Michel Temer, o homem que vai colocar a faixa presidencial sobre Jair Bolsonaro no dia 1 de janeiro, prometia ao tomar posse em maio de 2016 reduzir o governo dos 31 ministros do fim da era Dilma Rousseff para 20 sob a sua administração, em nome dos rigores de gestão. Duas semanas depois, anunciava um executivo com 25 pastas, entretanto aumentado a meio do mandato para 29, ocupadas em dois anos por 55 ministros diferentes. Hoje, Bolsonaro fala em 15 ministros. Cumprirá mesmo a promessa de reduzir o tamanho do governo?.O desafio é fundamental para se perceber qual a disposição política do novo presidente. Ao prometer "mudar tudo isso aí", o seu bordão preferido, Bolsonaro refere-se, entre outros temas, ao clientelismo que, em última análise, gerou mensalão, petrolão e outros escândalos. Para governar, o presidente precisa da maioria do Congresso. Para aceitar votar com o governo, os congressistas precisam de ser seduzidos, menos por projetos e mais por contrapartidas. Essas contrapartidas costumam ganhar a forma de ministérios - daí a gordura dos governos de Temer, de Dilma, e, antes deles, de Lula da Silva ou de Fernando Henrique Cardoso. Numa frase, os presidentes anteriores preferiram tolerar o clientelismo para poder governar a erradicá-lo e ficar paralisados.."A governabilidade depende da coligação que ele compuser, sendo certo que ele precisa de dois terços dos deputados para realizar mudanças constitucionais, logo terá de negociar se quiser reformar", disse o sociólogo Jacques Mick ao Diário Catarinense. Ao Folha de Londrina, o cientista político Clodomiro Bannwart aconselhou "esperar pelas atitudes dos partidos que se declararam neutros na segunda volta e aguardavam os resultados para negociar com o vencedor"..Na economia, setor que Bolsonaro entregou ao economista Paulo Guedes, a reforma da previdência, que Temer não conseguiu aprovar por desgaste no Congresso, é o primeiro desafio do novo governo. "Esse é o primeiro item, a seguir vem o controlo dos gastos públicos, as despesas de juros, porque não é razoável o Brasil gastar cem mil milhões de dólares por ano de juros da dívida, que é a reconstrução de uma Europa todo o ano, e o terceiro é uma reforma do Estado, são os gastos com a máquina pública, nós vamos ter de reduzir privilégios e desperdícios.".Ora, apesar das bancadas da Bala, da Bíblia e do Boi estarem com Bolsonaro, a que defende os interesses do funcionalismo público - chamemos-lhe dos Burocratas - é ainda mais poderosa do que aquelas..No plano social, o principal desafio é reunificar e pacificar um país marcado pelo ódio e pela intolerância durante a campanha (desde o impeachment, na verdade) que se traduziu em taxas de rejeição maiores do que as taxas de aprovação para todos os candidatos. Qual será o Bolsonaro do Planalto? O que, no discurso de domingo, afirmou querer "um Brasil de diversas opiniões, cores ou orientações"? Ou o que uma semana antes prometeu "varrer do mapa os bandidos vermelhos e fazer uma limpeza nunca antes vista na história do país"?.Hoje, o Movimento dos Trabalhadores sem Teto, grupo de ativistas liderado por Guilherme Boulos, candidato à presidência pelo PSOL, que somou 0,58% dos votos na primeira volta, realiza uma manifestação "pela resistência" e "pela democracia" em São Paulo. É, logicamente, à prefeitura de São Paulo, ao governo cessante do Estado e ao executivo de Temer que compete conter eventuais excessos na manifestação - mas a reação de Bolsonaro e dos bolsonaristas dará a medida do que vai ser a tolerância do futuro governo ao contraditório..Quem vai chefiar a oposição?.E quem será o chefe desse contraditório? A oposição a Bolsonaro é grande - 45% dos eleitores - mas, até ver, desorganizada. Fernando Haddad, o destino desses votos, sai reforçado da corrida eleitoral e já fala em liderar a oposição: "Temos uma tarefa enorme no país que é, em nome da democracia, defender o pensamento e as liberdades destes 47 milhões de brasileiros, temos uma responsabilidade de fazer uma oposição colocando os interesses nacionais acima de tudo.".Mas o PT, que não perdia uma eleição presidencial desde 1998, não é um partido - são vários. "Nesta fase de luto, uma parte vai se renovar e a outra agarrar-se ao passado", diz o cientista político Carlos Melo no jornal O Estado de S. Paulo. Haddad representa a primeira; a direção nacional, sob a presidência de Gleisi Hoffmann, encarna a segunda. E Lula, a lenda viva do partido, está entre os dois polos mas confinado a uma cela em Curitiba.."O PT centralizou a campanha nos êxitos dos governos de Lula mas obteve um desempenho mais significativo quando trouxe novos elementos, seja do apoio de lideranças de outros partidos seja de um começo de um discurso de autocrítica", acrescenta Rafael Cortez, outro cientista político..Haddad, além de ser olhado com desconfiança pela direção do PT, tem contra si a ausência de palanque - isto é, não tem cargo público, no Congresso, num governo de Estado ou numa prefeitura, arriscando voltar à pacatez e até ao anonimato da vida académica e transferir o protagonismo para outro nome..Fora do PT, Ciro Gomes, que ao não apoiar inequivocamente Haddad, quis marcar território à esquerda para 2022, sofre do mesmo problema: não tem cargo, nem sequer na estrutura do seu partido, o PDT. Pode, como Marina Silva, do Rede, passar a ser chamado nos bastidores, como dizia um humorista de político tipo seleção brasileira: só aparece de quatro em quatro anos, a cada Mundial, e para perder..Outro campo é o do PSDB, outrora o monopolizador do centro-direita. O partido de Fernando Henrique Cardoso, José Serra, Aécio Neves e Geraldo Alckmin, entre outros barões, foi dizimado pelo "tsunami Bolsonaro". Agora, com bancadas enfraquecidas no Congresso, necessita reinventar-se e criar novas lideranças, como, por exemplo, Eduardo Leite, eleito aos 33 anos governador do importante estado do Rio Grande do Sul e com o tempo a correr a seu favor..Até 2022, muito pode acontecer. Mas o desafio da oposição a Bolsonaro é formar trincheiras já a partir de hoje.