O que têm em comum Cristiano Ronaldo, Figo, Futre, Nani, Rui Patrício, Moutinho, Quaresma, Adrien, João Mário e William? Foram todos formados nas escolas do Sporting, clube que se orgulha de ter dado ao mundo dois Bolas de Ouro, vários internacionais portugueses de grande qualidade e que, segundo um estudo do Observatório do Futebol, de outubro, tem 58 atletas a atuar nas primeiras divisões dos países filiados na UEFA, o que o coloca em sexto lugar desse ranking liderado pelo Ajax (77)..Em oposição, o eterno rival Benfica viu nascer Rui Costa no início da década de 1990 e atravessou uma longa travessia no deserto sem qualquer retorno importante das escolas - só Manuel Fernandes escapou à mediania. Contudo, desde a inauguração do centro de treinos do Seixal (2006), os encarnados mudaram o paradigma e nos últimos anos já há jogadores made in Benfica em grandes equipas europeias, casos de Bernardo Silva, João Cancelo, Lindelöf, Ederson, Renato Sanches, Gonçalo Guedes ou André Gomes..Nesta época acentuou-se o orgulho benfiquista por ter no onze-base Rúben Dias, João Félix e agora Ferro, todos formados no Seixal. O maior marco da mudança de paradigma foi a vitória (2-1) na Turquia com Galatasaray, a 14 de fevereiro, após a qual o jornal espanhol Marca batizou de Baby Benfica essa equipa com seis jogadores da casa no onze: Rúben Dias, Ferro, Yuri Ribeiro, Florentino Luís, Gedson e João Félix (ontem chamado à seleção A)..Em clara oposição, o Sporting apresentou na semana passada frente ao Boavista um onze sem um único futebolista da casa e só com um português: Bruno Fernandes. A debandada dos jogadores formados pelos leões no final da última época, devido ao ataque a Alcochete, explica em larga medida este cenário - partiram Rui Patrício, William, Gelson, Podence e Rafael Leão. Os jogadores da casa estão agora representados em Jovane Cabral, Miguel Luís e nos regressados Francisco Geraldes e Tiago Ilori..Uma questão de investimento.Tendo em conta estes dados, é legítimo perguntar se as escolas de formação do Benfica estão a ocupar o lugar dominante que era do Sporting. João Tralhão, que até há pouco tempo fazia parte do lote de técnicos da formação dos encarnados, baseia-se em "indicadores que provam" essa supremacia. "O que afere a qualidade da formação é a quantidade de jogadores que coloca na equipa principal, mas não posso dizer que Sporting, FC Porto ou mesmo V. Guimarães e Sp. Braga não têm uma formação de excelência", atirou o técnico, que há cinco meses deixou os sub-23 do Benfica para ser adjunto no Mónaco..Carlos Dinis, antigo técnico das camadas jovens do Sporting e das seleções, relaciona a atual supremacia benfiquista com "um desinvestimento claro a todos os níveis" dos leões, em sentido inverso ao que tem sido feito pelo rival. "O Sporting descurou as infraestruturas e os recursos humanos ao nível dos formadores e dos próprios jogadores, enquanto o Benfica melhorou nessas áreas, aproveitando até algumas pessoas que passaram por Alcochete, como Pedro Mil-Homens [diretor do Caixa Futebol Campus] e Pedro Marques, que depois de trabalhar no Sporting passou pelo Manchester City e agora é o diretor técnico da formação do Benfica", explica, acrescentando que "além das mais de doze pessoas" com experiência e conhecimento adquirido em Alcochete, os encarnados tornaram-se "mais agressivos no recrutamento de jogadores", o que faz que tenham "ganho posições ao Sporting, cuja marca na formação ainda é forte, apesar da diminuição do investimento"..Tralhão admite que quem entrou no Benfica "acrescentou valor" e que isso "foi muito importante", mas prefere destacar o "trabalho em profundidade que tem sido realizado", e explica porquê: "Se virem as equipas de trabalho nas diversas equipas técnicas, elas mantêm-se intactas há muitos anos, e isso é um pilar importante para haver consistência." O técnico faz ainda questão de realçar "a visão do presidente Luís Filipe Vieira" e a "capacidade de trabalho de todo o staff técnico, prospeção de talentos e diretores"..A degradação de Alcochete.Se o presidente do Benfica é quem tem dinamizado o projeto de formação, o responsável pela estagnação leonina tem, segundo Carlos Dinis, um nome: "Foi com a entrada de Bruno de Carvalho que se deu esse desinvestimento." "No Sporting não se fez a conservação das instalações, o que aliado àquela invasão a Alcochete afasta os miúdos do clube porque os pais pensam duas vezes antes de porem lá os seus filhos", começou por explicar, dando exemplos da degradação da Academia: "Os sub-18 treinam sempre em meio campo, o que é inacreditável e não faz sentido. Havia também equipas a treinar num relvado sintético cheio de buracos. Tudo isso aconteceu quando proibiram a entrada das equipas de formação em dois campos do futebol profissional, o que fez que os jovens tivessem ainda menos campos.".O antigo técnico leonino deixa a certeza de que "vai demorar muito tempo a recuperar" aquilo que o Sporting perdeu. "O recrutamento de talentos e a construção de novas infraestruturas são coisas que não se fazem de um momento para o outro", assumiu. Ainda assim, admite que "os escalões mais baixos, que estão no polo universitário, funcionam bem e não se nota tanto as diferenças porque são escalões pagos pelos jogadores e não é preciso tanto investimento. O problema é quando é preciso investir nos contratos de formação. Aí verifica-se mais agressividade de outros clubes, sobretudo desde os iniciados"..É por isso que Carlos Dinis assume a diferença entre o trabalho realizado pelos dois rivais: "O Benfica tem crescido no que é visível, como campos e instalações, mas também no que não é visível." E, em sua opinião, isto é ainda mais grave quando o Sporting "foi dos primeiros a ter uma academia para a formação" e, neste momento, "além dos três grandes, há outros clubes de menor dimensão a apostar".."O Sporting estagnou, embora tenha ainda pessoas de grande qualidade, mas os outros deram muitos passos à frente", frisou, lembrando que as seleções jovens são uma clara amostra do declínio dos leões. "Na seleção nacional de sub-21, por exemplo, não há jogadores do Sporting, e isso quer dizer muito", frisou. Aliás, tendo em conta as convocatórias das seleções (entre os sub-15 e os sub-20) nas últimas cinco épocas, verificamos que o Benfica leva vantagem, pois 140 jogadores formados no Seixal foram chamados aos vários escalões, contra os 114 atletas do Sporting..Colégio põe Seixal "noutra dimensão".O Benfica tem feito crescer o seu Caixa Futebol Campus, no Seixal, de forma constante, algo que João Tralhão considera ser um claro sinal de "crescimento contínuo". "Ao fazer aumentar o número de campos, o polo hoteleiro e, em breve, construir o colégio, o Benfica coloca a academia noutra dimensão. A criação do colégio é um sinal de que é possível melhorar ainda mais e de que é possível reinventar-se e continuar a crescer", sublinhou, apontando estes projetos como complemento importante para o talento..É que, relembra, "todos os clubes conseguem identificar o nível de excelência" dos jogadores, mas o importante é "ter uma estrutura, como o Benfica tem, que consegue identificar com precisão quem pode ou não chegar à equipa principal". "É um trabalho feito por muita gente. Nuns casos os indicadores surgem mais cedo, noutros surgem mais tarde, já quando estão a atingir os seniores", explica, dizendo que o papel do clube "é dar as condições para maximizar todo o talento"..João Tralhão admite que o "talento é nuclear" quando se está perante um projeto de futebolista, mas é preciso "um grande trabalho por detrás para que os jogadores atinjam a equipa principal e, depois, estejam à altura das exigências", razão pela qual uma das estratégias do Benfica tenha sido "dar competição em torneios com grandes equipas no estrangeiro, além da participação na UEFA Youth League e nas seleções", o que, "aliado a um nível de exigência e disciplina diário", foi "um fator decisivo" para fazer "uma triagem rigorosa e apertada" com o objetivo de avaliar quem pode atingir o topo da pirâmide..A mais-valia das equipas B.Carlos Dinis admite que o agravamento das condições da formação do Sporting "está a ter reflexos na equipa principal". "No ano passado ainda lá estava o Rafael Leão e outros, mas saíram após a invasão a Alcochete. Contudo, há outro erro estratégico que irá dificultar o acesso à equipa principal e que tem que ver com a extinção da equipa B", sublinha, explicando as implicações dessa medida.."O nível competitivo que os jogadores do Sporting têm não é o mesmo, pois os jogadores crescem na dificuldade e a equipa B assumia uma grande importância porque jogava com equipas mais experientes. É certo que criaram a equipa de sub-23, mas participa numa competição em que defrontam jogadores da mesma idade", sublinha Carlos Dinis, que dá o exemplo do rival: "O Benfica manteve a equipa B e tem outra, a jogar no campeonato de sub-23, que é composta por jogadores juniores. Ou seja, esses atletas competem num patamar acima, o que lhes cria mais dificuldades, e é assim que crescem. Podem perder mas, paciência, estão a evoluir.".Dinis define que "o segredo da formação" é criar novos desafios aos talentos: "Quem é bom nos sub-17 tem de jogar no escalão acima para evoluir. O João Félix, por exemplo, jogou na equipa B e na Youth League quando ainda era sub-17 e, por isso, foi crescendo." "O FC Porto teve de escolher entre ter equipa B ou sub-23. Optou por manter os bês e fez bem, pois na II Liga os jogadores evoluem mais.".Fiel à máxima de que "nenhum projeto de formação terá sucesso se os jogadores não chegarem à equipa principal", João Tralhão destaca precisamente o facto de o Benfica ter "três plantéis - juniores, sub-23 e equipa B - que permitem aos jogadores competir regularmente" em três espaços "importantes para todos os atletas poderem competir e crescer". "É quase impossível apresentar bons resultados associados, mas mais importante do que isso é competir a bom nível porque isso vai ajudar quem tiver talento e vai permitir aos outros jogar mais para evoluírem.".Diferença traduzida em números.A diferença nos plantéis principais de Benfica e Sporting é bem evidente quanto à presença e à utilização de jogadores da casa. Os leões contam só com Jovane Cabral (26 jogos), Miguel Luís (11), Tiago Ilori (6), Francisco Geraldes (2), tendo Marcel Keizer já recorrido a três jogadores dos sub-23, casos de Thierry Correia (2 jogos), Pedro Marques (1) e Bruno Paz (1). Já Bruno Lage, treinador dos encarnados, tem como opções Rúben Dias (43 partidas), Gedson (37), João Félix (31), Ferro (8), Florentino (6), Yuri Ribeiro (6) e Jota (3)..As últimas três épocas dão também um indicador da diferença entre os rivais, pois nesse período o Benfica lançou 15 jogadores na equipa A, dos quais nove fizeram mais de dez jogos: Rúben Dias (72 jogos), Bruno Varela (35), Gedson (37), João Félix (29), Alfa Semedo (16), André Horta (16), Diogo Gonçalves (13) e João Carvalho (10). O Sporting lançou dez atletas no mesmo período, com quatro a terem mais de dez jogos: Jovane (26), Palhinha (18), Iuri Medeiros (11) e Miguel Luís (11).