O ex-ministro da Educação e do Interior israelita Gideon Saar nunca escondeu o seu desejo de ser primeiro-ministro. Mas os militantes do Likud negaram-lhe a possibilidade de liderar o partido, nas primárias de dezembro de 2019, contra Benjamin Netanyahu..Um ano depois, a estratégia é outra: acusando o Likud de ser "uma ferramenta para servir os interesses pessoais de Netanyahu", Saar acaba de lançar um novo partido - o Nova Esperança. E já há outros deputados dispostos a segui-lo..Mesmo a tempo. O parlamento israelita está num processo que poderá levar à convocação das quartas eleições em dois anos - uma decisão final será tomada até 23 de dezembro..Uma comissão parlamentar sugeriu que o escrutínio seja marcado para 16 de março, depois de a aliança Azul e Branca, do ministro da Defesa, Benny Gantz - rival transformado em aliado relutante de Netanyahu -, ter votado ao lado da oposição a favor da dissolução do parlamento..Mas a antecipação das eleições ainda não é certa, já que é preciso passar vários obstáculos no parlamento e há margem de manobra para negociar. Gantz, que ao abrigo do acordo de governo se tornará primeiro-ministro em novembro de 2021 (se não houver eleições), está a pressionar Netanyahu para aprovar o orçamento para o próximo ano (tem de passar até março)..Os críticos dizem que o primeiro-ministro está a fazer de propósito para o governo cair e não ter de entregar o poder ao rival. "No final de umas quartas eleições, sei que Netanyahu não será primeiro-ministro de Israel e ele precisa de saber disso", escreveu Gantz no Facebook, dizendo-se "farto das mentiras"..No meio da luta na coligação de governo, Netanyahu enfrenta também problemas dentro do Likud, com o anúncio da saída de Gideon Saar, que se demitiu na semana passada do cargo de deputado para formar um novo partido e concorrer às próximas eleições..Estrela em ascensão dentro do governo (foi ministro da Educação e do Interior) e dentro do Likud, Saar entrou em choque com Netanyahu em novembro de 2014, optando por se afastar da política. Alegou que queria passar mais tempo com a família - é casado com a influente jornalista Geula Even, com quem tem dois filhos, tendo ainda outros dois de um anterior casamento..Mas não esteve muito tempo afastado. Dois anos depois estava de volta e não escondia a sua ambição. "Não tenho pressa para ser primeiro-ministro, mas disse claramente quando voltei que pretendo liderar o partido e o país no futuro", explicou em 2017 numa entrevista ao jornal The Washington Post, que perguntava: "Pode este homem ser o próximo primeiro-ministro de Israel?".Netanyahu acusou-o de ter um plano para o afastar, algo que Saar considerou uma "teoria da conspiração". Mas na primeira oportunidade não hesitou em desafiar o homem que mais tempo passou na chefia do governo de Israel - esteve no poder entre 1996 e 1999, voltando ao poder dez anos depois, tendo ultrapassado o recorde de um dos fundadores de Israel, David Ben-Gurion..As primárias de dezembro de 2019 surgiram numa altura em que Netanyahu passava um dos pontos mais difíceis da sua longa carreira política, não só porque tinha diante de si as terceiras eleições no período de um ano depois de não ter conseguido formar governo, mas porque se preparava para se sentar no banco dos réus e responder por fraude e suborno, numa série de escândalos de corrupção pelos quais ainda está a ser julgado..Gantz acusa Netanyahu de estar mais preocupado em defender-se no julgamento por corrupção e nos seus interesses do que em dar resposta às necessidades e preocupações dos israelitas, em plena crise económica por causa da pandemia do coronavírus. Julgado desde maio, Netanyahu deverá voltar ao tribunal em fevereiro. O primeiro-ministro nega as acusações..Apesar do cenário aparentemente favorável em dezembro de 2019, Saar não conseguiu ir além 27,5% nas primárias do Likud, diante dos 72,5% de Netanyahu. Agora a sua aposta é lançar um novo partido e enfrentar o primeiro-ministro nas eleições legislativas.."O Likud mudou e tornou-se uma ferramenta para servir os interesses pessoais do seu líder, incluindo no seu julgamento,. Já não posso apoiar o governo de Netanyahu e não já não posso ser membro do Likud sob a sua liderança", disse Saar ao anunciar a saída do partido.."Digo-o com pesar, como alguém que o viu como o líder certo para liderar o país e serviu em vários cargos nos seus governos, Israel precisa de união e estabilidade agora e Netanyahu não pode garantir nenhuma das duas", acrescentou..Em termos políticos, Saar é visto como próximo dos partidos ultraortodoxos e, em vários temas, está mais à direita do que Netanyahu - defende a anexação dos colonatos na Cisjordânia, que o primeiro-ministro suspendeu após o reatar das relações diplomáticas com os Emirados Árabes Unidos e o Bahrein.."Saar está a oferecer à direita que está farta de Netanyahu, uma alternativa na qual eles não terão problemas em votar", escreveu o colunista Ben Caspit, no jornal Ma'ariv (citado pela AFP)..Apesar de Saar deixar o Likud, a criação de um novo partido abre a porta a uma revolução na política israelita - que nos últimos anos esteve marcada pelo impasse eleitoral e pela falta de acordos, daí a necessidade de ter havido as últimas eleições. E ameaça também a coligação Azul e Branca (centro) de Gantz..Dois dos deputados que já disseram que vão seguir Saar - o ministro das Comunicações, Yoaz Hendel, e Zvi Hauser - foram eleitos dentro da aliança Azul e Branca, mas já tinham entretanto saído, formando a fação Detech Eretz..As sondagens, que já têm em conta o novo partido de Saar, dão-lhe entre 15 e 18 lugares no Knesset (tem 120 lugares). E dão à Azul e Branca entre 6 e 7, metade dos atuais 14 e longe dos 33 que teve nas eleições de março de 2020 - a coligação com o Likud causou também cisões, com a partida das fações Yesh Atid e Telem para a oposição..Dependendo da sondagem, o Likud e os seus aliados de direita (Yamina - que tem contudo criticado Netanyahu na resposta à pandemia -, Shas e Judaísmo Unido da Torá) não conseguem chegar aos 61 lugares, ou seja, a maioria necessária para governar - terão entre 57 e 60, com o Likud a conseguir cerca de 25 destes (teve 36 em março)..Mas o que parece mais perigoso para Netanyahu é que as sondagens abrem a porta a várias coligações que não dependem do Likud, caso haja uma aliança entre os aliados de direita do primeiro-ministro com a Azul e Branca e o Nova Esperança..Antes da irrupção do partido de Saar na cena política, as sondagens davam a Netanyahu e aos seus aliados tradicionais de direita uma maioria (apesar de já não de entre 65 a 70 lugares como nos primeiros meses de governo), mais do que suficiente para deixar cair Gantz.