Com a inflação em níveis nunca vistos nos últimos 30 anos, as famílias portuguesas estão já a cortar nos gastos e a mudar os seus hábitos de consumo. Ao contrário do período da pandemia, em que o consumidor se abastecia em quantidade, de modo a ir poucas vezes às compras, com o disparar dos preços, as famílias vão mais vezes às compras, em busca de promoções e de produtos mais baratos. A Kantar comparou os dados das compras de bens de grande consumo no primeiro semestre de 2022 com os de igual período de 2019 e concluiu que os portugueses gastam agora mais dez euros por mês para comprar uma cesta básica..Composta por 42 artigos de entre os mais consumidos, como açúcar, massas, arroz, conservas, carne fresca ou laticínios, entre outros produtos, a cesta básica custa agora 160 euros por mês, mais dez do que custava no primeiro semestre de 2019. Significa isto que, a manter-se esta trajetória, serão 120 euros a mais que sairão dos bolsos dos consumidores, sendo que este valor contempla já as medidas de contenção tomadas. É que, diz a Kantar, se não tivesse havido alteração nenhuma ao nível da escolha das famílias, designadamente procurando produtos mais baratos, como os de marca própria, esta cesta básica deveria custar mais 189 euros no final do ano..Sem qualquer mudança de produtos, o cabaz estaria hoje 24% mais caro face ao período pré-pandemia. Mas a mudança real de preço foi de 13%, o que significa, diz a Kantar, que "45% do aumento de preços foi ultrapassado por mudança nas escolhas dos compradores". E os números mostram-no: as famílias estão a comprar 5% menos em quantidade do que antes e estão a levar menos categorias. A cesta básica, que em 2020 era composta por artigos de 35 categorias distintas, leva agora apenas 32. E há menos compradores, o que é atestado pelo facto de 62% das categorias perderem compradores. A inflação da cesta básica "impacta sobretudo as famílias com filhos", revela o estudo..Na análise por tipo de produtos, é a alimentação a principal categoria afetada. Os portugueses gastaram nos primeiros seis meses do ano 1069 euros, em média, em artigos alimentares, 77 euros mais do que em igual período de 2019. Garante a Kantar que 50% deste aumento dos preços "aconteceu no último ano". Nas bebidas, o agravamento foi de 11 euros, para um gasto médio total de 103 euros..O estudo da Kantar incluiu os resultados de um inquérito aos consumidores, sobre os efeitos da inflação, e que mostra que 62% dos portugueses diz ser difícil fazer face às despesas com produtos alimentares e bens essenciais e que 67% dos inquiridos afirmam que têm de controlar mais os seus gastos. E, por isso, 43% revela que vai "com mais frequência" aos súper e hipermercados "à procura de produtos mais baratos". Os casais com filhos crescidos e os lares monoparentais são os que mais se desdobram nesta caça às promoções..CitaçãocitacaoCom 42 artigos de entre os mais consumidos, a cesta básica custa agora 160 euros por mês. Mas se as famílias não estivessem a comprar produtos mais baratos, o valor subiria para 189 euros.."O consumidor apresenta hoje um comportamento que começa a ser muito parecido com o do período da troika. Em vez de um cesto de compras alargado, o receio de estar a comprar a mais e de não ter dinheiro suficiente para comprar tudo o que precisa, leva a este esforço de ir às compras repetidamente buscar apenas o que precisa", diz o diretor-geral da Centromarca, parceira da Kantar neste estudo. Pedro Pimentel sublinha que a inflação está já a ter impacto na diversidade do consumo, já que "a necessidade de controlar os gastos leva as famílias a refugiarem-se nas marcas próprias da distribuição", entendidas como mais baratas.."O efeito da inflação começa-se a sentir fortemente - e nem outra coisa seria de se esperar - em termos do comportamento do consumidor, que está efetivamente a alterar a forma de comprar, não só em termos da sua frequência, mas dos produtos que escolhe. Nesse sentido, tenta conter o efeito por duas vias, pela quantidade que compra e pelo preço mais barato do recurso às marcas próprias", defende este responsável, sublinhando que, apesar da expectativa de que a inflação "esteja já a aproximar-se do pico", ela vai continuar a marcar a evolução do mercado durante os próximos meses..Mas o responsável da Centromarca reclama, ainda, a atenção do Estado para estes números do ponto de vista da arrecadação fiscal. "Uma parte da inflação é introduzida pelos impostos indiretos, essencialmente IVA, que são colocados em cima dos produtos. Hoje em dia, a inflação é um grande negócio para o Estado. É importante que haja essa consciência e que as medidas de contenção que se fazem para salvaguardar este, aquele ou outro grupo, deveriam ser possíveis de aplicar de uma forma transversal, beneficiando toda a gente, e contendo a inflação de uma forma muito mais simples", defende..Ilídia Pinto é jornalista do Dinheiro Vivo