A escritora inglesa Margaret Drabble já visitou Portugal há muitos anos mas de pouco se recorda a não ser de Seteais e de ter ido ao Cemitério Inglês ver o túmulo do romancista Henry Fielding. Regressou para promover o seu único romance em língua portuguesa - se a do Brasil não contar -, Sobe A Maré Negra. Um título que deixa o leitor sem saber ao que vai, uma narrativa sobre a velhice e nem sempre agradável de ler, e que faz parte de um poema de D.H. Lawrence..O romance era para se chamar Morte Pelo Fogo (Death By Fire), mas quando chegou ao fim não existia fogo algum no livro e teve de o alterar. Drabble conta esta particularidade divertida, uma expressão facial que vai alternando com momentos sérios ao longo da entrevista. Afinal, o tema do romance é tudo menos fácil..Quando se lhe pergunta sobre qual será a reação dos leitores portugueses a esta história muitas vezes deprimente, na qual incluiu vários momentos de grande comédia para aliviar o peso do que acontece a uma grande parte da atual população europeia, Drabble não está preocupada: "Espero que tenham interesse, porque é sobre um tema pouco habitual." Explica que decidiu avançar nesta temática após ter ouvido a sugestão da cunhada: "Porque não escreves um livro sobre a velhice? Vivemos num mundo de muita gente idosa e esse é um grande assunto.".Acredita-se na resposta, mesmo que se vá perceber mais à frente [no final da conversa] que a razão poderá estar mais numa tragédia pessoal do que na sugestão que lhe foi feita..No que ainda respeita à reação dos leitores, a autora acrescenta: "O grande problema deste romance foi encontrar um tom que não fosse deprimente, daí que o tenha escrito de forma divertida, com muita ironia, alguma comédia e até incluindo uns poucos personagens jovens [por volta dos 40 anos]." Repetindo a ironia do próprio livro, diz: "É possível que se gostarem deste romance os mais novos procurem os meus livros anteriores para ler, mas este não será recomendável a leitores de 20 anos. .".Margaret Drabble concorda que sentiu alguma dificuldade em ultrapassar o tom depressivo do romance em alguns momentos, quando considerava que estava a ir longe de mais: "Interrompia e obrigava-me a ir para um tom cómico, o que não era difícil pois apenas imitava a minha própria vida", ou seja, deixava de escrever e ia passear ou viajar: "O que foi bom porque encontrava cenários que desconhecia e que acabei por utilizar mais à frente"..A autora, além de romancista, escreveu outros géneros literários, entre os quais o da biografia, mas garante que não gosta muito: "Perde-se a liberdade de explorar as narrativas e de inventar. A biografia está presa à vida do biografado, além de que dá muito trabalho.".Este é um romance contra a imortalidade?.Podemos dizer que é um romance sobre viver em circunstâncias que não são agradáveis e ao mesmo tempo reconhecer quais são as condições no fim natural da vida. Será sempre assim, não vale pena congelarmos-nos e regressar daqui a 200 anos. A morte é inevitável.".Porque decidiu escrever sobre os últimos tempos da vida?.Foi importante para mim e como escrevo para os meus leitores da minha idade isto interessa-lhes. Quase sempre coloquei os meus romances no tempo em que estou a viver, tanto assim que os meus personagens foram envelhecendo. Quando eu tinha 20 eles também eram dessa idade, quando tinham 50 aconteceu o mesmo. Escrevo sobre o mundo que me rodeia e também aqueles sobre o qual os meus amigos conversam..Não é autobiográfico?.Nem por isso, claro que há bocados de mim em muitas das personagens. Como a protagonista, Fran, e o gosto por viajar, ou em Josephine no gosto pela poesia. Mas não é sobre a minha vida, no máximo sobre o meu envelhecimento..Escreveu que a longevidade não é uma coisa boa. Mantém?.Não é bom viver muito tempo e o meu objetivo era fazer perguntas sobre esta situação na vida das pessoas mesmo que não tenha dado as respostas. Queria discutir o facto de as pessoas viverem hoje mais tempo mas sem condições de saúde e com pouca qualidade de vida porque é preciso pensar em como as conseguir. Não tenho uma resposta no romance, apenas sugestões que fui percebendo existirem para valorizar essa parte final da vida..Até que ponto se preocupou com os leitores enquanto escrevia?.Nunca penso nos leitores, apenas no tema. Tive sorte de na minha carreira ter sempre um grupo de leitores da minha idade interessados nos meus livros e sentir muita lealdade por parte deles - sabia que existiam muitos leitores interessados neste livro. Afinal, não é com esta idade que iria começar a escrever histórias de amor com personagens de 20 anos, até porque os mais novos vivem num mundo muito diferente do meu e porque nem me leem. Nem sequer leem livros..Refere-se sobre este livro a existência de ecos de Samuel Beckett e de Simone de Beauvoir. Não é apenas marketing?.Não, é verdade. É que Simone de Beauvoir escreveu um livro intitulado La Vieillesse e outro sobre a morte da mãe, livros que me afetaram muito e estavam no meu pensamento. Beckett, era um novo autor quando eu era jovem e assisti às suas primeiras produções sem gostar assim tanto, no entanto conforme fui envelhecendo passei a apreciar muito o seu trabalho..Beauvoir já não é muito popular!.Considero que ainda tem interesse pois mudou o mundo, mas vai-se esquecendo o seu papel e o enorme impacto que teve com o livro O Segundo Sexo. O La Vieillesse nunca foi muito popular porque os leitores não apreciam o tema, aliás evitam. Simone não evitava nada e fez questão de o enfrentar e o que disse ainda é muito importante..Porque é ignorada nestes tempos do movimento #metoo?.Não lhe ligam é verdade, mas o que disse foi importante apesar de esquecido. O #metoo é muito Hollywood e pouco inteletual, é mais sobre o lugar da mulher no mercado de trabalho no cinema em confronto com o poder masculino, o que nada dizia à época de Beauvoir..Este movimento é importante?.Eu sou tão velha que não compreendo porque ficaram caladas, porque quem estava no ramo sabia bem como eram as coisas e poderia ter dito não. Eu sempre disse não e as mulheres da minha idade também - as da geração de Germaine Greer - e sempre fizemos o que queríamos e sem aceitar pressões..Entre os problemas que a sua protagonista coloca estão ainda as alterações climáticas e os refugiados. Qual a razão?.Porque a filha de Fran está obcecada com as alterações climáticas e enquanto escrevia o livro houve inundações enormes que me mostraram como toda a paisagem era mudada perante um desastre em potencial. Os personagens não viverão o suficiente para ver os efeitos do que está a acontecer, mas devemos questionar-nos sobre o que vai mudar no mundo nos próximos 50 anos. Quanto aos refugiados, é mais uma questão política da democracia ocidental. Não sabemos o que fazer com eles! Já depois de terminar o livro tive de acrescentar algumas frases porque houve atualizações nesse assunto. São ambas situações precursoras de uma grande catástrofe dos nossos tempos e também uma história de vidas no fim..O maior problema da Inglaterra atual é o Brexit. É um bom assunto para um livro?.Excelente tema e Jonathan Coe já escreveu sobre isso, bem como o jornalista Finton O'Toole. Eu estou muito velha para me dedicar a isso, vejo as notícias sobre a atualidade e sinto uma ansiedade cada vez maior. O mundo está a perder toda a graça..Theresa May é uma boa personagem?.Ela é uma não-protagonista por enquanto e vai depender de como tudo acabar. Alguém poderá dizer que teve um grande papel ou que foi de Jeremy Corbyn, mas de momento ninguém sabe o que irá acontecer. Espero que o Brexit não vá em frente porque é estúpido e mau para o país. Gostava de um dia destes acordar e perceber que foi só um pesadelo e que continuaremos a ser parte da União Europeia..Houve um tempo em que se insurgiu contra Bush e a invasão do Iraque....... Quando penso em Bush até já o acho uma pessoa razoável quando comparada com Trump. Cada dia que passa a situação americana fica pior..Se fosse mais nova escolheria o tema da proximidade da morte?.Se fosse mais nova escrevia sobre o Brexit e viajaria pela Inglaterra de forma incógnita para ouvir o que as pessoas falam. Nunca como jornalista, porque sempre que as pessoas sabem que estão a ser ouvidas ou vistas mudam a atitude..A maioria dos personagens deste livro são mulheres. Porquê esta opção?.É-me mais fácil escrever sobre mulheres, sei como são no íntimo. Só escrevi um romance sobre o ponto de vista masculino e foi muito difícil. As vidas das mulheres são tão importantes como as dos homens..Qual será o próximo romance?.Eu costumo escrever um romance a cada dois anos mas isso acabou. Cada vez tenho menos desejo de me sentar a escrever - em nova cada minuto era importante para o fazer - e creio que não escreverei mais nenhum livro. Acabou..Este é o seu último livro?.Acho que sim....... Porquê?.Com a morte da minha filha no ano passado a ficção acabou para mim. Por agora, pelo menos, pois nunca se pode dizer não. Neste momento não consigo voltar à ficção, nem consegui acabar o livro que estava a escrever. Foi algo que me provocou uma grande quebra, tanto que o deixei a meio..Sobe A Maré Negra.Margaret Drabble.Editora Quetzal, 359 páginas