Se as pessoas são os grandes financiadores de saúde, importa tê-los na equação". As palavras são de Ana Escoval, membro da direção da Associação Portuguesa para o Desenvolvimento Hospitalar (APDH) e do Conselho-Geral da Fundação SNS. Para a coautora da tese Investir em Saúde, integrada no projeto Transformar o SNS, a que o Diário de Notícias se associou, "importa que as pessoas sejam peças ativas, não só naquilo que são os modelos de financiamentos que potenciam os resultados que se pretendem, como na transparência"..Na realidade, defende Ana Escoval, financiamento, investimento e modelo de governação da saúde estão estreitamente interligados e exigem políticas orçamentais transparentes e adequadas. No entanto, e apesar do financiamento poder ser modelador de melhores práticas, um modelo de governação orientado para o utente não pode esquecer outras questões fundamentais como a equidade no acesso à prestação de cuidados, ou os resultados finais da saúde das pessoas. "São necessárias políticas que promovam a confiança entre decisores, prestadores e cidadãos", reforça Julian Perelman, professor da Escola Nacional de Saúde Pública da Nova e coautor desta tese. Contudo, defendem ambos os especialistas, para que esta confiança exista é essencial a autonomia e a responsabilização, quer do Governo, quer dos órgãos de administração e gestão institucional..Atualmente, em Portugal e em muitos outros países da Europa e do mundo, o indicador de sucesso das políticas públicas é o PIB, ou seja, a criação de riqueza. No entanto, como exemplifica Julian Perelman, a riqueza não é obrigatoriamente sinónimo de bem-estar. "Posso ter um bom salário, mas se estou doente ou não tenho tempo para passar com os meus filhos, para que serve essa criação de riqueza?"..Entre as propostas e as linhas de ação que apontam na sua tese, o professor e a responsável da APDH, defendem a ideia - inspirada em modelos como, por exemplo, o da Nova Zelândia -, de passar desta lógica de criação de riqueza para uma lógica de bem-estar. "O PIB não olha para as desigualdades. Criamos riqueza, mas essa riqueza é para quem? Como é que está distribuída?", questiona Julian Perelman que explica que a proposta passa pela criação de ter um indicador de bem-estar, que é algo que depende de todos. "Devemos fazer um orçamento cujo dinheiro sirva para cumprir uma meta relacionada com o bem-estar"..Na Nova Zelândia, por exemplo, existem metas claras de bem-estar como a meta da saúde mental da população, ou a redução da pobreza infantil. São objetivos que envolvem todos os atores e que quebram a lógica de financiamento e de organização em silos como a que existe em Portugal. Esta solução permite ainda aumentar a transparência, pois os cidadãos podem verificar se as metas estão a ser cumpridas..Ana Escoval aponta, contudo, a dificuldade em concretizar medidas como esta e o tempo que demora. "É mais fácil fazer uma distribuição de orçamento por silos, como fazemos agora, mas isto não pode ser assim". O objetivo da saúde, recorda, é garantir que a população é o mais saudável possível e, por isso, não devemos falar de despesa em saúde, mas sim de investimento. "Só uma população saudável é produtiva, assim como só com esta rede complexa conseguimos chegar aos melhores resultados. Isto tem de começar em pequenino, temos de criar condições e potenciar condições para as famílias"..O objetivo desta tese é também, como confessam os autores, ser um pouco provocatório, "garantindo que as pessoas se mobilizam neste desígnio fundamental de acompanhar, de pedir contas, de ser capaz de exigir ter de forma transparente uma distribuição equilibrada de recursos em prol da sua vida", defende Ana Escoval. Mas, acrescenta Julian Perelman, "é um caminho a ser percorrido em que, antes de fixarmos prioridades, temos de pensar em questões mais técnicas de como se pensa e faz o orçamento. Temos de pensar como passamos da teoria à prática"..Para conhecer mais a fundo as propostas apresentadas nesta tese Investir em Saúde, assista ao podcast disponível no site do Diário de Notícias..Veja o vídeo do debate em cima ou ouça o podcast: