Companheiro de Mandela, forte crítico de Zuma
Amigo de Nelson Mandela, além de seu companheiro de prisão, Ahmed Kathrada morreu ontem em Joanesburgo aos 87 anos. O seu desaparecimento significa que a geração de heróis que lutaram contra o apartheid na África do Sul está cada vez mais reduzida.
Ao conhecer a notícia da morte, o presidente sul-africano anunciou luto nacional e as bandeiras foram colocadas a meia haste. Jacob Zuma deverá estar presente hoje nas cerimónias fúnebres de Kathrada, mas não deverá discursar. Isto porque, segundo o site da eNCA, a presença do chefe do Estado não é bem vista pela família do histórico do Congresso Nacional Africano (ANC) - partido hoje presidido por Zuma.
Há quase um ano, Kathrada dirigiu uma carta aberta a Zuma, na qual pedia que se demitisse da presidência sul-africana. Na missiva, o herói da luta contra o apartheid notava que a demissão de Zuma, envolvido em casos de corrupção, permitiria ao governo do país recuperar "da crise de confiança" em que se encontra mergulhado. "Tendo em conta a onda de críticas, de condenações e exigências, é demasiado expressar a esperança de que opte por tomar a decisão certa e considere pedir a demissão?", interrogava-se Kathrada na carta, amplamente citada pelos media sul-africanos e internacionais. Desde março de 2015, Zuma, que está no poder desde maio de 2009, já foi alvo de três moções de censura, às quais sobreviveu graças à maioria de deputados do ANC. Apesar disso, o descontentamento no partido tornou-se difícil de disfarçar.
Em comunicado, o ANC lamentou "a perda de um titã" cuja vida "constitui uma lição de humildade, tolerância, resiliência e compromisso para com os princípios". O documento nota ainda: "Apesar das suas divergências com a liderança do ANC, de tempos a tempos, o tio Kathy [como era conhecido] nunca virou as costas ao ANC."
O ex-arcebispo anglicano Desmond Tutu classificou Ahmed Kathrada como "um homem de uma bondade e uma modéstia assinaláveis". Cyril Ramaphosa, vice-presidente sul-africano, disse que será recordado como "um combatente da liberdade, cuja sabedoria, tolerância, humildade e humor lhe valeram o amor e respeito do povo".
Kathrada, de origem indiana, muçulmano de religião, foi um dos oito militantes do ANC que em 1964 foram condenados no âmbito do julgamento de Rivonia. Passou 26 anos e três meses na prisão, 18 deles na Robben Island. Quase o mesmo tempo que Mandela, que esteve preso durante 27 anos, 18 dos quais também na Robben Island. Já em liberdade foi conselheiro de Mandela no primeiro governo do ANC, entre 1994 e 1999. Com o seu desaparecimento restam apenas dois sobreviventes de Rivonia: Andrew Mllangeni e Denis Goldberg. Mandela morreu em 2013, Walter Sisulu em 2003, Govan Mbeki em 2001, Raymond Mhlaba em 2005 e Elias Motsoaledi em 1994.
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