Com a soberba de sempre quando falam de futebol, os brasileiros resumem a questão sobre quem era melhor, Pelé ou Maradona, à constatação de que o seu craque, sozinho, tem mais títulos mundiais conquistados (três) do que toda a Argentina junta (dois). Os argentinos, com a tradicional arrogância sobre o tema, respondem que Maradona é indiscutivelmente o melhor jogador do mundo de todos os tempos e, provocam, talvez o melhor jogador argentino de todos os tempos..No entanto, o futebol, para sorte da saúde e da solidez das relações diplomáticas entre as duas maiores economias sul-americanas, não está na agenda do encontro de Jair Bolsonaro, presidente do Brasil que participou in loco dos festejos do título de campeão do Palmeiras há um mês, com Mauricio Macri, bem-sucedido presidente do Boca Juniors na década passada. Economia, muita, relações internacionais e segurança, um pouco, estarão em cima da mesa quando os dois líderes se encontrarem, finalmente, em Brasília..Finalmente porque Macri foi a ausência mais notada da tomada de posse de Bolsonaro - enviou à cerimónia uma delegação chefiada pelo seu ministro das Relações Exteriores. Uma atitude entendida como resposta à decisão do novo chefe de Estado de iniciar o seu périplo de visitas oficiais pelo também sul-americano Chile em vez de, como é tradição, a vizinha Buenos Aires. Paulo Guedes, o "superministro" da Economia do governo brasileiro, terá sido o mentor da mudança: é admirador da política económica liberal de Santiago, mesmo sob o ditador Augusto Pinochet, desde que morou no país, nos anos 80 do século passado..Guedes, porém, será chamado a quebrar o gelo durante a cimeira de hoje. Macri, que leva cinco ministros ao Brasil, conta com o crescimento, ainda que tímido, da economia brasileira em 2019 (prevê-se que na ordem dos 2,5%) para animar a homóloga argentina, cuja balança comercial é muito dependente do vizinho. Com a crise iniciada no fim do mandato de Dilma Rousseff, o volume de exportações para o Brasil caiu de 76 mil milhões de dólares (2013) para 58 mil milhões (2018)..A lidar com inflação elevada, desvalorização do peso argentino e empréstimos do FMI, Macri precisa de levar boas notícias de volta para Buenos Aires. Essas boas notícias passarão pela garantia de que a Argentina continuará sendo parceiro preferencial do Brasil, mesmo tendo em conta a disposição do governo de Bolsonaro de implodir o Mercosul, acordo comercial entre os dois países, o Paraguai e o Uruguai, e apostar em acordos bilaterais, nomeadamente com os Estados Unidos. A hostilidade, pelo menos aparente, do Brasil para com a China também preocupa os argentinos, acabados de assinar 30 acordos comerciais com o gigante asiático durante o último G20..Mais fácil será, certamente, o alinhamento de posições entre os países, pela primeira vez desde os anos 90 com governos simultâneos à direita, em relação à Venezuela e à Nicarágua, já ensaiado durante o encontro recente do Grupo de Lima, reunião de ministros dos Negócios Estrangeiros de 14 países latino-americanos, que se decidiu pelo não reconhecimento do governo de Nicolás Maduro..Macri também quer falar de segurança e de combate às rotas do narcotráfico, temas caros a Bolsonaro que o mandatário argentino equaciona usar como propostas da campanha para as eleições presidenciais de outubro no seu país. Apesar de ser liberal nos costumes, ao contrário do ultraconservador governo brasileiro, o presidente argentino acredita que a maioria dos seus concidadãos é simpática às ideias de reforço das polícias e de controlo mais apertado da imigração defendidas por Bolsonaro..Temas mais ou menos pacíficos, desde que, portanto, não se fale de futebol. Nem de cinema, porque, enquanto os brasileiros anseiam desesperados pelo primeiro Óscar, os argentinos já têm duas estatuetas de melhor filme estrangeiro na sua casa para se gabarem. E nem de religião, claro, porque se o Papa é argentino, Deus, garante-se, é brasileiro.