Combater discriminação. PSP quer recrutar minorias étnicas
"A perceção que temos é que o recrutamento na polícia ainda não é suficientemente representativo da diversidade étnica da sociedade. Uma polícia etnicamente diversificada é mais tolerante."
As palavras são de um alto dirigente da PSP, o superintendente chefe Pedro Clemente, que comanda a Inspeção Nacional desta força de segurança.
Citaçãocitacao"O objetivo é conseguirmos ter um universo alargado em número e representatividade dos vários estratos sociais e étnicos no efetivo da PSP"
"O objetivo é conseguirmos ter um universo alargado em número e representatividade dos vários estratos sociais e étnicos no efetivo da PSP", e isso, salienta, "vem em linha com aquela que é a área de intervenção da polícia, os grandes centros urbanos".
Com este "recrutamento diversificado, quem vem para a PSP pode conhecer melhor as suas zonas de ação, não estão desenraizados, têm até uma rede de apoio familiar e sabem melhor como comunicar com a população das áreas para onde vão trabalhar", completa.
Este responsável, doutorado em Ciência Política pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, reconhece que "não é fácil, neste momento, atrair e motivar esses jovens para ingressarem na PSP, porque a imagem que têm da polícia, em muitos casos, é só a de uma força repressiva".
Para Pedro Clemente, "mudar essa perceção será o grande desafio, que terá de começar, provavelmente, por uma aproximação da PSP às associações e organizações representativas dessas comunidades, em primeiro lugar, para fazer um diagnóstico que nos indique as causas profundas para a PSP não ser uma instituição atrativa para recrutar estes jovens, e isso já começámos a fazer".
Este oficial superior dá como exemplo "o contacto mais regular que passou a haver com organizações como o SOS Racismo", que tem "mandado algumas denúncias e que são todas alvos de inquérito; ou a Comissão para a Igualdade contra a Discriminação Racial, para a qual remetemos todas as queixas que nos chegam e informamos do desenvolvimento dos inquéritos".
Citaçãocitacao"a sociedade está mais atenta, há menos candidatos aos concursos de recrutamento na PSP e há uma maior diversificação da sociedade - conjugar estes três fatores é fundamental"
O superintendente-chefe destaca que "a sociedade está mais atenta, há menos candidatos aos concursos de recrutamento na PSP e há uma maior diversificação da sociedade - conjugar estes três fatores é fundamental".
E completa: "Se a PSP se apresenta como uma polícia de proximidade, tem de ter uma enorme capacidade de diálogo com as várias comunidades, não pode haver barreiras. É muito importante estimular as pessoas oriundas de minorias étnicas para que encontrem motivações para ingressar na PSP. Se uma parte da população não se revê na sua polícia, temos problemas, no mínimo, comunicacionais."
Mamadou Ba, dirigente do SOS Racismo, que presentemente está a ser protegido por elementos do Corpo de Segurança Pessoal da PSP por causa de ameaças de que foi alvo, juntamente com deputadas do BE e ativistas antifascistas, reconhece " algum esforço" por parte da polícia.
"Nos últimos meses há uma diferença de tratamento, de facto. Ao contrário do que aconteceu há uns meses, quando pedi proteção porque tinha sido alvo de uma emboscada, desta vez a atitude foi outra e não tenho qualquer razão de queixa", sublinha.
No entanto, no seu entender, ainda há um longo caminho a percorrer. "Sinto, francamente, que não tem havido uma grande mudança, de uma forma geral. Há uma perceção diferente da sociedade e a própria polícia percebeu que as coisas não podiam continuar como estão, mas isso resulta também de maior pressão social e escrutínio."
DestaquedestaqueMamadou Ba defende que "para haver uma mudança de paradigma tem de haver sanções"
Mamadou Ba defende que "para haver uma mudança de paradigma tem de haver sanções". "Enquanto não houver mão dura, intransigente com qualquer manifestação discriminatória, é muito difícil acreditar que as coisas estão a mudar. Estamos a falar de uma cultura entranhada há muitos anos. É preciso alterar toda a filosofia", diz.
Está de acordo com Pedro Clemente, em relação ao recrutamento: "É fundamental a PSP olhar para a sociedade diversificada."
"Existem alguns agentes racializados, sim, mas que responsabilidade têm nesta mediação social? Um agente não graduado não faz muita diferença. Era importante que houvesse também oficiais racializados para que, quando estivessem ao comando de uma operação numa zona urbana sensível, tenham na sua liderança maior sensibilidade com as comunidades", acrescenta o ativista antirracismo
Lembra que "há boas experiências noutros países que Portugal pode acompanhar" e sugerindo que se façam também "protocolos com as faculdades para recrutar jovens racializados com habilitações superiores".
O inspetor nacional tem consciência da "dificuldade que é mudar o paradigma", principalmente "porque a PSP é uma instituição envelhecida" e "as mudanças são sempre mais fáceis entre as gerações mais novas".
Refuta, porém, que nada esteja a mudar. Esta ambição insere-se, segundo Pedro Clemente, num dos objetivos da Estratégia da PSP 2020-2022: "Combater todas as formas de extremismo, radicalismo e discriminação."
Esse combate, afiança, "está a fazer-se em várias frentes: além desta preocupação com a diversidade social e étnica no recrutamento, faz-se também na formação dos polícias, na qual têm sido aprofundadas as temáticas do racismo e dos direitos humanos, e através de um grande escrutínio interno, em que todas as denúncias são investigadas - não temos vergonha de errar, mas recusamos não aprender com os erros".
A PSP não assume o número de polícias de minorias étnicas que tem no seu efetivo. "Não há esse registo, pois seria ilegal", garante o inspetor nacional, que é responsável pela investigação de denúncias feitas contra os polícias.
DestaquedestaqueDesde 2016 foram instaurados 21 processos de natureza disciplinar contra agentes por suspeitas de discriminação. Desses, 13 já foram arquivados e os restantes estão em instrução ou aguardam decisão judicial.
Revela que, desde 2016 foram instaurados 21 processos de natureza disciplinar contra agentes por suspeitas de discriminação. Desses, 13 já foram arquivados e os restantes estão em instrução ou aguardam decisão judicial.
Só neste ano, até esta semana, tinham sido instaurados sete processos - dois de inquérito (um já foi arquivado) e cinco disciplinares (dois arquivados).
Destaquedestaque"Não há ainda sanções", confirma, "mas há processos a decorrer, dentro dos prazos legais de contraditórios da acusação e defesa"
"Não há ainda sanções", confirma, "mas há processos a decorrer, dentro dos prazos legais de contraditórios da acusação e defesa".
Admite que "a prova é muito difícil nestes casos das redes sociais", que constituem o grosso das denúncias mais recentes. A não ser em situações em que os polícias autores se identificam nas publicações, "a maior parte são perfis falsos, e a PSP não consegue identificar a origem".
No primeiro caso, está um processo instaurado contra Jorge Rufino, o presidente da Organização Sindical dos Polícias, noticiado pelo DN em julho de 2019.
O sindicalista publicou na sua página de Facebook uma fotografia do Presidente da República junto a uma comunidade cigana, com um comentário sobre os benefícios deste grupo face à restante população.
A direção da PSP mandou instaurar, de imediato, um processo de averiguações que resultou numa participação ao Ministério Público, cujo inquérito ainda está a decorrer.
DestaquedestaqueConstituem "deveres especiais" de um polícia "atuar sem discriminação em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual".
De acordo com o artigo 13.º do Estatuto da PSP, constituem "deveres especiais" de um polícia "atuar sem discriminação em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual".
Contactado na altura pelo DN, Jorge Rufino refutou que tenha tido intenções "de carácter xenófobo ou racista" com a sua publicação. "Gosto de partilhar palhaçadas e essa deve ser uma piada", sublinhou.
Outro processo disciplinar que está a decorrer na Inspeção Nacional, que veio a público, tem como alvo o agente do Corpo de Intervenção Manuel Morais, que se destacou pelo seu ativismo antirracista na PSP.
Morais, que foi expulso do maior sindicato desta força de segurança por ter alertado para o racismo nas polícias, publicou nas redes sociais comentários críticos contra André Ventura e seus apoiantes, na sequência da manifestação de polícias de 21 de novembro de 2019, na qual o líder do Chega e os seguidores do Movimento Zero dominaram os protestos.