Conselho das Finanças. Alívio prometido no IRS de 2024 tende a ajudar mais os mais ricos

IVA e outros impostos sobre o consumo vão ganhar ainda mais peso e carga das contribuições sociais vai estagnar, afinal. Benesse no IRS pode chegar a 8% em grupos de maiores rendimentos.
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A carga fiscal global do País medida em proporção do Produto Interno Bruto (PIB) vai subir, em 2024, "exclusivamente" por via dos impostos indiretos, normalmente referenciados como sendo os mais injustos, caso do IVA e dos outros impostos sobre o consumo (caso do IUC) e a medida de alívio do IRS deverá ter um impacto mais significativo (em percentagem de benesse fiscal) junto dos contribuintes com maiores rendimentos. Os mais pobres também sentirão algum alívio, mas o desconto na fatura a pagar ao fisco é muito menor.

Estas são duas conclusões que constam num estudo ontem divulgado pelo Conselho das Finanças Públicas (CFP), no âmbito da análise à proposta de Orçamento do Estado para 2024, que hoje começa a ser debatida no Parlamento, com a ida do ministro Fernando Medina à Comissão de Orçamento e Finanças.

De acordo com a nova análise da entidade presidida por Nazaré Costa Cabral, a alteração proposta pelo governo visa mexer nos limites dos escalões e reduzir as taxas de IRS propostas para 2024 de modo a devolver aos contribuintes que mais necessitam, mas em especial à "classe média", parte do "bom desempenho" das contas públicas, tem argumentado o governo a várias vozes.

E será justamente por isso que este esquema de alívio no IRS tende a beneficiar mais os escalões mais elevados, os que mais podem ser classificados como sendo se classe média. É o objetivo, aparentemente. Além do mais, para os mais pobres, o governo tem planeado um reforço de vários apoios sociais, uma forma de direcionar o esforço do lado da despesa, como pedem Comissão Europeia, BCE, OCDE, etc..

Como referido, segundo a simulação do CFP, é verdade que todos os grupos (decis) de rendimento ficam a ganhar com o alívio do IRS, mas "em termos relativos, os maiores beneficiários desta medida serão os decis compreendidos entre o quinto e o nono (sensivelmente menos 7,5% de receita estimada), atingindo-se um máximo de benefício no oitavo decil (-8% de receita estimada)".

Quanto mais alto é o "decil" maior o rendimento auferido, mas à medida que se vai subindo nesta escala de rendimento, maior será a percentagem de imposto que não vai ser cobrado face à atual situação no IRS.

A diferença acontece sobretudo por via de menos retenção na fonte (durante 2024) e depois por uma menor liquidação final do imposto (no ano 2025, quando se fecha o exercício do IRS de 2024).

"Já o último decil apresentará um benefício mais modesto (-4,5% de receita estimada)", acrescenta o CFP.

Só para se ter uma ideia, segundo os valores normalizados do Eurostat, o quinto decil corresponde a pessoas que ganham um rendimento médio monetário de 1470 euros por mês (um ano tem 12 meses). Aqui, a benesse no esquema do IRS é de 7%, mas no decil inferior (o quarto) o desconto já só é de 5,8%. E vai diminuindo.

Se, em contrapartida, formos subindo na escala, chega-se ao oitavo escalão, onde o rendimento médio líquido mensal pode rondar os 2150 euros e onde o alívio de IRS pode ascender a 8%, segundo as contas do Conselho.

No escalão seguinte (nono), o rendimento médio pode rondar os 2715 euros e mesmo assim a redução de IRS por via de menos retenção na fonte e liquidação final pode chegar a uns expressivos 7,5%, diz o CFP.

Mais carga fiscal indireta

A entidade que avalia as políticas orçamentais também repara que a carga fiscal em sentido lato (impostos mais contribuições sociais efetivas) vai subir em 2024, mas não é por causa do efeito emprego que faz crescer o valor da receita com descontos. É mesmo por causa dos impostos indiretos (sobretudo IVA e outros impostos sobre o consumo) que vão crescer mais depressa do que a economia (o que faz subir esta carga fiscal indireta).

Segundo o Conselho, "o incremento da carga fiscal de 35,3% para 35,5% do PIB [entre 2023 e 2024], é impulsionada, exclusivamente, pelo crescimento do peso da tributação indireta (+0,6 pontos percentuais ou p.p. do PIB), que mais do que compensará o decréscimo previsto para o peso dos impostos diretos (-0,4 p.p. do PIB), em resultado da redução de IRS projetada para o próximo ano".

De facto, o dinamismo do emprego já se vê pouco em 2024 (as Finanças esperam uma criação de emprego de apenas 0,4% no ano que vem, o Banco de Portugal ainda menos, cerca de 0,2%). Assim, o peso das contribuições sociais vai ficar na mesma, nos 10,4% do PIB.

A carga de impostos indiretos, essa sim, avança bem e deve chegar a 15% do PIB, puxada pela força do IVA, que vai levar uma coleta equivalente a 9,3% do PIB, segundo as contas da análise ao OE.

A Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) também divulgou ontem a apreciação preliminar à proposta de OE 2024 e conclui que "a diminuição da receita por via da adoção de novas medidas em sede de IRS é parcialmente compensada por medidas que aumentam a receita de impostos indiretos".

Compensar um terço do alívio em IRS com mais impostos

Aqui, a entidade que presta apoio ao Parlamento, coordenada por Rui Baleiras, refere que "o impacto previsto na diminuição da receita de 1.582 milhões de euros (-0,57% do PIB) resulta da adoção de novas medidas permanentes que incidem sobre o IRS e visam disponibilizar mais rendimento às famílias e aos jovens tributados por este imposto".

"No entanto, salienta-se que este impacto é parcialmente compensado com o aumento previsto na arrecadação da receita de 425 milhões de euros por via de medidas que incidem sobre os impostos indiretos", diz a UTAO.

Ou seja, um terço da nova benesse do IRS pode ser compensado por maior dinamismo e coleta na fiscalidade indireta.

"Nestas medidas, emergem os incrementos de receita provenientes do imposto sobre o tabaco (177 milhões de euros), da atualização de taxas em vários impostos (112 milhões), da atualização faseada do IUC - Imposto Único Circulação (98 milhões) e do aumento do IABA - Imposto sobre bebidas alcoólicas e adicionadas de açúcar (39 milhões de euros)", contabiliza a unidade parlamentar.

Ponto de partida em 2024 é melhor do que se pensava

O ponto de partida do ministro das Finanças, Fernando Medina, para o Orçamento do Estado de 2024 é ainda "mais favorável" do que se previa há cerca de um mês, diz também o Conselho das Finanças Públicas.

A entidade de Nazaré Costa Cabral reviu a estimativa de excedente deste ano em uma décima face a um estudo que publicou a 21 de setembro: diz agora que o governo PS é bem capaz de terminar este ano com um excedente orçamental público de 1% do Produto Interno Bruto (PIB), o valor mais alto de sempre em democracia.

O excedente do ano que vem mantém-se, mas o CFP reviu o valor em baixa de 0,8% do PIB em setembro para 0,1% agora. Esta revisão faz com que a nova projeção fique mais em linha com os 0,2% previstos por Medina na proposta orçamental de 2024.

No rácio da dívida, acontece algo semelhante. Há um mês, o CFP estimava que o peso do endividamento público baixasse de 112,4% do PIB em 2022 para 104,7% no final do corrente ano, mas afinal considera que o rácio pode ir mais longe na descida, estimando 102,6%, um valor que até fica ligeiramente abaixo dos 103% calculados pelo Ministério das Finanças.

Em 2024, o Conselho das Finanças considera que é possível comprimir ainda mais o rácio da dívida até aos 98,7% (em linha com os 98,9% de Medina). Este valor também é inferior aos 100,3% calculados no final de setembro pela entidade que avalia a política orçamental portuguesa.

O CFP considera ainda que "a previsão de saldos orçamentais excedentários em dois anos consecutivos" por parte do Governo (0,8% este ano e 0,2% no próximo) "surge como uma excentricidade na História Económica do país e suscita inéditas interrogações sobre a orientação a dar à política orçamental".

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