Ainda vem longe e já dá bom--dia. No ponto em que nos cruzamos, senta-se no rail:
- Eh, huóme, isso hoje é bem pela fresca! Na vás ter frio?
Puxa de um cigarro, leva-o à boca. Tira-o.
- A ver se chega o rapaz para estiar esse milho, que isto agora tem que ser de tractor. Antigamente é que um home tinha força p"a arar isso tudo com uma junta de bois. Ai, tal força. Era em pé, era de joelhos. Levava tudo à frente.
Torna a pôr o cigarro na boca. Abre a mão em concha à volta dele. Detém-se.
- Isto que horas são? Diz que chegava às oito e meia, nove...
Sacode o pulso, leva-o ao ouvido:
- Olha, na quer trabalhar. Deve ser pilha fraca, como o dono.
Tira o cigarro da boca. Aponta os pastos.
- Estes cerrados aqui de cima é o diabo. Enquanto na "tiver a fazer tijolo, na dá. Às vezes tem que se meter o tractor de cu para a frente. Outras eu digo ao rapaz: "Engatas uma mudança e vais por aqui fora." Mas ele quer fazer à sua maneira. E eu: "Eh, huóme, já na vá." "Já na vá?" "Já na vá." Mas é rapazes novos. Tem que se deixar fazer primeiro à maneira deles.
Olha-me filosoficamente. Tento determinar nos seus olhos a condescendência dos veteranos para com os homens novos. Tenho a impressão de que já não me acha tão novo quanto isso.
- A cadelinha nem parece a mesma - diz, apontado a Jasmim com o cigarro ainda por acender. - "Tá aí que é uma coisa linda. O amarelo na veio hoje? Eles estavam bons era para ir para aquela coisa da Casa dos Segredos. Tem sempre comidinha que consola.
Ri-se com gosto, e a sua gargalhada ecoa pelas montanhas. Depois levanta-se do rail:
- Eh, huóme.
E eu já sei que isso quer dizer: "Tem um bom dia."
Põe a albarda ao ombro, devolve o cigarro à camisa de flanela, sempre sem o acender, e perde-se pelos cerrados que foram do meu avô.