Conan Osíris ou a esperança de um novo Salvador Sobral

O intérprete de "Telemóveis" confessa que não seguia o certame e de festivais ou eurovisões só viu as duas últimas edições. Por todo o lado respira-se a sensação de quem vem aí um novo Salvador Sobral. Mas quem é o representante português na Eurovisão 2019?
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A vitória de Conan Osíris - conseguindo os 12 pontos de todos os sete júris regionais (menos no Algarve onde só somou 10 pontos) e os 12 pontos do público - só pode ter surpreendido os mais distraídos ou os que estavam em negação do fenómeno. Na Portimão Arena viveu-se na noite de sábado uma atmosfera a fazer lembrar Salvador Sobral em 2017, que conquistou a única vitória lusa no Festival da Eurovisão. Porém, a euforia nacional e internacional dá lugar a alguma cautela. Os mais entendidos em Eurovisão - que acompanham todas as edições in loco há mais de 30 anos - lembram que apesar dos favoritismos, "isto da Eurovisão é sempre uma lotaria".

Para já, Conan Osíris está ainda a viver um sonho e garantia na noite da vitória que nunca lhe ia "cair a ficha" da vitória. O seu visual e postura excêntrica, mas ao mesmo tempo profundamente genuína e simples, é reflexo da complexidade em classificar o artista. A estranheza da sua atuação faz lembrar a de Salvador Sobral a quem todos questionavam as expressões faciais e corporais de Amar por dois. E não é só por aqui que se ficam as semelhanças: Conan Osíris também não é fã ou seguidor assíduo do Festival da Canção ou da Eurovisão.

"Só vi o do Salvador e o da Cláudia Pascoal. O resto vi em vídeos antigos", admitiu na conferência de imprensa depois da vitória. Mas não mostra qualquer desdém pela competição. E também, tal como o vencedor de 2017 em Kiev, mostra-se tranquilo e com vontade de apenas apresentar a sua música em Telavive, mostrando-se até alheado dos comentários e expectativas dos fãs nacionais e internacionais. Sobre a ida a Telavive em maio apenas comentou: "Vamos ver o que é que dá."

Ontem confessava que não dormia há quase uma semana e que por agora quer apenas descansar. Conan Osíris passou, em duas semanas, de um ilustre desconhecido do grande público a favorito do país.

O homem do desenho animado e do deus egípcio

Conan Osíris é, na verdade, Tiago Miranda. Tem 29 anos, foi maioritariamente criado por mulheres, e as manhãs de sábado eram passadas a ouvir Amália, kizomba ou a dupla Leandro e Leonardo, a banda sonora para a mãe aspirar. Cresceu entre Lisboa e o Cacém e mais tarde dividia o seu gosto musical entre o hip-hop na MTV e, mais tarde, nomes como Björk.

Conan Osíris é o nome artístico inspirado na série pós-apocalítica Conan, o Rapaz do Futuro, de Hayao Miyazaki, e o deus superior dos egípcios, Osíris. Já dava que falar antes de ser convidado para ser um dos compositores da edição deste ano do Festival da Canção. Sem obrigação de ser o intérprete, Conan acabou por decidir representar ele próprio a música que escreveu e compôs.

Antes disso já dava nas vistas com a sua música difícil de classificar, entre techno, fado, algo de António Variações e outro tanto de oriental. Adoro Bolos (2017) não é o seu primeiro álbum, mas foi o primeiro a trazê-lo às luzes da ribalta, pelo menos para quem frequenta a Galeria Zé dos Bois, o Teatro Tivoli, durante o Super Bock em Stock, o Festival Vodafone Paredes de Coura, ou ouve a Radar ou a Antena 3.

Percebendo a dificuldade que as pessoas possam ter ao ouvi-lo pela primeira vez, tentou explicar-se ao DN, no ano passado. "Eu sou só eu, 'tás a ver? Uma pessoa que está a fazer as cenas que tem cá dentro ficarem construídas cá fora". Começou a fazer música no computador, que enviava aos amigos por MSN, e diz ter aprendido muito sobre a vida nos anos de trabalho numa sex shop, em Lisboa. A primeira vez que cantou numa música sua foi em Amália. Além de Adoro Bolos, Borrego ou Celulitite são outros dos seus sucessos.

O seu trabalho na música foi uma surpresa até para a família. "A minha mãe ficou chocada. Ela mal sabia que eu fazia música, quanto mais que já ia no terceiro álbum", confessou em entrevista à Vogue Portugal.

O visual é uma criação do amigo do liceu Ruben de Sá Osório. Um estilo inspirado nos heróis de banda desenhada japonesa ou no hibridismo dos androides. Na noite de sábado, as garras com que apareceu foram o novo toque ao visual que já tinha dado nas vistas "pelas colheres na cara" como muitos se referiram à máscara que usou.

Lá fora, no já citado vídeo do fundador do Wiwibloggs, William Lee Adams, o próprio admite: "É uma aposta arriscada mas acho que é um risco que Portugal deveria correr porque, às vezes, compensa. Foi o que aconteceu com o Salvador Sobral."

Dança o que a música pede

Tiago Miranda não sobe ao palco sem João Reis Moreira, o seu bailarino, que tem chamado a atenção quase tanto como o próprio cantor.

Em palco, João Reis Moreira é o jovem em tronco nu, que ao lado de Conan Osíris, se atira para o chão com toda a convicção. Os dois não se importam de dividir atenções. Conheceram-se numa festa há 15 anos e Tiago Miranda era o ícone musical de João Reis Moreira, 23 anos. Aos 16, mudou-se para Lisboa para estudar na Escola Artística António Arroios.

"Tinha 13, 14 anos, o meu leitor de mp3 só tinha um giga de memória e estava quase todo ocupado com a música dele", explicou numa entrevista à TV7 Dias. Os dois acabaram por se cruzar quando Conan lançou o último álbum. "Ele chamou-me e disse "olha, este álbum a bater. É para fazer espetáculo. Queres vir?".

O resto é história. Os dois têm deixado de boca aberta quase um país inteiro e até a Europa.

Em palco, João Reis Moreira dá tudo e pode até pensar-se que é um bailarino de formação. Porém, o próprio admite que não tem nenhuma formação de dança. "Dançar é algo que eu fiz desde sempre, e muito, por causa do Tiago. A música dele é uma cena física e, ao mesmo tempo, espiritual. Por isso é que tem essa componente de dança em todas as músicas, por isso é que eu faço parte do espetáculo", justifica.

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