Confissões de um eleitor europeu
Sempre acreditei que o direito de votar é o conceito central da democracia representativa. Cresci no seio de uma família onde a política era um tema bem presente. Mal podia esperar pelas primeiras eleições em que teria o direito a participar. E, quando fui votar pela primeira vez, fiquei tão entusiasmado que votei logo duas vezes.
Estávamos no ano de 1994 e, depois de 12 anos no poder, Helmut Kohl candidatou-se de novo. Fui votar num subúrbio de Mainz onde vivia na altura com a minha mãe. Vinte minutos antes do fecho das urnas ligou o meu pai, que vivia num outro subúrbio da cidade, e perguntou-me se queria votar outra vez, em nome do meu irmão que estava fora do país. Parecia que eu era a última esperança de um homem da esquerda que nada desejava mais do que uma mudança política. Cheguei a tempo ao local, entrei, entreguei o boletim de votação do meu irmão e, sem ter de mostrar o meu cartão de identidade, votei pela segunda vez nas mesmas eleições. Não ajudou. Kohl ganhou.
A minha vontade de participar nos atos eleitorais não diminuiu e estou ansioso que chegue o próximo domingo. Será a primeira vez que no espaço de uma semana posso votar em dois países. Primeiro, nas eleições do Bundestag e, uma semana depois, como residente europeu nas autárquicas.
À primeira vista pode parecer que os dois atos eleitorais não podiam ser mais distintos. De facto, parece existir um abismo entre o ato de votar nos deputados de um parlamento que vai eleger a personalidade política mais poderosa do continente europeu e o ato de votar numa simples câmara municipal em Portugal. Mas não é bem assim, porque estas eleições vão provavelmente ter o mesmo resultado: para o meu dia-a-dia não vai mudar nada.
Uma semana antes das eleições na Alemanha, as sondagens deixam espaço para muita especulação e uma quase certeza: Angela Merkel vai ser reeleita como chanceler. Não sabemos se o seu partido conservador vai reeditar a grande coligação com os sociais-democratas ou se poderá ter um novo parceiro político no governo. Para as pessoas que vivem na Alemanha, uma nova coligação pode vir a significar mudanças nas suas vidas, mas para um alemão que vive em Portugal essas possíveis alterações não terão grande impacto, uma vez que com Merkel a Alemanha seguirá praticamente a mesma política europeia - para o bem e para o mal.
Em Portugal, o poder local parece-me tão invisível que questiono se sentiremos diferenças após as eleições, caso haja uma mudança política. Nos últimos quatro anos, na localidade onde moro, só reparei que existia uma entidade local em duas ocasiões: quando a Câmara Municipal de Sintra decidiu montar grandes placares a anunciar uma intervenção profunda nos acessos pedonais de uma rua sem sinalização que resultou na renovação dos passeios apenas num lado da rua, ficando o outro lado num estado tão deplorável como antes; e quando recebi um aviso da câmara.
Em maio de 2016, escrevi um e-mail à minha junta de freguesia a pedir ajuda na remoção de uma trepadeira que tinha subido o poste de eletricidade em frente da minha casa. A junta reencaminhou o meu e-mail à EDP, mas a EDP, no seu direito, recusou-se a tirar a trepadeira. Tentei contactar de novo a junta, mas em vão. Um ano mais tarde, veio um funcionário da câmara municipal informar que tinha recebido o reencaminhamento de um pedido de ajuda para a remoção de uma trepadeira junto da minha residência e que seria obrigado a escrever-me um auto caso eu não a retirasse. Prontamente contactei um serviço de jardinagem que me enviou um orçamento no valor de 350 euros. Não feliz, procurei ajuda noutra fonte e apareceu-me um bombeiro simpático que me garantiu o empréstimo de uma escada para que eu pudesse remover a trepadeira com a devida segurança. No entanto, já tínhamos entrado na época dos incêndios e a escada andava por todo o Portugal. Felizmente, o funcionário da câmara aquando da última visita mostrou alguma compreensão ao ver que parcialmente o poste já está limpo e ainda não escreveu o auto. Não sei se isto chega para que vote no partido que está governar em Sintra, mas agradeço à trepadeira por finalmente ter conhecido alguém que represente o poder local.