Comic Con: os sonhos realizados de miúdos e graúdos
"Soy Hulka!", é assim em castelhano que Cloe Fernandes, 13 anos, nos apresenta a personagem que escolheu vestir para visitar o Comic Con 2019 - que decorre até domingo no Passeio Marítimo de Algés. Pintada de verde dos pés à cabeça e com uma peruca a condizer, veio com a mãe desde Vigo para Lisboa. Apesar de ser a primeira vez na capital portuguesa, Cloe é experiente nestas andanças dos encontros Comic Con. Visitou o evento quando este se realizava no Porto e é presença regular na edição de Madrid.
Ao seu lado, a mãe, Patrícia Ribas, de 48 anos, não disfarça o orgulho e diz-se feliz por apoiar a filha. "Desde muito nova que começou a vestir-se de personagens da banda desenhada, especialmente do universo da Marvel, gosta muito de o fazer." É notória a experiência no discurso de Cloe, que quer estudar biologia quando crescer. Escolheu Hulka, ou Mulher-Hulk, porque gosta muito da personagem. E para além de querer ver tudo relacionado com os seus super-heróis preferidos no Comic Con, segue de perto as sessões de autógrafos e palestras que as atrizes da série A Casa de Papel, as também espanholas Itziar Ituño e Esther Acebo, deram nos primeiros dias da Comic Con.
As duas protagonistas de uma das séries com mais sucesso na plataforma Netflix foram as estrelas dos dois primeiros dias do evento e encheram o auditório principal por duas vezes. Ao DN disseram que o sucesso da série em que participam pode mudar a força da ficção espanhola e da língua castelhana no mundo, num mercado dominado pelo inglês.
Esther Acebo, que protagoniza Estocolmo na série, diz que "A Casa de Papel abriu uma janela, ou uma porta ao mundo, no que diz respeito à ficção em Espanha. "Agora muita gente está a ver um produto de televisão em espanhol, dando-se conta de que existimos, que podemos fazer ficção de qualidade e isso é bonito, levar isso a todas as partes do mundo." Itziar Ituño concorda. "As plataformas de streaming estão a abrir portas não só para o castelhano mas também para o alemão, para o francês, e estão a ver-se séries rodadas na Europa no mundo inteiro.
Quem não liga à série espanhola que tanto sucesso faz pelo mundo é Fernando Almeida, de 11 anos, que se estreia nas andanças do Comic Con. Nunca viu A Casa de Papel, diz que ainda não tem idade, mas está entusiasmado para ver de perto a atriz adolescente Millie Bobby Brown, de Stranger Things, no domingo.
Acompanhado de dois amigos da mesma idade, não cabe em si de contente por tudo o que tem visto nos dois primeiros dias do evento. Estava a contar vir apenas um dia, mas uns amigos ofereceram-lhe um passe para todos os dias e não quer faltar a nenhum, conta a sorrir.
Entre o espaço de jogos eletrónicos, os gelados e os refrigerantes gratuitos, Fernando quer ver e ouvir alguns dos youtubers que segue. No entusiasmo de quem quer sorver tudo o que a Comic Con lhe dá, conta que já tirou uma foto com uma atriz que admira muito mas da qual não se recorda o nome.
Questionado sobre os visitantes caracterizados que se passeiam pelo recinto (Cosplay), em personagens de banda desenhada, manga e séries de TV, diz que é "muito fixe". Mas rapidamente acrescenta: "gosto de ver os cosplayers mas às vezes até fico com medo deles", diz mais nervoso. Já a correr para junto dos amigos impacientes, vira-se para trás e solta sempre a sorrir: "Filomena Cautela, é como se chama a atriz."
No meio do recinto, junto ao espaço dos auditórios da Comic Con, um dos stands com mais filas, promove a série The Walking Dead. Lá dentro vários visitantes esperam pela sua cara criada numa miniatura 3D de chocolate pronta a ser empalada num palito. Tudo a lembrar a última cena da série norte-americana, dizem.
Lá dentro, pacientemente à espera pelas suas cabeças em chocolate, o casal de amigos Sara Henrique e Tiago Costa, de 16 e 17 anos, estão pelo segundo ano consecutivo na Comic Con. E, tal como no ano passado, decidiram vestir de igual. Este ano de negro e com orelhas felpudas de gato na cabeça, apenas porque "acham piada" vir diferentes para o evento, dizem.
Enquanto olham curiosos para as réplicas de chocolate das suas cabeças sussurram timidamente que querem saber tudo o que conseguirem sobre as novas temporadas das séries e filmes a estrear. A grande razão de estarem na Comic Con.
Um pouco mais ao lado, também vestidos de negro, um casal mais velho chama a atenção num recinto cheio de miúdos. Mário Henrique Paulo, de 48 anos, aponta para a mulher falar primeiro. "Temos um filho com 19 anos que está muito por dentro da banda desenhada. E no ano passado trouxe-nos com ele", conta Maria da Luz Paulo, de 54 anos, pedicure de profissão. O marido acrescenta: "Na edição do ano passado trouxe uma T-shirt que dizia, em inglês, "fui arrastado para aqui pela minha mulher", mas este ano vim por gosto."
A T-shirt deste ano é diferente, alusiva ao Batman. Ambos confidenciam ser o herói que mais gostam.
Maria acrescenta: "Antes de vir o ano passado nem sabia o que era a Comic Con, mas de alguma forma fez renascer em mim uma certa paixão por este mundo dos super-heróis e do cosplay."
A sorte esteve do lado do casal, ganharam um bilhete duplo num passatempo da rádio e aproveitaram a oportunidade para vir conhecer esta edição, mesmo sem o filho. "Foi o destino", sublinha Maria.
Sentadas numa banca na área de cosplay, onde à volta muitos vestem fatos das personagens de jogos de computador, banda desenhada ou manga, Catarina Gaita, de 20 anos, e Salomé Leitão, de 19 anos, mostram orgulhosas os seus fatos e várias fotografias. Estão vestidas de personagens do jogo eletrónico League of Legions e o detalhe impressiona. Das lentes roxas de Catarina às garras coladas ao fato nos pés de fato de Salomé.
Mas cosplay não é apenas vestir um fato e meter umas perucas, corrigem. É encarnar a personagem, fazer os gestos, os trejeitos, assumir a atitude.
Ambas conheceram-se nestas andanças desde que começaram a fazer cosplay, há cinco e seis anos respetivamente. E Catarina quer ser profissional. "É o meu sonho fazer disto vida", sublinhando: "Mas não é fácil, os fatos custam muito dinheiro ou temos de ser nós a fazê-los."
"E ainda não há muito reconhecimento em Portugal embora cada vez mais exista gente a fazer cosplay", diz Salomé.
Mas não é só pelo investimento na figuração que torna o cosplay difícil, ambas deixam escapar que entre os seus amigos mais próximos a aceitação não é de caras.
"Muitos não percebem e acham infantil, e isto não é infantil!", remata Salomé. Catarina ignora as críticas. "Cosplay não é carnaval, não é só vestir a personagem", diz num tom sério, quase zangado.
Ao pedido de pose para a foto, ambas deixam de ser Catarina e Salomé por momentos e vestem a pele e a alma das suas personagens.
Mudam as expressões e as personagens passam a mandar no corpo de Catarina e Salomé. É quase assustador para quem vê e não está habituado ao fenómeno. A Comic Con é o sítio de eleição para tal.
E entre brindes, ações de marca, miúdos a correr de um lado para o outro, sem dar importância ao calor, graúdos a realizar sonhos de miúdo, autores de banda desenhada, youtubers, atores e atrizes, a organização prevê ultrapassar os 110 mil visitantes do ano passado. A festa da cultura pop acaba no domingo e promete regressar no próximo ano.
Neste sábado, uma das grandes atrações é a palestra do ator Avi Nash que protagoniza o médico muçulmano na série The Walkind Dead. A sua personagem tem ganho cada vez mais protagonismo e perante a audiência lisboeta vai falar do seu trabalho.
Ainda no sábado a atriz Tricia Helfer (Battlestar Gallactica, Lucifer e Van Helsing) dará a segunda palestra junto dos fãs, tal como os atores Alexander Ludwig da série Vikings e Benedict Wong, dos filmes Dr. Estranho e Vingadores, e o inglês e ainda Kevin McNally que contracenou nos vários filmes de Os Piratas das Caraíbas.
Vários autores de banda desenhada marcam presença, como Kassa Morgan e Nuno Plati. E, ao final da tarde, começam as finais do torneio do Fortnite, um dos jogos eletrónicos de maior sucesso da atualidade.
Domingo é considerado por muitos o dia grande da Comic Con, é o dia da atriz britânica Millie Bobby Brown, estrela da série da Netflix Stranger Things.
Para o início da tarde está prevista sessões de autógrafos e fotografias, ambas pagas, e ainda uma palestra com possibilidade de perguntas feitas pelos fãs. A fechar o dia, o ator Sérgio Praia toma conta do palco dedicado à música com a banda sonora do filme Variações. No final da tarde, o ator português Joaquim de Almeida marca presença numa conversa sobre a sua carreira, e mesmo a finalizar o festival, há comédia e stand up.