CNE defende que direito ao voto está "constitucionalmente garantido" e não pode ser limitado

O direito ao voto está "constitucionalmente garantido" e nem uma resolução de Conselho de Ministros ou uma autoridade sanitária pode "impedir ou de alguma forma condicionar" esse direito, refere a Comissão Nacional de Eleições.
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O porta-voz da Comissão Nacional de Eleições defendeu esta quinta-feira que o direito ao voto por cidadãos em isolamento está "constitucionalmente garantido" e que nem o Conselho de Ministros ou qualquer autoridade sanitária podem limitá-lo.

Esta posição foi avançada à TSF pelo porta-voz da CNE, João Tiago Machado, e confirmada à Lusa, que defende que o direito ao voto está "constitucionalmente garantido" e que nem uma resolução de Conselho de Ministros ou uma autoridade sanitária pode "impedir ou de alguma forma condicionar" esse direito - sejam pessoas infetadas com o vírus da covid-19 ou que apenas tiveram um contacto de risco.

O porta-voz da CNE remeteu a Lusa para uma deliberação de 23 de setembro de 2021, relativa às eleições autárquicas, na qual esta posição já era defendida, e em que a CNE também sustenta que se um cidadão se apresentar nas mesas de voto sem equipamento de proteção individual "não pode ser impedido de exercer o seu direito".

Argumenta a CNE que "de outra natureza é a consideração da obrigatoriedade do uso de certos equipamentos ou da adoção de determinados comportamentos pelos membros das mesas de voto, porquanto esta função não configura o exercício de um direito, mas o cumprimento de um dever com as instruções que lhe estão associadas".

"Se um cidadão que se apresente sem equipamento de proteção não pode ser impedido de exercer o seu direito, esse mesmo cidadão ou qualquer outro podem e devem exigir dos membros da mesa (e só destes) que utilizem aqueles equipamentos nos precisos termos em que foram instruídos", lê-se na deliberação de setembro.

No restante texto, a CNE já defendia em setembro de 2021 que "não podem as autoridades (eleitorais, administrativas ou policiais) impedir o exercício do direito de voto com fundamento na inobservância de requisitos que não estejam expressamente previstos nas leis eleitorais (...)".

"Um tal entendimento sai reforçado quando idênticos comportamentos dos cidadãos sejam admitidos pelas autoridades de saúde para a concretização de outros direitos ou prática de outros atos e, sobretudo, quando os cidadãos lancem mão de outros instrumentos de demonstração da diminuição do risco, como sejam os testes e os certificados", aditam.

Destaquedestaque"Cada cidadão é responsável pelas consequências dos seus comportamentos, podendo vir a ser responsabilizado pelos eventuais danos que comprovadamente provoque a terceiros"

De acordo com esta deliberação, "não pode qualquer autoridade administrativa impedir ou, de forma alguma, obstaculizar o exercício dos direitos políticos e de participação", todavia, "cabe aos cidadãos compatibilizar o exercício dos seus direitos com o direito à vida e à saúde dos demais e, nessa medida, observar as recomendações aplicáveis dos especialistas, designadamente das autoridades sanitárias".

"Em qualquer caso, cada cidadão é responsável pelas consequências dos seus comportamentos, podendo vir a ser responsabilizado pelos eventuais danos que comprovadamente provoque a terceiros", lê-se.

Para a CNE, "não parece lícito admitir que a administração pública ou mesmo o Governo, sem a necessária autorização legislativa, criem requisitos que condicionem o exercício desses direitos, e principalmente o direito de voto, quando a sua regulação é matéria da competência legislativa reservada da Assembleia da República".

"Um tal entendimento pode, de facto, ser excecionado, em circunstâncias catastróficas, necessariamente de curtíssima duração e em que o risco para a segurança das pessoas e dos demais direitos de que são detentoras constitua, comprovadamente, perigo iminente. Não será o caso, tanto mais que, nos sucessivos estados de emergência decretados nos termos constitucionais, nunca os órgãos de soberania entenderam ser proporcionado sacrificar os direitos de participação política em favor da minimização dos riscos potenciais derivados da situação pandémica", escrevem.

Na quarta-feira, o Governo pediu um parecer ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República (PGR) para saber se o isolamento no quadro da covid-19 impede o exercício do direito de voto ou se poderá ser suspenso para esse efeito.

Este pedido de parecer feito por causa das eleições legislativas antecipadas de 30 de janeiro foi hoje comunicado aos jornalistas pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, no final de mais uma sessão sobre a situação da covid-19 em Portugal, no auditório do Infarmed, em Lisboa.

A questão não é unânime entre constitucionalistas, que divergem quanto à eventual suspensão do isolamento para votar nas eleições legislativas de 30 de janeiro, com Bacelar de Vasconcelos a considerar que seria uma boa solução e Paulo Otero a defender que "não é possível conciliar isolamento" e voto.

O ex-diretor-geral da Saúde Francisco George considerou, no entanto, que a decisão de quem está em isolamento devido à covid-19 poder votar diz respeito ao próprio e à organização das eleições legislativas, marcadas para 30 de janeiro.

"A questão de saber se quem está em isolamento pode ou não votar diz respeito não só ao próprio, mas também à organização das eleições, no dia 30", disse à agência Lusa Francisco George, comentando a decisão do Governo de pedir um parecer à Procuradoria-Geral da República para saber se o isolamento no quadro da covid-19 impede o exercício do direito de voto ou se poderá ser suspenso para esse efeito.

Para o médico e especialista em Saúde Pública, os eleitores que estão em isolamento poderão votar, mas com "cuidados redobrados".

"Têm que ter em atenção sobretudo o uso de máscara com grande rigor e terem também à mão uma caneta própria a fim de não ser utilizada aquela que habitualmente está disponível nas secções de voto", recomendou.

Por outro lado, defendeu ainda, devem ter em atenção que "não podem estar junto de outros e manter uma distância de dois metros no mínimo".

"Não é preciso assinalarem que estão em isolamento, mas também um mecanismo que permitisse eventualmente a ultrapassagem de uma fila não era nada, diria, de chocante", afirmou Francisco George.

Relativamente às secções de voto, defendeu que não devem ter filas grandes, sendo que para tal o horário devia ser mais prolongado, as secções serem mais pequenas e colocadas em ambientes muito arejados.

"São questões que a Comissão Nacional de Eleições terá que analisar e rapidamente comunicar", salientou o médico.

Sobre se a suspensão do isolamento para ir votar não pode motivar um sentimento de injustiça perante quem, por exemplo, se viu privado de ir a um funeral de um familiar ou participar noutra situação relevante, Francisco George disse que "as emoções, naturalmente, também vão influenciar na decisão de ir à secção de voto para exercer esse direito, ou não".

"Não podemos ignorar este aspeto. Há também o direito, que é a reserva do próprio, de decidir se vai ou não vai à secção de voto para votar e tendo em conta as questões que colocou que são de respeitar como todos calculam", concluiu.

A coordenadora do Bloco de Esquerda (BE) sugeriu entretanto a possibilidade de extensão do horário de voto nas eleições legislativas, com uma hora particular para que quem esteja em isolamento possa exercer o seu direito.

"O voto antecipado é importante, mas há outras medidas que podem ser estudadas, como a extensão de horário de voto com uma hora particular para quem possa estar em isolamento", afirmou Catarina Martins.

A coordenadora do BE, que garantiu confiar nas autoridades de saúde e nas decisões que vão ser tomadas sobre a matéria, defendeu a importância de "todos se sentirem seguros para irem votar", nas legislativas de 30 de janeiro".

À margem de um encontro com um grupo vigilantes de segurança privada, Catarina Martins considerou que a reabertura das escolas na próxima segunda-feira "é a medida mais importante" das anunciadas hoje primeiro-ministro, após nova avaliação do impacto da pandemia em Portugal.

"O Bloco de Esquerda acha muito importante que as escolas possam reabrir em segurança. É tão importante que as crianças e jovens tenham o seu ano letivo, com a vacinação e cuidados o processo é seguro. Essa aprece-me ser a medida mais importante", disse, admitindo que ainda não tinha tido oportunidade de "ouvir todas as medidas".

O presidente do CDS-PP defendeu esta quinta-feira que o ato eleitoral das legislativas deveria ser desdobrado pelos dias 29 e 30 de janeiro, manifestando-se disponível para a convocação de um plenário da Assembleia da República que possa alterar a lei.

Em entrevista à Agência Lusa, que será divulgada na íntegra no sábado, Francisco Rodrigues dos Santos lamentou que o Governo e o Ministério da Administração Interna não tenham antecipado há mais tempo a possibilidade de existirem centenas de milhares de eleitores em confinamento na data das eleições, 30 de janeiro.

"O Governo continua a falhar na antecipação e na preparação. Creio que seria de estudar a hipótese - e essa é a proposta que eu faço - para que o ato eleitoral pudesse ser desdobrado em dois dias, 29 e 30. O dia de reflexão não tem grande utilidade na vida das pessoas, os eleitores já chegam a esse dia com opinião formada, não acrescenta nada", afirmou.

Para o líder do CDS-PP, esta solução daria mais segurança e "maior controlo e previsibilidade sobre a adesão e a mobilização dos eleitores", estando aberto a que se pudesse separar os confinados num dia e os não infetados no outro, ou até mesmo para um "sistema misto" em que ambos votariam nos dois dias, com mecanismos de segurança.

"Os infetados não podem ser coartados do seu direito de voto, é uma prerrogativa inscrita na Constituição", defendeu, considerando que cabe depois ao Estado encontrar mecanismos para que as pessoas possam exercer o seu direito de voto em segurança, quer para os confinados, quer para os restantes.

Alem do voto antecipado, já previsto na lei, o líder do CDS-PP sugere que possa haver uma articulação com o poder autárquico para que os infetados possam exercer o voto "de forma descentralizada sem colocar em risco a comunidade" ou, no caso das pessoas em instituições, que se possa recorrer às forças de segurança para fazer a recolha dos votos.

"Sei que há uma engenharia que pode ser adaptada pelo Governo, devidamente atempada e com todas as cautelas, e que neste momento ainda não foi", afirmou.

Questionado sobre a necessidade de alterar a lei eleitoral para que as eleições decorram em dois dias, numa altura em que o parlamento se encontra dissolvido, o líder do CDS-PP defende que a "Assembleia da República não está encerrada e deve ser convocada para este efeito".

"Da parte do CDS, estamos disponíveis para colaborar neste projeto legislativo", afirmou.

Rodrigues dos Santos sublinhou que "não é uma fatalidade" que os infetados ou pessoas em isolamento devido à pandemia com covid-19 não exerçam o seu direito de voto.

"A única preocupação que os partidos devem ter é garantir que a próxima Assembleia da República é escolhida respeitando a vontade do povo português", defendeu.

Questionado sobre as medidas hoje anunciadas pelo primeiro-ministro, entre as quais se contam a manutenção de teletrabalho obrigatório e o encerramento de bares e discotecas até dia 14, mas algum alívio generalizado, o líder do CDS-PP acusa o Governo de "manter o alarme social e gerir a pandemia através do estrangulamento da economia".

"Creio que, ao nível dos isolamentos, devem ser restringidos ao mínimo possível. Quanto às restrições à atividade económica, devem ser abolidas imediatamente. A preocupação do Governo deve cingir-se apenas à terceira dose da vacina, tentar que se universalize a toda a sociedade", considerou.

Para Rodrigues dos Santos, uma vez que o aumento do número de casos não se tem traduzido na subida de internamentos e mortes, é preciso admitir "a necessidade de conviver socialmente com o vírus".

"Estamos a pagar uma fatura elevadíssima a nível económico e não se vê necessidade de manter este padrão", disse.

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