Rua da Palma e na Assembleia da República. A convenção, diz, será "importante" para chamar esses especialistas a jogo.."Julgo que há hoje uma quantidade de pessoas bem preparadas, que tem experiência nas várias áreas fundamentais do Orçamento e que têm vindo a aproximar-se do Bloco e da discussão. O Bloco deve ter a capacidade de integrar na sua discussão pessoas que não sejam do partido", fundamenta a responsável, recordando a existência de grupos de trabalho compostos por membros do executivo, do PS e do BE que funcionam há algum tempo sobre várias áreas da governação - da dívida à precariedade, passando pela reforma fiscal e pela habitação..Brexit, Espanha e refugiados.Por outro lado, tal como a moção de que é a primeira subscritora, a A, deixava antever, Catarina confirma que a Europa será um tema central, até porque terá lugar na ressaca do referendo britânico, na antecâmara das eleições espanholas - Miguel Urbán, dirigente do Podemos, é o convidado especial de amanhã - e com o Velho Continente mergulhado numa enorme crise de refugiados. "Os últimos acontecimentos põem em cima da mesa aquilo que são os piores pesadelos do ponto de vista do caminho da UE", assinala, destacando também a crise económica e os 50% de desemprego jovem na zona euro. "É a falência completa de um projeto em que as gerações mais jovens não se podem rever", reforça..Fazendo ainda alusão à "capitulação imposta ao governo grego", a líder do BE sobe o tom quando diz que "não é credível que se possa ficar à espera de que a Europa venha resolver os problemas de algum Estado". "A Europa é cada vez mais o problema dos Estados", completa..Questionada sobre a possibilidade de a convenção servir para indicar o caminho a António Costa na relação com Bruxelas e Frankfurt, Catarina reconhece que "vai estar em cima da mesa a responsabilidade de a esquerda não ficar à espera do que vier da Europa", mas lamenta que os socialistas sejam mais otimistas. No congresso do PS, justifica, "notou-se uma visão mais crítica, uma certa desilusão [com a Europa], mas na verdade continuámos a ouvir coisas como não é possível o socialismo fora da União Europeia".."Continua a haver uma ideia de que Portugal não é viável fora do contexto da UE nem tem poder para a mudar, logo ficaremos à espera que ela mude. Isto é, no mínimo, de uma ingenuidade que pode ser perigosa", desabafa, para depois antecipar que "seguramente" vai introduzir no conclave a questão da saída do euro. Não como condição, mas como cenário para o qual o país deve estar preparado e para o qual o BE conta com quadros que já estudaram eventuais consequências dessa opção. "Temos de nos debruçar sobre quais são as responsabilidades políticas para defender o país. Não só qual é a resposta económica mas também qual é o caminho necessário de recuperação de soberania em áreas fundamentais para que haja uma estratégia económica que possa criar emprego em Portugal", justifica a líder bloquista..Por outro lado, nesta convenção e com o Bloco a fazer parte de uma moldura política nunca vista em Portugal, a oposição interna é residual, dado que as duas tendências maioritárias (a Plataforma Unitária, de Catarina Martins, Francisco Louçã, João Semedo, Marisa Matias ou Mariana Mortágua e a Esquerda Alternativa, de Pedro Filipe Soares, Luís Fazenda, Joana Mortágua ou Mariana Aiveca) se aliaram na construção de uma só moção - a que se soma um conjunto de aderentes da antiga moção B, cuja principal figura é Adelino Fortunato, membro da direção..O documento intitulado "Força da esperança - O Bloco à conquista da maioria" conseguiu eleger 523 delegados (81,85% do total), que comparam com 60 delegados (9,39%) eleitos pela moção R - "Crescer pela raiz - A radicalidade de reinventar a política", de Catarina Príncipe, Nuno Moniz e João Carlos Louçã - e 33 delegados (5,16%) pela moção B - "Mais Bloco", de João Madeira, entre outros..De resto, um dos pontos que dividem as três sensibilidades são as coligações pré-eleitorais nas próximas autárquicas, dado que Catarina e os demais dirigentes da moção A defendem como princípio a apresentação de candidaturas próprias..Esta noite, há um primeiro aquecimento para a convenção, com uma sessão internacional com o mote "O tempo dos movimentos na Europa". Já o lema do conclave que decorrerá no pavilhão do Casal Vistoso é "Mais força para vencer".