Coliseu do Porto entre a concessão a privados e o dinheiro do Estado
O Conselho Municipal de Cultura do Porto vai reunir sexta-feira para decidir qual é a melhor opção para o futuro do Coliseu do Porto. Em cima da mesa, estão duas propostas avançadas por Rui Moreira: uma é a concessão da gestão a privados, com várias salvaguardas de garantia; a alternativa é esperar que Governo e Área Metropolitana do Porto avancem com parte do dinheiro, sendo que a autarquia está disponível para cobrir até 30% dos 8,5 milhões de euros necessários para a requalificação do espaço inaugurado em 1941 e que, ao longo do tempo, teve diversas momentos decisivos - como aconteceu em 1995, com os portuenses a travarem a venda à IURD, e no ano seguinte, com o incêndio que destruiu parte da sala.
O que leva a que agora se discuta o futuro do Coliseu? A necessidade urgente de obras de requalificação do edifício, para as quais a Associação Amigos do Coliseu, proprietária do espaço, não tem capacidade de resposta levou a Câmara do Porto a equacionar soluções. A autarquia tem sido um suporte importante para o funcionamento do Coliseu, mas diz não poder suportar essa despesa.
Um estudo realizado pelo Instituto da Construção da Universidade do Porto concluiu que apenas para fazer as obras de restauro são precisos 8,5 milhões de euros, "impossíveis de gerar através da atividade dos Amigos do Coliseu", segundo Rui Moreira.
Neste cenário, o autarca do Porto diz que a Câmara, o Ministério da Cultura e a Área Metropolitana do Porto - principais associados e parceiros do Coliseu - concluíram que o melhor caminho era a concessão a privados da gestão do espaço. Moreira disse que era a solução possível na impossibilidade de se recorrer a fundos comunitários para financiar.
Esta proposta de concessão da gestão a privados foi anunciada pelo presidente da Câmara após ter reunido os conselhos municipais de cultura e de economia, dois órgãos consultivos que reúnem personalidades da cidade. "Concessionar o Coliseu é aquilo que permitirá que no futuro um eventual interessado possa fazer as obras pertinentes que naturalmente a associação não pode fazer", explicou o autarca a 29 de janeiro.
O modelo gizado prevê que fica vedada a possibilidade de alterar a atividade do Coliseu e tem várias salvaguardas, de acordo com o que foi divulgado. A primeira é que associação não deve ser apenas o senhorio do Coliseu, ficando reservado um número de dias suficientes para a realização da atividade programática da Associação. O concurso público a lançar deve impor ainda que a Associação do Amigos do Coliseu continue a receber os montantes acordados no contrato de mecenato com a seguradora Ageas, bem como a manutenção dos cerca de 30 postos de trabalho, durante a execução das obras de restauro.
Mas quem tem a decisão final é a assembleia-geral da associação. "Se isto for o entendimento da assembleia-geral dos Amigos do Coliseu, antes de lançar o concurso público - e nós entendemos que não tem de ser, mas deve ser um concurso público - terá que pedir com certeza um estudo de viabilidade económica que vai definir, em função, do investimento que é feito, qual é o prazo razoável [para a concessão]", disse Rui Moreira.
A proposta não teve aceitação consensual entre os partidos políticos. O PSD disse que a proposta criava "muitas dúvidas", sobretudo a nível da impossibilidade de recorrer a fundos comunitários para a obra. A CDU considerou ser "inaceitável" e "inadmissível" a intenção de concessionar a privados o Coliseu "sem qualquer debate prévio nos órgãos municipais. Pelo PS, o vereador Manuel Pizarro disse preferir que o financiamento fosse público e também questionou a questão dos fundos comunitários. Logo depois, a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR-N) clarificou que não recebeu nenhuma candidatura ao Norte 2020 para apoio à reabilitação do Coliseu. "Não será de todo de excluir a possibilidade de, em fase mais avançada do Norte 2020 e mediante a evolução da sua execução e possível reprogramação final, poder vir a ser aberto algum aviso em que coubesse uma eventual candidatura da dita obra", salientou, em resposta à agência Lusa, a CCDR-N.
Perante as dúvidas geradas, Rui Moreira admitiu na reunião do executivo camarário de 10 de fevereiro a possibilidade de as obras serem feitas com recurso a "crowdfunding" ou uma quota especial, em vez do modelo de concessão que defendeu.
"É evidente que, se houver agentes na cidade disponíveis para arcar com este investimento, e se a Câmara do Porto puder participar, a câmara participará (...). Não posso é ser confrontado permanentemente pela direção do Coliseu a dizer que aquilo qualquer dia cai. Com isso não posso viver", disse Moreira.
Dois dias depois, convocou nova reunião do Conselho Municipal da Cultura, agendada para dia 21 de fevereiro (sexta-feira), para "deliberar" o futuro do Coliseu. Numa carta aberta difundida pelo site municipal Porto.pt, o autarca anunciou as duas propostas que irá levar a este grupo de conselheiros. Uma passa por recomendar aos associados da Associação dos Amigos do Coliseu do Porto que aceitem a proposta da autarquia, Governo e Área Metropolitana do Porto para a concessão do espaço a privados.
Em alternativa, recomenda aos associados dos Amigos do Coliseu que proponham ao Governo e Área Metropolitana que "acompanhem a disponibilidade financeira manifestada nos últimos seis anos pelo município" com vista a uma solução de investimento direto para as obras necessárias, "disponibilizando-se o presidente da câmara para propor aos órgãos autárquicos que o município do Porto assuma 30% do valor a investir e que será equivalente à comparticipação nacional, caso houvesse fundos comunitários".
São estas duas propostas que serão discutidas, embora Rui Moreira considere que apenas a primeira tem viabilidade. "Quando câmara, Governo e Área Metropolitana se preparam para propor à assembleia geral da Associação dos Amigos do Coliseu que delibere sobre o caminho a seguir, eis que surgem vozes que questionam o modelo, partindo de falsas premissas e lançando fantasmas que, do meu ponto de vista (...), não fazem sentido", apontou o autarca.
Para Rui Moreira, a proposta de concessão surgiu por ser imperativo fazer qualquer coisa no imediato. "Não me posso conformar com aquilo que parece evidente: se nada fizermos, um destes dias, o Coliseu fechará as portas", escreveu.
O autarca, em funções desde 2013, relembra que a autarquia é parceiro da associação e tem feito tudo o que pode para ajudar o Coliseu, seja "comprando bilhetes para as nossas escolas e funcionários em eventos como o Circo e em que se justificava, e promovendo pelos nossos meios a sua atividade". Além disso, diz ter sido parte ativa na "captação de vários mecenas e patrocinadores, como foi o caso da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e, por último, da Ageas, que aceitou investir 1,8 milhões de euros no Coliseu, onde também tem responsabilidades históricas herdadas". Refere ainda que o município sempre se dispôs a usar o orçamento da Câmara do Porto para "participar numa solução de investimento público".
Seja qual for a recomendação do conselho municipal, a decisão pertence à assembleia-geral da Associação Amigos do Coliseu. Se o projeto de concessão for avalizado é possível no espaço de três a quatro meses lançar o concurso público, mas a obra deve demorar entre dois a três anos.
Eduardo Paz Barroso, presidente da direção da associação, disse em novembro de 2019, em comunicado conjunto com Rui Moreira, que, com a sua direção, "tudo têm feito para obter o financiamento público imprescindível à reabilitação do histórico edifício que, sendo propriedade de uma entidade de direito privado sem fins lucrativos, é Património da Região e do País, além de estar classificado e ser um instrumento fundamental na programação artística e cultural em vários domínios".
Na mesma nota, recordou que o Coliseu "não recebe qualquer beneficiação de fundo desde a sua criação em 1941 - tendo apenas tido uma reparação de monta na caixa de palco aquando do incêndio de 1996".
O espaço que hoje é o Coliseu do Porto teve um precursor. O Salão Jardim Passos Manuel, que começou por ser Salão de Cynematographo, foi inaugurado em 1908. Foi tal o sucesso que o empresário de teatro Luíz Alberto Faria de Guimarães, proprietário do Salão Jardim, avançou anos depois com uma remodelação e passou a haver sala de espetáculos, jardim-esplanada, salão de festas, restaurante, music-hall e um pequeno teatro, de acordo com o site oficial do Coliseu do Porto.
Em 1938, esta foi desativada e teve início a construção do Coliseu. A obra custou 11 mil contos (aproximadamente 55 mil euros), suportados pelo dono, a companhia de seguros Garantia. A inauguração foi em 19 de dezembro de 1941 com um sarau de gala. Desde aí, a sala tem sido palco de uma eclética programação, que passa pela ópera, ballet, circo, concertos de música, entre outros. Por ali também passaram muitos políticos já que foi palco habitual para congressos e comícios partidários.
Em 1995, a possibilidade que estava em vias de concretização de vender o Coliseu à IURD (Igreja Universal do Reino de Deus) motivou um levantamento popular na cidade. O edifício era propriedade da Empresa Artística, SA/Grupo Aliança - UAP. Do protesto nasceu a ação, com artistas, políticos, empresários e cidadãos em geral a assumirem que o Coliseu deveria manter-se em mãos portuenses. Foi assim que nasceu a Associação dos Amigos do Coliseu do Porto, formalmente constituída a 17 de novembro de 1995. O negócio ficou concluído em 2 de agosto de 1996, com a escritura pública de compra e venda do Coliseu por 680 mil contos (aproximadamente 340 mil euros).
Ainda houve um grande percalço nesse ano de 1996. Em setembro, após ter decorrido o evento Portugal Fashion, um incêndio destruiu a caixa de palco e fez graves estragos na sala principal e camarins. "Gera-se uma nova onda de solidariedade que reúne o apoio de instituições, empresas e particulares. Só assim foi possível a reabilitação do edifício em poucos meses, permitindo que o Coliseu abrisse novamente as portas a 12 de dezembro", recorda o site do Coliseu, onde também se fica a saber que, entre 1997 e 2001, houve investimento em requalificação de equipamentos.