A 8 de maio de 1945, o povo de Lisboa acorreu espontaneamente às ruas para celebrar o fim da Guerra na Europa. Quase seis anos de angústia, de escassez de bens essenciais e até mesmo de medo de uma invasão estrangeira cediam lugar à esperança. Para alguns, apenas em dias mais sossegados e abundantes, para outros também numa mudança de regime, acreditando estes que as democracias vitoriosas não tolerariam a continuidade das ditaduras ibéricas. Por isso, nessa tarde primaveril, apesar dos três dias de luto nacional pela morte de Hitler que Salazar impusera ao país, o júbilo levou milhares de pessoas à Baixa de Lisboa, empunhando as bandeiras de Estados Unidos, Grã-Bretanha e França. Entre estas, viam-se alguns mastros vazios e até algumas bandeiras do Benfica. Não era uma confusão nem tão pouco uma piada: apenas a forma encontrada para evocar a outra potência vencedora, quando o regime português proibia qualquer exibição pública da bandeira da União Soviética, com a foice e o martelo sobre fundo vermelho. No entanto, entre os eufóricos manifestantes dessa tarde, como entre a generalidade da população mundial, ninguém arriscaria um prognóstico sobre o modo como o mundo (e o país) evoluiria após a guerra mais devastadora da história..Para o historiador António Costa Pinto, a ideia de que a sobrevivência do regime português se ficou a dever à habilidade diplomática e aos compromissos de Salazar, quer durante a Guerra quer no período que se lhe seguiu, não passa de um mito. "O que prevaleceu, neste caso, foram os interesses geoestratégicos dos países vencedores, que estavam muito interessados na posição dos Açores para a defesa do Atlântico Norte. Num contexto global desta dimensão, não podemos exagerar a capacidade de decisão estratégica de um pequeno país, como o nosso." Com outra geografia, sublinha, a situação teria sido muito diferente. "Durante a Guerra, muitos pequenos Estados da Europa Central teriam preferido manter a mesma neutralidade que Portugal e essa escolha pura e simplesmente não lhes foi dada. Do mesmo modo, a conferência de líderes em Ialta (realizada entre 4 e 11 fevereiro na Crimeia, reuniu o presidente dos Estados Unidos, Franklin Roosevelt, Estaline e Churchill) estabeleceu as zonas de influência de oeste e leste. Só assim se explica que a Checoslováquia (onde o comunismo não era até aí relevante) ficasse na esfera soviética enquanto a Grécia, onde, pelo contrário, o Partido Comunista era muito forte, passasse para a influência britânica após a expulsão dos invasores talo-alemães." Do mesmo modo, considera que "sem a Guerra Fria e a divisão do mundo em dois blocos antagónicos" é bem possível que o "salazarismo não tivesse sobrevivido ao final da Guerra"..Membro fundador da NATO.Em 1946, o regime conhecera um sério revés internacional, ao ver vetado pela URSS, membro do Conselho de Segurança, o seu pedido de adesão à ONU. Na argumentação do veto, o embaixador soviético naquela organização internacional considerou que, apesar da posição neutral durante a Guerra, Portugal mantivera sempre amizade e colaboração com os regimes fascistas derrotados, nomeadamente com Alemanha e Itália (Portugal só viria a tornar-se membro da ONU em 1955). Pouco depois, o convite para a integração na NATO enquanto Estado fundador, tornar-se-ia, pois, da maior relevância. Para tal, refere António Costa Pinto, "foi fundamental a intermediação britânica, como aliás já acontecera nos últimos anos da Guerra. Por um lado, Salazar confiava nos britânicos, no papel de velhos aliados, mas teve sempre uma desconfiança estrutural em relação aos americanos e, de certo modo, à sua modernidade (que se agudizaria já nos anos 1960 com a administração Kennedy). Por outro, estes também não tinham grande paciência para as hesitações dele, como se tornara evidente no processo de negociação com os Aliados sobre a utilização militar dos Açores, ainda durante a Guerra. Também nessa ocasião coube aos britânicos deitar água na fervura e impedir atitudes mais drásticas"..A 4 de abril de 1949, menos de quatro anos após o final da Guerra, era formalmente assinado em Washington o Tratado do Atlântico Norte, que formou a NATO, integrando Portugal, Estados Unidos, Canadá, Reino Unido, Bélgica, Holanda, Dinamarca, França, Islândia, Itália, Luxemburgo e Noruega. A ideia fundamental que lhe estava subjacente era o reforço da segurança militar dos países do bloco ocidental, fundamental para a sua recuperação económica, face ao bloco de influência soviética que, em 1955, ripostaria com o Pacto de Varsóvia. Para o historiador António José Telo, a integração na NATO mudaria totalmente a política militar do nosso país: "Muda, de forma gradual e insensível, toda a grande estratégia nacional. Antes da NATO, a política de defesa estava essencialmente virada para a colaboração com a Espanha franquista, de modo a assegurar a linha dos Pirenéus contra um eventual ataque russo e, sobretudo, o apoio mútuo das ditaduras ibéricas. Na política de defesa vigente em 1949 a arma fundamental era o exército, pensado como uma força gigantesca de 15 divisões em caso de mobilização. A aeronáutica era encarada sobretudo como uma força de apoio tático, a que se juntava a missão de defender o espaço aéreo do continente. A marinha era o parente pobre. Com a entrada na NATO, esse paradigma mudará.".Aos norte-americanos movia-os, na relação com Portugal, "a necessidade de obter facilidades, de forma permanente, nos Açores, em tempo de paz." E o governo português, o que procurava? Para António Costa Pinto, mais do que a procura do reconhecimento internacional do regime, "era já a obsessão de Salazar com a manutenção das colónias, embora estas, localizando-se no hemisfério sul, estivessem fora da alçada da aliança. Numa conjuntura política favorável às descolonizações, integrar a NATO significava, para Portugal, ter acesso a um grande escudo, até pelo acesso a armas mais modernas e eficazes, como efetivamente veio a acontecer". Também para António José Telo, essas vantagens revelar-se-iam a médio e a longo prazo: "Trouxe para o país as principais técnicas, métodos e formas organizativas das sociedades pós-industriais, num processo essencialmente financiado por elas, que começa pelas Forças Armadas para se alargar em seguida a todas as esferas da sociedade. Por outro lado, permitiu a modernização das Forças Armadas nacionais e da estrutura da defesa, que passou a ser semelhante à das democracias ocidentais, embora com fortes traços de originalidade.".O acesso ao Plano Marshall.Durante muitos anos, a autora deste texto viveu num bairro lisboeta onde uma placa comemorativa assinalava a construção do mesmo com o apoio financeiro do Plano Marshall. Inicialmente destinado a alojar os funcionários da Câmara Municipal de Lisboa, em sistema de habitação económica, é um dos vestígios ainda hoje existentes no nosso país do apoio dos Estados Unidos à reconstrução europeia após a devastação imposta pela Guerra. Mesmo sem ter sofrido o nível de destruição conhecido pelos beligerantes (provocada tantas vezes por bombardeamentos massivos de cidades inteiras), Portugal acabou por beneficiar de uma verba considerável ("embora modesta a nível europeu", como salienta António Costa Pinto), essencialmente para melhorar as suas infraestruturas mas também para responder às quebras da balança comercial. Como escreve a historiadora Maria Fernanda Rollo na obra Portugal e o Plano Marshall: Da rejeição à solicitação da ajuda financeira norte-americana (1947-1952), a primeira proposta para que o nosso país seja contemplado pelo fundo vem de França e Inglaterra, mas o governo português declina. "Esta posição mudará radicalmente nos meses seguintes", escreve, "quando no princípio de 1948 se assistiu, pela primeira vez em muito tempo, a uma deterioração acentuada da situação financeira e cambial portuguesa." A esperança da autorregeneração da economia portuguesa desvanece-se. Nos finais de junho desse ano, João Pinto da Costa Leite, ministro das Finanças entre 1940 e 1950 (a título de curiosidade, tio materno de Francisco Sá Carneiro), redige um memorando em que formula uma proposta do governo português para obter a cooperação financeira dos norte-americanos..Depois de longas negociações, a Portugal foram, por fim, concedidos 31,5 milhões de dólares a título de auxílio direto e 27,5 milhões indiretos. Estas verbas só seriam disponibilizadas em fevereiro de 1950, quase dois anos depois dos primeiros auxílios aos outros países da Europa Ocidental. Tal como acontecera com a constituição da NATO, para a qual não foi considerada, a Espanha de Franco jamais beneficiou deste tipo de ajuda. Não estava convidada para a mesa dos vencedores de 1945.