Como o comércio globalizado está a levar à extinção das espécies
Sabe-se há muito que a degradação dos ecossistemas causada pela agricultura intensiva, o abate imparável das florestas e a pressão da população humana, em crescimento exponencial, são em conjunto uma ameaça à biodiversidade: há hoje inúmeras espécies à beira da extinção, e muitas outras já se extinguiram devido à sobre-exploração dos recursos e à degradação dos ecossistemas. Agora um estudo de um grupo internacional, no qual a portuguesa Alexandra Marques é a investigadora principal, deu um passo mais, e descobriu que a todos os fatores já conhecidos é preciso juntar também o comércio globalizado. Ele tem a sua quota-parte de responsabilidade nos impactos negativos nos ecossistemas - e ela não é pequena.
Utilizando as aves como indicador para a perda da biodiversidade, a equipa conseguiu quantificar essas perdas para a década 2000-2011, combinando modelos biológicos e económicos, e chegou à conclusão de que, durante os primeiros 11 anos do terceiro milénio, as atividades humanas colocaram 121 espécies de aves à beira da extinção. Um aumento de 7% em apenas 11 anos.
Os resultados do estudo, que a equipa publica na edição desta semana da Nature Ecology & Evolution , do grupo Nature, dizem também que durante aquele mesmo período o abate florestal foi responsável pela diminuição global em 6% de sequestro de carbono por parte dos ecossistemas florestais. E ainda que a produção de óleo de palma e de biocombustíveis são as atividades cujo peso mais cresceu naquele período, concorrendo para todas aquelas perdas.
"Uma das novidades fundamentais deste trabalho é a quantificação dos impactos na biodiversidade e nos serviços ecossistémicos durante um período 2000-2011", afirma ao DN Alexandra Marques, que está atualmente no Joint Resercrh Center (JRC) da Comissão Europeia - era investigadora da Universidade de Leiden, na Holanda, quando fez, enquanto investigadora principal, o estudo agora publicado.
Mas aquela não é a única novidade do trabalho. Outra "é a análise simultânea de perdas na biodiversidade e perdas no potencial de sequestro de carbono", o que permitiu, por seu lado, "identificar o crescimento na produção de plantas oleaginosas como o fator principal para o crescimento dos impactos na biodiversidade" e também avaliar "o crescimento do papel do comércio internacional como um fator determinante" neste mesmo cenário, sublinha a investigadora.
Em números é assim: entre 2000 e 2011, o consumo noutras regiões do planeta foi responsável por 33% dos impactos negativos na biodiversidade na América Central e do Sul, e 26% dos impactos negativos no continente africano, o que põe pela primeira vez preto no branco como o comércio globalizado está a afetar os ecossistemas nas regiões mais desprotegidas.
De resto, esse era um dos objetivos da investigação: quantificar os impactos ambientais do comércio global, usando como referência as aves, "o grupo de espécies melhor caracterizado em termos de resposta às alterações do uso do solo", e por isso mesmo "o único" com o qual os investigadores "podiam trabalhar à escala global", como explica a investigadora.
"Apaixonada pela natureza", como se define, Alexandra Marques fez biologia vegetal aplicada na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, doutorou-se depois em sistemas sustentáveis de energia no Instituto Superior Técnico, no âmbito do programa MIT Portugal, e enveredou pelo estudo de questões mais relacionadas com a sustentabilidade.
Foi durante o doutoramento, que começou a utilizar modelos económicos para avaliar o impacto ambiental do comércio internacional, e acabou depois por integrar a equipa de um outro português, o biólogo Henrique Pereira (também autor do artigo agora publicado), do iDiv (Centro de Investigação em Biodiversidade Integrada), em Leipzig. "Foi aí aí que este trabalho se iniciou", adianta Alexandra Marques. Os outros autores portugueses são Inês Martins e Joana Canelas, também do iDiv.
"Alarmada" com a "degradação ambiental" que não para de crescer por todo o planeta, Alexandra Marques preocupa-se com a indiferença geral face aos problemas ambientais. "Penso que por vezes nos desconectamos do facto de que sem ecossistemas funcionais e saudáveis o nosso bem-estar está em causa", diz. Por isso, o que pretende com o seu trabalho é, justamente, contrariar a inércia, produzindo "a evidência dos impactos ambientais associados aos padrões de consumo atuais", e também "propor potenciais soluções para nos tornarmos mais sustentáveis do ponto de vista ambiental", sublinha.
No artigo que publicam na Nature Ecology & Evolution, os autores propõem, aliás, que os seus dados sobre os danos ambientais causados pelo comércio globalizado sejam tidos em conta pelos governos, ponto de partida para a mudança do modelo de desenvolvimento económico, diminuindo assim os impactos ambientais negativos. A começar pela próxima COP (conferência das partes) da Convenção das Biodiversidade, "cuja estratégia devia ter em conta" esta questão, com vista a uma maior equidade, como escrevem os investigadores.
Os consumidores são outro pilar essencial da mudança para um modelo mais sustentável, dada a possibilidade que têm de de escolher produtos com menor impacto ambiental. "Todos temos a capacidade de contribuir para o desenvolvimento sustentável", lembra Alexandra Marques.