No último fim de semana, tiveram lugar em dezenas de cidades de todo o mundo gigantescas manifestações de apoio à causa palestiniana (não confundir com apoio ao Hamas) e com apelos ao fim imediato da guerra. Algumas delas foram realizadas nas principais capitais e cidades ocidentais. Em muitas, participaram cidadãos e personalidades judaicas que não se reveem na política de eliminação dos palestinianos, programa político das autoridades sionistas de Telavive. De notar que algumas dessas manifestações foram realizadas contra a proibição oficial das autoridades de certos países sempre tão empenhados em dar lições de democracia ao resto do mundo. Sabemo-lo bem: "Faz o que eu digo, não o que eu faço.".Por curiosidade, pesquisei os principais jornais ocidentais (portugueses, espanhóis, franceses, ingleses e americanos), para saber como tinham coberto esse acontecimento. O resultado foi elucidativo: nenhum deles deu qualquer manchete ou informação relevante sobre essas manifestações. "Lamentável" é o adjetivo mais suave que encontro para classificar tal escolha política, sem absolutamente nada de editorial..Um dos motes centrais em todas as manifestações foi o seguinte: "Limpeza étnica não é direito à defesa." Por outro lado, os milhares de cidadãos judeus que, corajosamente, participaram em algumas dessas manifestações, exibiam a seguinte mensagem: "Não em nosso nome!", demarcando-se, por conseguinte, da matança dos palestinianos pelas autoridades de Israel, apoiadas por todos os governos ocidentais, sem exceção, e alegadamente em nome da legítima causa judia..Na verdade, e passadas duas semanas do ataque do Hamas contra Israel, parece indesmentível que o mantra repetido pelas autoridades e os oráculos do Ocidente Alargado - "Israel tem direito a defender-se!" - constitui uma senha para o genocídio que está em curso em Gaza, mas também nas outras regiões da Palestina, como a Cisjordânia, onde, note-se, não houve ataques do Hamas. Esse genocídio - relembre-se - não está a acontecer apenas nas duas últimas semanas, mas tem sido levado a cabo, sistematicamente, nos últimos 75 anos. Que ninguém se limite, pois, a falar no Hamas, com o qual, aliás, as atuais autoridades de Israel têm relações espúrias há anos..Ao contrário do que ingenuamente (?) pensam alguns analistas ocidentais, essa licença para matar dada pelo Ocidente Alargado ao Governo de Extrema-Direita de Telavive é endossada também pela maior potência mundial. Para afirmá-lo com certeza, não é preciso recorrer a análises complexas ou fontes sigilosas: basta lembrar o veto da Casa Branca ao projeto de resolução do Brasil no Conselho de Segurança da ONU, que condenava o Hamas, mas exigia o fim das retaliações indiscriminadas de Israel contra a população civil de Gaza..É certo que o endosso dos diferentes países a Israel tem de levar em conta as circunstâncias internas de cada um (parte importante da população dos EUA é de ascendência árabe; contudo, o lobby sionista é muito mais poderoso), mas como acreditar na responsabilidade da Administração Americana quando Biden anuncia que vai deslocar mais armas para o Médio Oriente? A desproporção de meios entre o Exército Israelita e os palestinianos é conhecida de todos. É mesmo preciso perguntar para que servirá o envio de mais armas pela Administração Americana?.A solução para a questão do Médio Oriente - se ainda a houver - não é o prolongamento da guerra, mas a sua cessação e o início de conversações sérias entre israelitas e palestinianos. Como pediu recentemente um deputado irlandês (ignorado também pela grande imprensa "objetiva" e "democrática" do Ocidente, pelo que as suas palavras só estão disponíveis nas redes sociais), a comunidade internacional, ao invés de fornecer mais armamento, tem de exigir o fim imediato do conflito armado e o início de negociações tendentes à estabilização da região, o que passa, disse ele, pela constituição de um Estado Palestino viável, ao lado de Israel..Hoje, de facto, a questão não é mais a existência do Estado de Israel, mas a do Estado da Palestina..Escritor e jornalista angolano