"China e Rússia estão a investir em massa no Ártico. Isso não as torna necessariamente uma ameaça"
O Pacífico, neste momento, parece mais conflituoso do que o Atlântico, mas também existem ameaças à segurança do Atlântico, como é o caso da pirataria. Como nos podemos proteger contra elas?
O Atlântico é, de facto, neste momento o oceano mais pacífico no geral, mas não carece de conflitos. A pirataria é de facto uma questão: há marinheiros raptados e navios desviados. O principal objetivo normalmente não é político. É para gerar dinheiro , mesmo se algum do lucro acaba por ser usado para financiar grupos armados rebeldes em terra. A pirataria é um sintoma da miséria que sobretudo os jovens encontram em terra: o fim da pesca local causado pela venda de licenças, as rotas de trânsito do tráfico de droga, o reforço dos controlos fronteiriços. Reduzir a pirataria exige que se procure soluções para estes problemas na raiz, o que é particularmente desafiante em países de regime autoritário.
Quais as outras ameaças à segurança do Atlântico?
As ameaças militares tradicionais, tais como as armas nucleares, têm um papel preponderante no Atlântico. No entanto, existe uma série de novas ameaças que surgiram nas últimas décadas. Cabos submarinos de internet são essenciais para as nossas sociedades, mas são muito vulneráveis. Um ecossistema frágil e em rápida degradação é outra fonte de preocupação. Ilhas gigantes de lixo plástico ou o enfraquecimento das correntes marinhas devido às alterações climáticas constituem, em última análise, uma grande ameaça à nossa segurança.
A China e a Rússia são muitas vezes apontadas como as grandes ameaças ao Ocidente, como é que podem influenciar o equilíbrio euro-atlântico?
A presença da China e da Rússia no Atlântico concentra-se sobretudo na sua margem norte. Devido às alterações climáticas, novos recursos minerais e novas rotas marítimas estão a tornar-se acessíveis no Ártico. Ambos os países estão portanto a investir em massa em infraestruturas, mas isso não os torna necessariamente uma ameaça. Pelo contrário, são parceiros essenciais nos mecanismos de governança regional, como o Conselho do Ártico. Ameaças irreconciliáveis surgem quando um país reivindica águas ou ilhas como territórios nacionais em vez de os tratar como bens públicos. Infelizmente tais ambições imperialistas também estão presentes no Ocidente.
Os EUA têm olhado mais para o Pacífico do que para o Atlântico nas últimas décadas. Que importância tem a Base das Lajes neste contexto para a segurança no Atlântico?
Devido a avanços tecnológicos e a uma representação geopolítica, as Lajes perderam alguma da sua anterior centralidade para a NATO. Já não há uma razão convincente para os EUA ou os outros aliados se reunirem no meio do Atlântico. Mas os Açores podem continuar a ter um papel crucial para a segurança marítima no futuro com o novo Centro Atlântico, que está neste momento a ser criado na ilha Terceira pelo Ministério da Defesa português. O centro foca-se na criação e na partilha de conhecimento sobre governança marítima entre todos os Estados atlânticos. Idealmente, vai ser um espaço pluralista permanente onde as divisões existentes possam ser mitigadas: entre atores militares e civis, entre o Atlântico Norte e o Sul e entre comunidades locais e desafios globais.
Como é que os países do Atlântico podem trabalhar juntos para garantir uma estratégia marítima funcional?
Cada região da orla do Atlântico tem as suas culturas políticas, as suas irmãs e prioridades específicas. É muito difícil fixar valores que se apliquem inequivocamente a todo o espaço atlântico. Criar uma estrutura vinculante e centralizada é uma tarefa assustadora. A cooperação efetiva é um processo a longo prazo. A curto prazo, trabalharmos juntos exige ou um denominador negativo comum, como derrotar um inimigo comum, ou um objetivo partilhado, como ter oceanos limpos.
Que importância tem para si receber este prémio, o FLAD Atlantic Security Award?
O meu trabalho é movido por um desejo de compreender como as regiões são feitas e desfeitas. Quer estejamos a falar da Europa ou do Atlântico, a identidade e o delineamento de qualquer região é constantemente alterado por atores políticos e sociais. Mas a ideia de que qualquer entidade geográfica se pode tornar uma região não se repercute em todo o lado. Por vezes luto para transmitir as minhas ideias, sobretudo quando estamos a falar de uma região marítima. Os oceanos são muitas vezes vistos como vazios intersticiais entre as regiões reais. Portugal é claramente diferente nesta questão. O país não vira costas ao oceano. O mar não é uma barreira. As pessoas veem-no como uma ligação ao resto do mundo. Fico muito feliz com este prémio, porque vem de um país onde as práticas sociais e a imaginação transcendem a divisão entre terra e mar.
helena.r.tecedeiro@dn.pt