Como a Alemanha conteve o coronavírus
A Alemanha é frequentemente citada como um exemplo positivo de como gerir a pandemia da covid-19. Fomos bem-sucedidos na prevenção da sobrecarga do nosso sistema de saúde. A curva de infeções está claramente a achatar. E a proporção de casos graves e fatalidades é menor na Alemanha do que em muitos outros países. Mas isto torna-nos humildes, em vez de superconfiantes.
Vejo três razões pelas quais a Alemanha está a passar por esta crise relativamente bem, por enquanto. Primeiro, o sistema de saúde alemão estava em boa forma ao entrarmos na crise; toda a gente teve total acesso total a cuidados médicos. Este é um mérito não apenas do governo atual, mas de um sistema que foi construído ao longo de muitos governos. Com uma excelente rede de clínicos gerais disponível para lidar com casos mais leves da covid-19, os hospitais têm conseguido concentrar-se nos mais graves.
Segundo, a Alemanha não foi o primeiro país a ser atingido pelo vírus e, portanto, teve tempo para se preparar. Embora sempre tenhamos mantido um número relativamente grande de camas hospitalares, principalmente em unidades de cuidados intensivos, também levámos a sério a ameaça da covid-19 desde o início. Assim, a capacidade das UCI do país teve um aumento de 12 000 camas, chegando às 40 000 muito rapidamente.
Terceiro, a Alemanha tem muitos laboratórios que podem testar o vírus e muitos investigadores reconhecidos nessa área, o que ajuda a explicar por que o primeiro teste rápido da covid-19 foi desenvolvido aqui. Com uma população de cerca de 83 milhões de pessoas, somos capazes de realizar até um milhão de testes de diagnóstico por dia e, em breve, teremos capacidade para realizar cerca de cinco milhões de testes de anticorpos por mês. Testes extensivos são como apontar uma lanterna para a escuridão: sem ela, apenas conseguimos ver tons de cinzento, mas com ela conseguimos ver detalhes de forma clara e imediata. E quando se trata de um surto de doença, não se consegue controlar o que não se vê.
É verdade que, como ministro federal da Saúde da Alemanha, reconheço que estamos a ver apenas instantes momentâneos. Ninguém pode prever com confiança como a pandemia se irá desenvolver em algumas semanas ou meses. Não impusemos recolhimento obrigatório nacional, mas pedimos aos cidadãos que ficassem em casa voluntariamente. Como muitos outros países, temos vivido sob severas restrições na vida pública e privada desde há dois meses. Pelo que sabemos, essa resposta foi necessária e eficaz.
No entanto, as consequências do confinamento não podem ser ignoradas, e é por isso que estamos a tentar gradualmente voltar ao normal. O desafio é que reduzir as medidas de proteção é um problema potencialmente tão complicado quanto introduzi-las em primeiro lugar. Embora estejamos a operar sob condições de profunda incerteza, podemos ter certeza do perigo que representa uma segunda onda epidémica. Assim, permanecemos vigilantes.
Só o tempo dirá se tomámos as decisões corretas, por isso sou cuidadoso ao tirar lições da crise neste momento, mas há algumas coisas que já me parecem claras.
Primeiro, é fundamental que os governos informem o público não apenas sobre o que sabem, mas também sobre o que não sabem. Essa é a única maneira de construir a confiança necessária para combater um vírus letal numa sociedade democrática. Nenhuma democracia pode forçar os seus cidadãos a mudar o seu comportamento, pelo menos não sem incorrer em custos elevados. Na busca de uma resposta coordenada e coletiva, a transparência e as informações precisas são muito mais eficazes do que a coerção.
Na Alemanha, conseguimos retardar a propagação do vírus porque a grande maioria dos cidadãos deseja cooperar, devido a um sentido de responsabilidade em relação a si e aos outros. Mas, para manter esse sucesso, o governo deve complementar as informações oportunas sobre o vírus com um debate público aberto e um roteiro para a recuperação.
Segundo, além de informar o público, os governos devem mostrar que confiam que os cidadãos entendem a situação e o que ela exige. Por estarem bem informados, os cidadãos alemães sabem que um retorno à normalidade não é possível sem uma vacina. Ao pensar nas nossas novas rotinas diárias, a nossa fórmula é procurar ter a maior normalidade possível, com toda a proteção necessária.
Desde que as nossas decisões sobre onde e como afrouxamos restrições estejam de acordo com critérios claros e sensatos, temos confiança em que os cidadãos alemães as apoiarão. As nossas decisões devem ser orientadas por evidências e enfatizar a redução do risco de infeção. Sabemos que o distanciamento social é a proteção mais eficaz. Quando as pessoas permanecem afastadas pelo menos um metro e meio, o risco de infeção reduz-se substancialmente; e se pudermos garantir a conformidade com as regras básicas de higiene, o risco cai ainda mais. Os restantes riscos residuais podem ser geridos de várias maneiras, dependendo da situação.
Terceiro, a pandemia mostrou por que um mundo interconectado precisa de uma gestão de crises a nível global. Infelizmente, a cooperação multilateral tornou-se mais difícil nos últimos anos, mesmo entre aliados próximos. Agora, que vemos o quanto precisamos uns dos outros, a crise atual deve ser um alerta. Nenhum país pode gerir uma pandemia sozinho. Precisamos de coordenação internacional e, se as instituições que existem para esse fim não estiverem a funcionar suficientemente bem, devemos trabalhar juntos para as melhorar.
Quarto, nós, europeus, devemos reconsiderar a forma como abordamos a globalização, reconhecendo que é essencial produzir bens essenciais necessários, como equipamentos médicos, dentro da União Europeia. Precisamos de diversificar as nossas cadeias de fornecimento para evitar sermos totalmente dependentes de qualquer país ou região. Mas repensar a globalização não significa reduzir a cooperação internacional. Pelo contrário, os esforços conjuntos entre os Estados-membros da UE já estão a impulsionar o progresso em direção a uma vacina. Uma vez descoberta, será prudente garantir que a vacina seja produzida na Europa, mesmo que seja disponibilizada em todo o mundo.
Como a maioria das crises, esta oferece oportunidades. Em muitas áreas, trouxe ao de cima o melhor que há em nós: um novo sentido de comunidade, uma maior disposição para ajudar os outros e uma flexibilidade e uma criatividade renovada. Não há dúvida de que as consequências a médio prazo da pandemia serão duras. Mas, apesar de todas as dificuldades e incertezas que temos pela frente, continuo otimista. Na Alemanha e em outros lugares, estamos a testemunhar aquilo de que as nossas democracias liberais e os nossos cidadãos são capazes.
Jens Spahn é o ministro federal da Saúde da Alemanha