"Com a NUPES mostrámos que é possível unir a esquerda em bases mais radicais"

Eurodeputada da França Insubmissa, Manon Aubry esteve em Lisboa para uma conferência. Ao DN, garante que a esquerda radical é a única alternativa à extrema-direita e acusa o presidente Emmanuel Macron de ter fragmentado o país como nunca se viu.
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O sentimento é de preocupação perante o futuro da Europa e da democracia e só a esquerda é uma alternativa real aos populismos e à ameaça da extrema-direita. Ou pelo menos assim considera Manon Aubry, eurodeputada eleita pela França Insubmissa (desde 2019) e uma das presidentes do The Left (o grupo parlamentar da esquerda mais radical no Parlamento Europeu).

Em conversa com o DN, em Lisboa, onde esteve para participar num colóquio organizado pelo Bloco de Esquerda, a eurodeputada refere que, "há vários anos que a direita e a extrema-direita andam de mãos dadas na Europa, a votarem, por exemplo, para financiar muros para impedir a passagem de migrantes". "Aquilo que vemos é que a extrema-direita usa a direita tradicional e, às vezes, o Renew [grupo do Parlamento Europeu onde estão os partidos liberais]", acusa. Por isso, diz, "a esquerda pode ter um papel importante por várias razões". Quais? "Primeiro, porque ganhámos uma série de batalhas culturais. A austeridade chegou ao fim; o mercado energético e o aumento de preços foi questionado; e há um conjunto de princípios fundamentais do neoliberalismo que foram questionados, desafiados e que mostrámos estarem errados".

Eleita pela França Insubmissa, de Jean-Luc Mélenchon, Manon Aubry olha ainda para as eleições europeias do próximo ano com alguma apreensão. "O Parlamento Europeu será, provavelmente, mais fragmentado do que nunca. A esquerda devia unir-se com isso em mente, e construir uma alternativa viável", considera.

No contexto nacional, a França Insubmissa assinou, antes das últimas eleições (junho de 2022), um acordo com outros partidos de esquerda (incluindo o PS francês): a Nova União Popular Ecológica e Social (NUPES). O objetivo era travar uma maioria do presidente Emmanuel Macron na Assembleia Nacional . Foi conseguido e a NUPES elegeu 131 deputados na Assembleia Nacional (num total de 577), ficando em segundo lugar.

Tendo em conta os resultados a nível interno, será esta uma alternativa a seguir no panorama europeu? "Acho que há muito a retirar dessa experiência. O Partido Socialista governou França até 2017, e em apenas cinco anos caiu para menos de 2%, porque tem vindo a desiludir as pessoas. E a razão pela qual Jean-Luc Mélenchon obteve um resultado tão elevado é pela aposta em fazer uma campanha com clareza. Além disso, houve a aposta em quebrar com as política neoliberais e foi aí que esta união aconteceu. Há espaço para fazer o mesmo no Parlamento Europeu".

No fundo, diz Manon Aubry, aquilo que a NUPES fez foi "unir a esquerda em bases mais radicais". "Mostrámos que é possível unir a esquerda em bases mais radicais. Disseram-nos que França poderia ter um caminho semelhante ao de Itália, com o colapso da esquerda. Em Itália temos agora a extrema-direita [os Irmãos de Itália, da primeira-ministra Giorgia Meloni] a governar e penso que vimos o impacto do declínio e do colapso da esquerda e mostrámos outro caminho em França , com a esquerda a ser reinventada", refere a eurodeputada.

Nas últimas semanas, França tem enfrentado várias ações de protesto contra a decisão de alterar a idade da reforma (passando dos atuais 62 para os 64 anos). E, sabe-se agora, a 6 de junho, os sindicatos voltarão a ir para as ruas.

Para Manon Aubry, os protestos são prova de que França está mais unida do que nunca. "São o maior movimento social da história francesa desde o Maio de 1968. É o maior movimento a que já assisti, algumas manifestações tiveram mais de três milhões de pessoas. 80% da população continua a apoiar o movimento e a opor-se à reforma das pensões. Portanto, Macron já perdeu. Resta saber se vamos ganhar", diz a eurodeputada, acrescentando: "Penso que a vitória em França também é muito importante para o resto da Europa, porque podemos mostrar um caminho que não nos obriga a aceitar que a idade da reforma seja adiada de dois em dois anos."

Além disso, do seu ponto de vista, Macron é, ainda, responsável por "fragmentar o país como nunca antes esteve". E esta é, também, parte da razão pela qual a esquerda tem um papel a desempenhar. "Somos os únicos que ainda estão intimamente ligados à classe popular, ou seja, à classe de baixos rendimentos, que muitas vezes o centro-esquerda tem vindo a abandonar progressivamente. Em França, essa classe divide-se entre nós e a extrema-direita, a quem somos a única alternativa", conclui.

rui.godinho@dn.pt

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