Contas complicadas para May: faltam-lhe 70 votos no Parlamento britânico
A primeira-ministra britânica, Theresa May, tem pela frente um longo caminho para tentar convencer os deputados britânicos de que o acordo de Brexit que negociou com Bruxelas é o melhor que o Reino Unido vai conseguir. O problema é que não tem maioria no Parlamento e nem os seus deputados concordam com o acordo.
Com base na posição que tem sido tomada pelos deputados, pegando no pior cenário em termos de rejeição dentro dos Tories e no melhor cenário no que diz respeito a eventuais rebeldes trabalhistas que votem a seu favor, May estará a 70 votos de conseguir os votos necessários para aprovar o acordo de Brexit. Isto sem contar com eventuais abstenções entre os 650 deputados britânicos, sendo que a primeira-ministra só precisa de uma maioria simples (mais "sim" que "não" para ultrapassar este obstáculo).
"Podemos apoiar este acordo e avançar para um futuro próspero ou podem rejeitar este acordo e voltar à estaca zero", defendeu May no Parlamento, esta segunda-feira. "Como ninguém sabe o que vai acontecer se este acordo não passar, abriria a porta a mais divisões e mais incertezas, com todo o risco que isso traz", disse.
Segundo uma carta enviada aos deputados com as próximas datas importante, o debate sobre o acordo do Brexit deverá começar na terça-feira, 4 de dezembro, e prolongar-se durante cinco dias úteis, com a votação final a calhar na terça-feira seguinte, a 11 de dezembro (na sexta-feira, 7 de dezembro, não há trabalhos). O objetivo é concluir tudo antes do Conselho Europeu de 14 e 15 de dezembro.
Há 650 deputados no Parlamento britânico, mas May não precisa do voto de metade para avançar com o Brexit. Desde logo porque o líder do Parlamento (Speaker), atualmente é Jon Bercow, que renuncia ao partido quando toma posse, só vota em caso de empate. O mesmo acontece com os três vice-líderes, que também não votam apesar de manterem a ligação ao partido (dois do Labour e um conservador).
Depois, porque os sete deputados eleitos pelo Sinn Féin são abstencionistas e nunca participam nos trabalhos parlamentares em Westminster (uma instituição que veem como ilegítima, alegando que não tem jurisdição sobre a Irlanda do Norte). O partido republicano irlandês defende uma Irlanda unida.
O número base com o qual May teria então que contar seria de 639, mas ainda pode haver mais faltas. Os deputados têm que votar pessoalmente, não podendo delegar o seu voto num colega. Isso significa, por exemplo, que as deputadas ou deputados que estão de licença de maternidade ou paternidade não conseguem votar.
Normalmente, estes organizam-se para que um deputado que planeia votar no sentido contrário ao seu também esteja ausente ou se abstenha de votar. Mas, num voto crucial sobre o Brexit, no verão, um deputado conservador, o presidente do partido Brandon Lewis, quebrou o acordo com a deputada liberal-democrata Jo Swinson (que estava em licença de maternidade) e votou ao lado do governo (May ganhou essa votação por seis votos). Lewis pediu depois desculpa, dizendo ter cometido um erro.
A deputada trabalhista Tulip Siddiq, que está a dias de ser mãe, disse numa entrevista à BBC que vai desafias as ordens dos médicos para estar presente na votação do Brexit. Eleita por Hampstead e Kilburn (Londres), lembrou que 75% dos seus eleitores votaram contra o Brexit, pelo que não pode estar ausente e não confia no sistema de "emparelhamento", após este ter falhado com Swinson.
Pensando apenas nas ausências confirmadas, o número chave é 320. São esses os votos que May precisará para que o Brexit passe no Parlamento. O problema é que o Partido Conservador tem, neste momento, 315 deputados - May perdeu a maioria que esperava reforçar quando convocou eleições antecipadas para junho de 2017. E, segundo essas mesmas contas, pelo menos 95 deles já indicaram que vão votar contra o acordo.
A lista inclui conservadores que são a favor e contra o Brexit mas que publicamente se comprometeram a rejeitar o acordo por causa do mecanismo de salvaguarda (backstop) para evitar uma fronteira física entre as Irlandas (só estes serão 57), que confirmaram ter assinado a carta em que dizem não ter confiança na sua líder (48 cartas são necessárias para desencadear uma moção de censura), que se demitiram por causa do acordo ou indicaram que não o vão apoiar.
Assim sendo, May só pode para já contar com o apoio de 220 - mas há muitos que ainda não se pronunciaram e poderão juntar-se à lista dos 95. Por outro lado, alguns dos que fazem parte dessa lista, poderão ser convencidos pelos argumentos da primeira-ministra.
Apesar de não ter o apoio e todo o seu partido, a primeira-ministra poderá contar com alguns votos da oposição, nomeadamente de alguns rebeldes entre os 257 deputados trabalhistas. Há quem diga que haverá pelo menos 30 que podem votar ao lado de May: tudo porque não querem arriscar o cenário de um Brexit sem acordo e do impacto que isso teria para os seus eleitores.
Estes rebeldes (há pelo menos 15 de círculos eleitorais que votaram maioritariamente a favor do Brexit), sabem contudo que, caso votem com May, salvam o governo conservador e provavelmente serão afastados do Partido Trabalhista. Tal como os conservadores que podem ser convencidos a mudar de voto, o mesmo acontece entre os rebeldes trabalhistas.
O Labour de Jeremy Corbyn tem tido uma posição dúbia em relação ao Brexit, não querendo renegar os potenciais eleitores que votaram para sair da União Europeia. O partido também não se comprometeu na defesa de um segundo referendo, preferindo esperar para ver o que vai acontecer no Parlamento (caso perca a votação, May tem 21 dias para dizer aos deputados o que pretende fazer a seguir).
No debate, Corbyn pediu a May um "plano B", alegando que há um acordo que conseguirá o apoio do Parlamento. Um acordo baseado "numa união aduaneira abrangente, um forte acordo de mercado único que protege os direitos dos trabalhadores e tem salvaguardas ambientais".
Descontando os 30 trabalhistas que podem ser rebeldes e votar ao lado da primeira-ministra, sobram 227 deputados do Labour. Junto com os 95 conservadores que dizem que votarão contra, já faz 322, uma maioria suficiente para derrotar May.
O Partido Nacionalista Escocês (SNP, na sigla inglesa) é o terceiro maior partido em Westminster, com 35 deputados, mas May pode esquecer o apoio de qualquer um deles. Os escoceses votaram para ficar na União Europeia (63% contra 38%, no referendo de 2016) e o partido diz que não pode apoiar um acordo que não preveja a continuação da Escócia no mercado único e na união aduaneira. O SNP defende um segundo referendo e já disse que votaria em qualquer proposta nesse sentido.
Os Liberais-Democratas (12 deputados) têm feito campanha completamente contra o Brexit, pelo que devem votar contra a primeira-ministra. Os deputados do Plaid Cymru (quatro) e dos Verdes (um) devem também votar contra.
Há ainda oito deputados independentes.
May governa em minoria, tendo tido o apoio dos dez deputados unionistas norte-irlandeses do DUP na altura de formar governo. Mas nem com esses aliados a primeira-ministra pode contar agora.
O número dois do DUP, Nigel Dodds, defendeu esta semana que o acordo de Brexit é pior do que sair sem acordo. Em causa para os unionistas está o backstop (mecanismo de salvaguarda), que será ativado caso não haja acordo sobre a futura relação até ao final do prazo de transição (dezembro de 2020) para evitar o regresso de uma fronteira física entre as duas Irlandas.
No pior dos cenários no que diz respeito à perda de 95 votos conservadores e no melhor cenário na existência de 30 rebeldes, May só consegue 250 votos - muito longe dos 320 necessários. Faltam-lhe 70 votos nestas contas.
Mas estes números não abarcam as eventuais abstenções. A primeira-ministra precisa de uma maioria simples para conseguir passar o Brexit e os acordos dentro do seu partido podem passar pela abstenção.