Da primeira vez, Rita Marques julgou que se tratava de um caso isolado, quando a encomenda que fizera num site americano demorou quase um mês a chegar. No acompanhamento que ia fazendo online, sabia que estava já em Portugal, mas não havia forma de a receber. "Era preciso ser desalfandegada e só depois me poderia ser entregue", conta ao DN, dando nota da justificação que lhe deram nos correios. No final de julho, lá conseguiu finalmente receber o pacote. Mas eis que agosto caminha para o fim e "está a acontecer exatamente a mesma coisa"..A história de Rita, em Aveiro, encontrará paralelo com a de Carlos Lemos, em Coimbra, ou com a de Ricardo Ferreira, em Lisboa: todos estão há demasiado tempo à espera de receber as encomendas. Todos contactaram já os CTT por mais do que uma vez, e perceberam que o assunto seria sério: por escrito ou telefone, a empresa fala de imediato em atrasos, invocando a diretiva comunitária que entrou em vigor no dia 1 de julho de 2021, reportando a compras extracomunitárias.."Desde esse dia que todas as compras eletrónicas extracomunitárias passaram a ser alvo de Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA), independentemente do valor do objeto e da data em que foi adquirido, terminando assim a isenção de IVA nas compras extracomunitárias até 22 euros"..Em causa estão todas as compras feitas em sites com sede em países fora da União Europeia. De acordo com os CTT - que recebem, em primeira instância, o grosso das reclamações, mesmo sendo alheios ao atraso, teoricamente "o processo de desalfandegamento passou a ser mais simples, envolvendo maior automatização, e o preço dos serviços de desalfandegamento CTT ficou mais baixo". Mas na verdade, é na alfândega que parece residir o problema.."Ao contrário do que tantas vezes se diz, nós não temos muitos funcionários públicos. E é essa lacuna que estará a fazer-se sentir nos serviços", admite Álvaro Menezes, coordenador do Sindicato dos Trabalhadores Aduaneiros em Despachantes e Empresas, que apesar de não representar os trabalhadores da alfândega conhece bem o problema. Tal como, de resto, acontece nos CTT..Carlos Lemos, que à conta de um hobby faz encomendas com regularidade do site Ali Express, percebeu a mudança logo ao início, mesmo tendo o cuidado de "pagar o IVA logo à cabeça, quando são encomendas de valor inferior as 22 euros que a lei estipula". Ainda assim, sente-se quase um privilegiado, quando ouve as histórias de quem passa um verdadeiro calvário para receber encomendas, por estas dias. "Dentro do que é a demora, tenho tido sorte", considera, longe das várias semanas que sabe mediarem a chegada da encomenda a Portugal e o recebimento..Todas estas alterações resultaram de uma diretiva comunitária que alterou o regime do IVA nas Transações Intracomunitárias e a legislação complementar, relativas à aplicação do imposto sobre o IVA no comércio eletrónico. Entraram em vigor em simultâneo no conjunto dos países da EU a 1 de julho de 2021..Os CTT explicam no site todo o enquadramento: as novas regras do IVA nas compras eletrónicas têm impacto para o consumidor. Os pacotes postais/encomendas de origem extracomunitária contendo bens que deram entrada no espaço da União Europeia a partir de 1 de Julho de 2021, independentemente da data em que foram adquiridos e do valor do bem, estão sujeitos a pagamento de IVA e/ou direitos aduaneiros, sendo os CTT completamente alheios a esta diretiva, proveniente da União Europeia"..Em alguns sites de vendas online os consumidores têm a opção de pagar o IVA no momento da compra, como testemunhou ao DN Carlos Lemos..O IVA e os direitos aduaneiros poderão continuar a ser liquidados à entrada em Portugal, devendo os consumidores acompanhar o processo de desalfandegamento no Portal de Desalfandegamento. E é aí que, muitas vezes, fica encalhado este processo..Há relatos de quem não consiga sequer obter uma resposta à reclamação. "Convenço-me de que a conversa da aldeia global já era", conclui Rita, que até à pandemia nunca fizera qualquer encomenda online, mas que desde há dois anos opta por essa forma de consumo, sobretudo no que respeita a vestuário e acessórios. O DN questionou os serviços do Ministério das Finanças - que tutela a Direção Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo - mas não obteve respostas.. dnot@dn.pt