Contornos da represália israelita preocupam comunidade internacional

Ministro da Defesa israelita anuncia corte de todos os bens essenciais ao território onde diz estar a lutar contra "animais". Crime de guerra, alerta a Human Rights Watch, enquanto secretário-geral da ONU e presidente turco apelam para se respeitar o direito humanitário.
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As declarações do primeiro-ministro e do ministro da Defesa de Israel sobre a reação ao ataque do Hamas fizeram soar alarmes na comunidade internacional. Enquanto o exército israelita anunciou ter retomado o controlo das localidades que haviam caído nas mãos da organização terrorista e prosseguia a campanha de bombardeamento a alvos do Hamas, Jerusalém, Telavive e noutras localidades israelitas voltaram a ser alvo de foguetes e mísseis.

Ao declarar um "cerco completo" a Gaza, Yoav Gallant, ministro da Defesa, afirmou: "Sem eletricidade, sem comida, sem água, sem gás, tudo fechado. Estamos a lutar contra animais e agiremos em conformidade", disse perante os comandantes militares o ministro que há meses se rebelou contra o chefe do governo por este querer avançar com uma reforma judicial que põe em causa os fundamentos democráticos do país.

Mas o momento é de sintonia e Netanyahu não desafinou, ao falar com os autarcas das localidades perto de Gaza. "O que o Hamas vai viver será difícil e terrível. Todos os lugares onde o Hamas está ativo vão ser destruídos por completo. Vamos mudar o Médio Oriente", proclamou. Mais tarde, num discurso transmitido pela TV, o primeiro-ministro apelou para a formação de um governo de unidade nacional, "sem pré-condições".

As mensagens do governo israelita preocuparam o secretário-geral das Nações Unidas, que se afirmou "profundamente angustiado" perante o cerco anunciado. "A situação humanitária em Gaza era extremamente difícil antes das hostilidades, agora irá degradar-se exponencialmente", disse António Guterres. "Embora reconheça as preocupações legítimas de Israel com a sua segurança, também lembro que as operações militares devem ser realizadas de acordo com o direito humanitário internacional."

O dirigente português recordou que instalações de saúde, áreas residenciais e escolas foram atingidos por mísseis israelitas em Gaza. Guterres apelou ainda para a comunidade internacional "mobilizar ajuda humanitária imediata", sem deixar de, mais uma vez, condenar os "ataques abjetos" do Hamas. "Reconheço as queixas legítimas do povo palestiniano. Mas nada pode justificar estes atos terroristas, os assassínios, mutilações e sequestros de civis."

Já a organização não governamental Human Rights Watch (HRW) classificou o cerco a Gaza de "abominável", tendo apelado para o Tribunal Penal Internacional tomar a devida atenção para este "apelo para cometer um crime de guerra". Para Omar Shakir, diretor da HRW para Israel e Palestina, "privar a população de um território ocupado de alimentos e eletricidade é uma forma de punição coletiva que é um crime de guerra, tal como utilizar a fome como arma de guerra". Shakir conclui: "Tais ações poriam em perigo a vida de mais de 2,2 milhões de palestinianos que vivem há mais de 16 anos sob o bloqueio esmagador e ilegal de Israel."

Além do cerco, as preocupações giram também à volta da dimensão do ataque a Gaza. O presidente turco Recep Tayyip Erdogan instou Israel a não atacar "indiscriminadamente" civis. Segundo o gabinete da presidência turca, em conversa telefónica com o homólogo israelita Isaac Herzog, Erdogan disse que "ferir o povo de Gaza coletiva e indiscriminadamente aumentaria ainda mais o sofrimento e a espiral de violência na região". Erdogan também pediu aos palestinianos para cessarem com os ataques aos civis israelitas e a ambas as partes este apoiante da causa palestiniana pediu para se respeitar "uma certa ética" da guerra.

De acordo com a Axios, em telefonema com Joe Biden no domingo, Netanyahu, cujo governo chamou 300 mil reservistas, foi taxativo: "Temos de entrar", referindo-se a Gaza. "Não podemos negociar agora."

Segundo a Al Jazeera, as forças de Telavive bombardearam túneis no noroeste de Gaza tendo para o efeito usado bombas antibunker. Os túneis em Gaza têm sido essenciais para contornar o bloqueio imposto por Israel àquele território desde 2007, quando o Hamas chegou ao poder. Mas é também na rede subterrânea que o grupo islamista tem postos e armazena armas, pelo que se tornam num alvo. A sua utilização num território tão densamente povoado choca com as Convenções de Genebra, mas segundo Patrick Bury, especialista em guerra e contraterrorismo na Universidade de Bath, isso não será um impedimento. "Israel tem-nas e vai usá-las. Não creio que, de momento, se preocupem muito com os danos colaterais", comentou à Al Jazeera.

DestaquedestaqueO exército israelita reforçou posições junto da fronteira com o Líbano, onde terá matado três militantes do Hezbollah num ataque aéreo.

Na segunda-feira à noite do lado israelita contavam-se cerca de 900 mortos, entre os quais pelo menos 73 militares, em Gaza o número de vítimas mortais estava em 687. A estes números pode juntar-se o dos reféns que o ataque surpresa do Hamas fez. "Cada ataque contra o nosso povo sem aviso prévio será respondido com a execução de um dos reféns civis", afirmaram as Brigadas Ezzeldin al Qassam, o braço armado do Hamas. Estas declarações vão em contracorrente às de um elemento do Hamas, Hossam Badran, à AFP, segundo o qual neste momento não há condições para troca de prisioneiros com Israel. Crê-se que existam até 150 israelitas reféns.

Além dos bombardeamentos a Gaza, o exército israelita reforçou posições na fronteira com o Líbano, onde terá matado três militantes do Hezbollah através de um ataque aéreo. Por sua vez, o grupo xiita apoiado pelo Irão disse ter respondido com mísseis e morteiros contra instalações militares israelitas.

Numa outra guerra que ficou em segundo plano mediático, a da Ucrânia, os serviços de informações do Ministério da Defesa de Kiev lançaram um alerta para uma campanha de desinformação. Ao que afirmam aqueles serviços, a Rússia entregou ao Hamas armas ocidentais capturadas em solo ucraniano para mais tarde acusar o exército ucraniano de "vender armas aos terroristas numa base regular". O objetivo é "desacreditar a Ucrânia no Médio Oriente" e junto dos parceiros ocidentais para que estes parem com a ajuda militar.

cesar.avo@dn.pt

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