"Nós podíamos propor ao diretor uma campanha de recolha de pilhas", sugere Guilherme Simões. O aluno do 11.º ano de Artes do Colégio de São Miguel, em Fátima, está numa assembleia de alunos do protejo eco-escolas, uma iniciativa dedicada à sustentabilidade ambiental. "O pilhão está no bar, mas as pessoas esquecem-se dele. Quando andava no sexto ano lembro-me de ter angariado quilos de pilhas, porque criaram um concurso. Podíamos dar como prémios materiais para as aulas de cada curso.".A proposta foi bem aceite pelos colegas. Criou-se uma equipa de voluntários para meterem mãos à obra e para refletirem sobre a ideia de premiar quem contribuísse para encher mais o pilhão. A preocupação e o olhar apurado são deles, alunos. Conhecem os passos a dar para concretizar este género de ações e dizem que o gabinete do diretor está sempre aberto para os receber. Estão habituados a apresentar propostas, a organizar ações e a liderar projetos. "Os alunos conhecem-se todos uns aos outros e nos projetos vamos buscar os melhores atributos de cada um para fazermos atividades melhores", refere João Jesus, finalista na área de Ciência e Tecnologias. Fazem-no diariamente nos muitos clubes, fora do horário letivo, "que têm um efeito direto na forma como os alunos vivem a escola, como se entusiasmam", diz o diretor pedagógico do colégio, Virgílio Mota. Há oficinas de cerâmica, pintura, português, inglês, música, direitos humanos, desporto, videoclube..Aprendizagem em todo o lado.A aprendizagem está em todo o lado, nos manuais, que a direção gostava de erradicar em papel a curto prazo, na horta, na manutenção da limpeza da escola, nos espaços dos alunos. Em todo o lado. "O nosso foco não são os exames. O nosso foco é que eles [alunos] cheguem ao 12.º ano bem estruturados e com todas as ferramentas necessárias para escolherem o que querem fazer da vida", explica Manuel Lourenço, o diretor da escola que pertence à diocese de Fátima-Leiria. Em 55 anos, é o primeiro a dirigir a escola que não é padre..A escola é católica, mas "recebe alunos de todos os credos" (ou não cumprisse também o serviço que a rede pública de escolas não alcança aqui). Há um ano, por exemplo, foi um grupo de refugiados, a quem "foi cedida uma sala para as orações matinais".."Os alunos veem que nos preocupamos com eles e isso dá-nos também mais autoridade. A amizade, a verdade e a exigência são os três pilares-base da nossa escola. A amizade e a verdade nas relações e a exigência no trabalho. Como nós costumamos dizer: é preciso um coração de ouro e um punho de ferro", conta o professor de Física e Química, Cláudio Barbosa, responsável pelo ensino secundário do colégio..É assim que os alunos evoluem mais do que em outras instituições. É o que diz o ranking anual de sucesso no ensino secundário, que põe o Colégio de São Miguel no topo da lista das escolas que mais fazem pela progressão dos alunos desde o momento em que estes entram para o último ciclo de estudos obrigatório até que o terminam..Secundário Infogram.Resposta social.A margem de progressão destes alunos é grande, uma vez que, na sua maioria, chegam ao colégio com características que, à partida, fariam esperar um rendimento escolar mais baixo. "Isto é um meio rural, em que muitas famílias não apostam muito na educação dos filhos e acabam por depositar muitas esperanças na escola", diz Cláudio Barbosa. O diretor confirma: "Muitos alunos chegam ao colégio sem estrutura emocional, frágeis. Temos 28 alunos que vivem em instituições, por terem sido retirados às famílias.".Dos 955 estudantes do colégio, distribuídos por 35 turmas desde o segundo ciclo ao secundário, 349 são beneficiários de ação social escolar e 79 estão inseridos num regime de educação especial..É preciso mais do que uma resposta educativa, é necessária uma resposta social. E o método da instituição passa pela integração de todos os alunos. No entanto, segundo o diretor, é cada vez mais difícil de pôr em prática esta estratégia tendo em conta a redução de turmas que a escola tem sofrido nos últimos anos. "Nós não podemos fazer esta perspetiva integradora de crianças com necessidades educativas especiais, crianças em risco, quando não temos um número de turmas e alunos suficientes de forma a que não se dê conta de que ela existe", afirma Manuel Lourenço..Cortes no contrato de associação.Desde a década de 1980, que o Colégio de São Miguel é subsidiado pelo Estado, ao abrigo de um contrato de associação, para fazer as vezes de uma escola pública. Mas as verbas disponibilizadas pelo governo às escolas privadas que prestam serviço público têm vindo a diminuir. Em 2018, os 67 colégios com contratos de associação receberam juntos 65 milhões de euros, menos de metade do valor que era transferido quando o governo tomou posse. E a ideia do executivo é canalizar cada vez mais o orçamento destinado a estas escolas para o ensino público. Para muitos estabelecimentos escolares, esta atitude é uma sentença; desde o início do ano, 11 escolas fecharam as portas por causa dos cortes nos contratos de associação..Em Fátima, não existem escolas públicas, três colégios garantem a gratuitidade do ensino através do mecanismo acima descrito. Mesmo assim, o Colégio de São Miguel perdeu dez turmas, quase 400 alunos, e teve de dispensar professores. Fechar portas não é uma opção e por isso a direção recorre a soluções como "outras ofertas educativas" autofinanciadas. Neste ano letivo, abriram uma turma de alunos em que os pais pagam uma mensalidade. E como preveem a continuação nos cortes, para o ano contam criar mais três..Espaço para "darem beijinhos".Alunos, professores e direção estão preocupados com os cortes no contrato, mas também dizem que estes não se fazem sentir nas condições da escola..Há uns meses, os docentes receberam uma sala nova com espaços para reuniões e cantos de silêncio, os alunos uma biblioteca. Há piscina, vários espaços verdes, campos desportivos, salas dedicadas ao conforto dos estudantes com matraquilhos e pingue-pongue e até recreios mais longe do agrupamento de edifícios para os alunos "darem os beijinhos", como diz o diretor. As linhas retas da arquitetura, futurista para o ano de construção (1962), encontram-se com os trabalhos feitos pelos alunos de Artes, fazendo lembrar uma galeria de exposições..As paredes preenchidas pelos trabalhos dos "artistas" da escola são a imagem da valorização dada à componente artística pelo projeto pedagógico. A educação artística é "essencial para o desenvolvimento integral da pessoa, para o desenvolvimento da sensibilidade, para o desenvolvimento da dimensão estética", defende Virgílio Mota.."É isso que nos diferencia das outras escolas. Aqui podemos expressar a nossa criatividade", conta a aluna do 11.º ano Inês Gesero. Rabisca os primeiros traços numa folha de papel de cenário que cobre um cavalete. À sua volta, os colegas circulam pelo labirinto criado pelas telas, sobem e descem de cadeiras que os fazem chegar ao topo das páginas ainda por preencher..Têm ao seu alcance os materiais de que precisam em todas as áreas, em artes, em ciências, em línguas. Não existem desculpas para os alunos não trabalharem. "Aqui dentro a exigência é máxima, tanto nas aulas como fora, em todos os desafios que nos são propostos. É isso que nos faz ter bons resultados", afirma a aluna do 12.º ano de Ciências e Tecnologias Mariana Azevedo.