Foram os filhos que, sem saber, juntaram um grupo de mães e pais que cresce todos os dias, com o objetivo de criar uma Comunidade de Aprendizagem em Leiria, no seio da Escola Pública. Por esta altura aproximam-se de 700 os membros de um grupo no Facebook, parte de um movimento que nasceu há alguns meses, de olhos postos no exemplo do Agrupamento Rainha Santa Isabel, que nem sequer fica perto da cidade, embora integre o concelho de Leiria. A mudança aconteceu no início deste ano letivo, liderada pela diretora, Adélia Lopes, que decidiu implementar um projeto-piloto em três escolas básicas, nas aldeias de Lameira, Ortigosa e Moita da Roda, inspirado no modelo da Escola da Ponte, em Santo Tirso, criado pelo professor José Pacheco, no final dos anos 70..Todos os dias, Isa Morouço percorre mais de meia centena de quilómetros para que a filha possa frequentar a Escola Básica da Moita da Roda. Mora na Maceira, mais perto da cidade, mas dispõe-se a fazer o caminho sabendo que, naquela aldeia, há uma escola onde as crianças têm "a oportunidade de aprender e crescer de outra forma"..Adélia Lopes explica como tem sido um desafio abraçar este projeto, que está pronta para replicar noutras escolas - e níveis de ensino. Encontrou no grupo de professores do [seu] agrupamento a recetividade e entusiasmo necessários, e, aos sábados, todos integram a formação, à distância, com o mentor da Ponte, José Pacheco..Entretanto, na Moita da Roda, o envolvimento com a comunidade ganhou espaço, através da Associação Pró-Futuro da Escola da Moita da Roda e dos Conqueiros. É lá também que andam os filhos de Micael Amado, um ex militar da GNR agora dedicado às áreas do desenvolvimento pessoal. "O que acontece ali é único", diz ao DN, referindo-se ao projeto pedagógico..A escola "tradicional" não lhe fazia sentido. Nem a ele nem a centenas - ou milhares - de pais. Foi essa certeza, de resto, e uma busca constante por alternativas que fizeram Andreia Ribeiro chegar ao trabalho do professor José Pacheco. A partir da Batalha (onde mora) tem mobilizado outros pais para esta mudança, que espera ver ocorrer no âmbito da Escola Pública. O grupo promoveu entretanto uma tertúlia, no final de abril, e em maio convidou José Pacheco para uma série de encontros nas escolas e autarquias da região.."A nossa batalha é por uma escola pública que integre todos. Estou convicta de que este tipo de ensino vai ajudar muito mais aqueles que estão à margem e evitar que abandonem a escola", afirma ao DN Carla Marcos, mãe de dois alunos da escola pública, com diferentes idades, e que por isso sublinha a importância de estender estes projetos ao 2.º e 3.º ciclos. O grupo está empenhado em começar essa mudança já no próximo ano letivo..É esse sentido de inclusão que a maioria destes ativistas da educação - e sobretudo da aprendizagem - no contexto da Escola Pública quer ver nascer na comunidade. "Se pensarmos bem, a maioria dos meninos que "desiste" da escola é porque não se sentiu lá bem, não sentiu pertença. Depois instala-se o desinteresse, a revolta, e é claro que não pode funcionar", acrescenta Andreia Ribeiro. "O que sentimos é que as famílias estão muito recetivas. Toda a gente se diz sozinha e depois o mais fácil é apontar o dedo. O que temos que fazer é uma aliança entre todos, tendo em conta que é preciso respeitarmo-nos uns aos outros, deixar que os professores, diretores de turma e de agrupamento despertem naturalmente para a necessidade de mudarmos uma escola que funciona como no tempo da revolução industrial, no século XIX", acrescenta esta mãe. Mas como qualquer revolução, pode demorar. "Cada um tem o seu tempo, tal como na aprendizagem. E todos temos que aprender a respeitá-lo", conclui..O tempo de Sandra Quádrio contou-se sempre em função dos dois filhos, que a fizeram mudar de casa e de cidade por causa da escola. Ou melhor, de um colégio, na Marinha Grande. Mas nem tudo correu como esperado. A filha, que tem agora 9 anos, e integra o vasto rol de crianças com dislexia, "sentiu-se muito perdida". Sandra percorreu um caminho sinuoso - que pode acontecer tanto na escola pública como na privada - e que envolveu terapia com psicólogos, explicações e outros apoios. Até que em fevereiro deste ano tomou a difícil decisão de cancelar a matrícula, optando pelo ensino doméstico. Sem saber, abria ali uma porta para outro modo de vida. Foi assim que se cruzou com a Se7en Academy, que funcionava como Centro de Explicações, apoio ao estudo e tempos livres, tornando-se co-proprietária do espaço. Em setembro, uma das valências será Homeschooling (ensino doméstico)..Desde fevereiro que a filha era acompanhada, à distância, pelos professores da americana Clonlara, uma "comunidade global de estudantes, famílias, educadores, mentores e parceiros", estrutura criada há 50 anos, nos Estados Unidos da América, e que atua também em Portugal. O que a Clonlara defende é "uma abordagem personalizada que coloca cada aluno no centro do processo de aprendizagem". De certa forma, é o que acontece em qualquer comunidade de aprendizagem. "Os alunos não têm que estar matriculados na escola americana. Podem estar na escola pública, ou noutra qualquer, e na altura da matrícula optar por ensino doméstico", explica Sandra.."Vamos ensinar de acordo com o que gostam. O que queremos é que a criança aprenda um pouco de tudo. Mas ao seu ritmo. Para que uma criança mais lenta não se sinta inferiorizada", destaca uma das responsáveis da Se7en Academy, apostada em trabalhar "a parte social e humana que não existe na escola"..Portugal aprovou há dois anos o Decreto-Lei n.º 70/2021, que estabelece o regime jurídico do ensino individual e ensino doméstico. De acordo com a portaria, é aplicável aos alunos abrangidos pela escolaridade obrigatória nas redes públicas e particulares. Segundo o artigo 4.º deste decreto-lei, poderá ocorrer de duas formas: Ensino doméstico (feito no domicílio do aluno por familiar ou pessoa que com ele habite) e Ensino individual (ministrado por um professor habilitado a um único aluno fora da escola). No processo de aprendizagem individual ou doméstica, são responsáveis pelo aluno a escola de matrícula, o professor-tutor (professor designado pela escola para acompanhamento do aluno) e o responsável educativo (familiar do aluno ou professor indicado)..Cabe ainda ao encarregado de educação apresentar na escola de matrícula o portfólio do seu educando e realizar a inscrição do aluno em provas de aferição/equivalência e exames finais, garantindo que estará presente nesses momentos. Por esta altura é essa tarefa que consome a maior parte do tempo de Adriano Félix. Licenciado em Letras e Pedagogia pela Universidade de São Paulo, e mestre em Educação, veio do Brasil em 2018 para fazer doutoramento em Democratização do Currículo (construído a partir da criança), Inovação Pedagógica e Comunidades de Aprendizagem. Vinha atrás da conhecida Escola da Ponte e, pelo caminho, descobriu a Comunidade Educativa das Cerejeiras, no concelho de Penela, onde ficou como responsável pedagógico, até janeiro último, altura em que saiu, acompanhando vários pais, para criar a E-learning Comunidade, dedicada à aprendizagem online. "Nós acreditamos que a criança pode explorar as aprendizagens e assim desenvolver a sua autonomia, com aulas em contexto". Quer dizer que, cada criança, dentro do seu contexto, pode dinamizá-lo. Além disso, há as aulas individuais..Tal como no modelo da Escola da Ponte, não há testes, ao longo do ano, tão-pouco sala de aula. O fenómeno tem-se revelado curioso: nos exames, os alunos conseguem igualmente bons resultados. Adriano Félix acredita que o trabalho feito com os alunos ao longo do ano resulta precisamente nesse desempenho. "Os alunos não têm problema nenhum em enfrentar um teste, ou um exame. Nós vamos treinando com eles até com um processo de competição, e eles ficam extremamente entusiasmos para fazer os exames", ao invés de ficarem ansiosos. "É importante fazer-lhes perceber que o teste não é um inimigo, pelo contrário"..dnot@dn.pt