A Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP), ao celebrar 25 anos de vida, está confrontada com a exigência de corresponder à necessidade de assumir uma maior relevância na cena internacional, em linha com as profundas alterações que ocorrem no mundo. Não bastam as boas intenções. É necessário considerar as dificuldades e os ventos adversos com que a organização se tem debatido. E importa ter presente que falamos de uma comunidade que reúne países com uma língua comum, mas com culturas diferentes. A língua portuguesa tem presença em todos os continentes, mas não é uma realidade uniforme, abrangendo várias línguas e tradições. Os crioulos do português são exemplos de uma extraordinária riqueza..O diálogo entre diferentes culturas constitui um fator que tem de ser visto não como elemento uniformizador, mas como um modo de compreensão mútua. Em lugar de complexos e ressentimentos, importa entender os aspetos positivos e negativos herdados da história, que devem projetar-se no futuro como responsabilidades de justiça e emancipação - em nome da dignidade humana. Não esqueço o que um dia o sultão de Ternate me disse sobre o facto de os mercadores e missionários portugueses terem ajudado o seu povo a tomar consciência da importância da abertura de horizontes no sentido da dignidade, do desenvolvimento e dos direitos humanos. Como afirmou Maria de Lourdes Pintasilgo num célebre relatório das Nações Unidas, importa "Cuidar o Futuro", o que significa saber tirar lições do passado, sem qualquer visão idílica ou irrealista, para que o desenvolvimento e a dignidade humana sejam realmente partilhados. Para Francisco Ribeiro Telles, até agora secretário executivo da organização, a CPLP é um projeto inacabado, com importantes missões futuras. Daí o significado do acordo de mobilidade concretizado em Luanda, que abre a porta a facilitar a circulação das pessoas de forma gradual e flexível, no espaço da comunidade. E há ainda a dimensão económica e empresarial, que envolve a promoção e a difusão da língua como fator de comunicação e de coesão nos países membros, a concertação político-diplomática e a cooperação para o desenvolvimento, tanto mais importante quanto as recentes crises financeira e pandémica obrigam a um reforço das parcerias para um desenvolvimento humano sustentável. Importa, porém, superar as fragilidades atuais da comunidade, o que obriga a aproximação às diversas organizações internacionais, a concretização da metodologia de trabalho com a União Europeia, a articulação com os Estados de África, Caraíbas e Pacífico, bem como as virtualidades dos novos observadores, como os Estados Unidos, a Índia, a Costa do Marfim, a Secretaria-Geral Ibero-Americana, e os membros da União Europeia, como a Espanha e a Irlanda. O caminho necessário obriga, porém, a uma estratégia realista de pequenos passos seguros..Falar dos países de língua portuguesa é cuidar cada vez mais de um projeto de cidadania e esclarecer a afirmação de Fernando Pessoa, aliás, de Bernardo Soares no Livro do Desassossego, tantas vezes mal citada: "Não tenho sentimento nenhum político ou social. Tenho, porém, num sentido, um alto sentimento patriótico. Minha pátria é a língua portuguesa. Nada me pesaria que invadissem ou tomassem Portugal, desde que não me incomodassem pessoalmente. Mas odeio, com ódio verdadeiro, com o único ódio que sinto, não quem escreve mal português, não quem não sabe sintaxe, não quem escreve em ortografia simplificada, mas a página mal escrita, como pessoa própria, a sintaxe errada, como gente em quem se bata." Que quis dizer o poeta? Que este mundo da língua obriga à responsabilidade da diferença e da exigência, em lugar de uma perigosa tentação paternalista..Administrador executivo da Fundação Calouste Gulbenkian