"Ser um bom ouvinte e querer saber o que os outros dizem, ter sincera curiosidade pelos outros e pela sua vida. [E] A capacidade de nos zangarmos com as injustiças que descobrimos", disse ontem o repórter Michael Rezendes, da equipa Spotlight na sua intervenção como orador convidado no Congresso dos Jornalistas Portugueses. "O que é preciso para ser jornalista de investigação?", era a pergunta de outra jornalista, Cândida Pinto, que conduziu a conversa, boa parte dela feita com as perguntas de quem assiste ao congresso..O lusodescendente (a família do pai é de origem açoriana), interpretado pelo ator Mark Ruffalo em O Caso Spotlight, vencedor do Óscar de melhor filme há um ano, continua a fazer parte da equipa de investigação que em 2002 desvendou múltiplos casos de abusos sexuais de padres encobertos pela diocese de Boston. Eram quatro nessa altura, hoje são oito. "Continuo a lutar a boa luta", disse, para começo de conversa..Vencedor do Prémio Pulitzer de Serviço Público em 2003, Rezendes tem trabalhado temas relacionados com prisões, nomeadamente a morte de um rapaz esquizofrénico às mãos de guardas prisionais..As raízes e nada mais o liga a Portugal, mas lembrou Mário Soares. "Sempre admirei o compromisso do ex-Presidente com a democracia. O jornalismo é uma parte essencial da democracia. Sem bom jornalismo, cidadãos nunca terão a informação de que precisam para tomar decisões na vida pública.".[citacao:"Ser um bom ouvinte e querer saber o que os outros dizem. [E] A capacidade de nos zangarmos com as injustiças"].Entre as perguntas que lhe chegaram da audiência, como saber o que é importante, Rezendes explicou que recebe e-mails com muitas histórias, mas só avança para as que respondem a um critério: "Só investigo as que afetam muitas pessoas." "Procuro o que está mal no sistema. As pessoas ficam dececionadas, mas a verdade é que não posso investir seis meses do meu tempo na história de apenas uma pessoa. O meu objetivo é melhorar a sociedade como um todo", afirmou Rezendes, que chegou ao jornalismo ainda estudante de Literatura Inglesa, determinado a escrever um romance. "Como ia demorar muito tempo, quis trabalhar. Achava que o jornalismo me ajudaria a treinar a escrita e satisfaria o interesse pela política." Uma semana depois de ter entrado num jornal pequeno de Boston fez a sua primeira história..Outra dúvida lançada pela moderadora e pela plateia: quando parar? "Quando começamos a ouvir a mesma coisa uma e outra vez. Espero até achar que não estou a encontrar alguma coisa nova." E, como contou em jeito de segredo para uma audiência que o compreende, só revela que tem a história aos editores quando está quase pronta, "para evitar a pressão"..O filme, admite, expôs o caso como os jornais não tinham feito. Mais casos vieram à luz. Garante que o retrato é "rigoroso" e "autêntico", apesar de sintetizar em duas horas o trabalho de três meses. "Ninguém pensou que o trabalho seria filme de Hollywood, não achávamos que fosse bom para o cinema. Não há perseguições de carros, explosões, nem sequer há sexo." A sala riu-se e o jornalista falou a sério: "Somos mesmo afortunados por terem aparecido pessoas interessadas em fazê-lo.".[youtube:Zg5zSVxx9JM]